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“Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim…
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim…”
O poeta Augusto Gil, o autor da conhecida “Balada da Neve” é, seguramente, uma das figuras mais conhecidas da galeria de guardenses ilustres.
Augusto César Ferreira Gil nasceu na freguesia de Lordelo, Porto, a 30 de Julho de 1870; berço fortuito devido à circunstância de sua mãe se encontrar ali, acidentalmente. A família era toda Beira: “o pai do Maçal do Chão, concelho de Celorico; a mãe nada e criada na própria sede do concelho. Desde a idade de três meses, Gil residiu na Guarda, que ele considerava, pelos laços de sangue e do coração, como sua terra natal”. Escreveu Ladislau Patrício, biógrafo e cunhado do poeta.
Augusto Gil passou a maior parte da sua vida na mais alta cidade de Portugal e aqui fez os primeiros estudos; frequentou, depois, o Colégio de S. Fiel, após o que regressou à Guarda, onde se encontrava em 1887. Tempo depois, ingressou como voluntário na vida militar que deixou com o início dos estudos na Escola Politécnica; estes seriam interrompidos, contudo, por motivo de doença. Em finais de 1889 foi autorizado a frequentar a Escola do Exército onde o aproveitamento lectivo não foi exemplar; passados dois anos, em Maio de 1891, ingressou no Regimento de Infantaria 4 e aí prestou serviço até ao mês de Novembro.
De novo na Guarda, Augusto Gil fez nesta cidade, em 1892 e 1893, os exames do Liceu, rumando posteriormente para Coimbra, em cuja Universidade cursou Direito; na cidade do Mondego teve como companheiros Alexandre Braga, Teixeira de Pascoais, Egas Moniz e Fausto Guedes Teixeira, entre outros. Concluída a formatura, em 1898, Augusto Gil regressou à Guarda; neste período a vida não lhe correu de feição e foi confrontado com diversos problemas, de ordem profissional e de ordem económica; pretendeu exercer advocacia mas não conseguiu “clientela que lhe desse ao menos para sustentar o vício do tabaco”; curiosamente, o poeta já tinha vaticinado estas dificuldades “na aldeia sertaneja, onde hei-de ser/o melhor poeta e o pior legista”.
Desejou ser professor provisório do Liceu mas o conselho escolar dessa época não o considerou competente para reger a cadeira de português. Ao longo dos anos sucederam-se diversas contrariedades e episódios que deixaram traços indeléveis no percurso literário de Augusto Gil. Decidiu ir para Lisboa e foi trabalhar com Alexandre Braga; em 1909 regressou à Guarda, enredado em dificuldades financeiras.
Com a implantação da República, impulsionou o aparecimento do Centro Republicano da Guarda e fundou o semanário “A Actualidade”, que dirigiu entre 1910 e 1912. Embora este jornal tenha surgido com meio de promoção do ideário republicano, assumiu um pendor acentuadamente literário, contando com a colaboração do Pd. Álvares de Almeida, Ladislau Patrício, Amândio Paul e Afonso Gouveia, para além de outras personalidades.
No mês de Novembro de 1911 - quando João Chagas fez parte, pela primeira vez, de um governo da República – Augusto Gil foi nomeado Comissário da Polícia de Emigração Clandestina, pelo que foi viver para Lisboa. No ano seguinte casou com Adelaide Sofia Patrício, irmã do segundo director do Sanatório Sousa Martins, o médico e escritor Ladislau Patrício.
Após ter exercido, durante escassos meses, o cargo de Governador Civil de Aveiro, voltou para a capital onde teve, em 1918, uma passagem pelo Ministério da Instrução Pública; no ano seguinte foi nomeado Director Geral das Belas Artes. Em Lisboa foi uma figura altamente conceituada nos meios intelectuais e sociais; assim não é de estranhara a homenagem de que foi alvo no Teatro Nacional, em 19 de Junho de 1927. A comissão promotora dessa iniciativa integrou nomes como Júlio Dantas, José Viana da Mota, Henrique Lopes de Mendonça, Columbano Bordalo Pinheiro, Eduardo Schwalbach e Gustavo Matos Sequeira.
Distinguido com o grau de Grande Oficial da Ordem de Santiago de Espada e com a Ordem da Coroa da Bélgica Augusto Gil foi eleito, em 12 de Abril de 1923, por unanimidade, sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa.
O trabalho de Augusto Gil cruzou-se, frequentemente, com períodos de grande sofrimento, resultado da doença que o atormentava. “A doença que desde o primeiro quartel da existência o consumiu e as dificuldades materiais com que sempre mais ou menos lutou, encontram-se no fundo de toda a sua obra, e que sabe se até não a condicionaram”, observou Ladislau Patrício num apontamento biográfico sobre o poeta.
Nomeado Secretário-Geral do Ministério da Instrução Pública não chegou a tomar posse desse cargo pois morreu a 26 de Fevereiro de 1929, numa casa situada na Rua Bartolomeu Dias, em Lisboa. O seu falecimento foi notícia destacada nos principais jornais do país e, naturalmente, pela imprensa da Guarda, em cujas páginas se sucederam as mais elogiosas referências ao homem e ao poeta.
O funeral de Augusto Gil (a 1 de Março, na Guarda) constituiu, de acordo com os relatos jornalísticos da época, uma grande manifestação de pesar. “Tudo o que a Guarda tem de mais distinto acorreu a tomar parte na sentida homenagem” e participar no cortejo fúnebre que se “revestiu de desusada imponência”.
Os restos mortais de Augusto Gil repousam num jazigo localizado logo à entrada do cemitério municipal da Guarda, ostentando dois versos de “Alba Plena”: “E a pendida fronte, ainda mais pendeu.../E a sonhar com Deus, com Deus adormeceu...”
“Musa Cérula”, “Versos”, “Luar de Janeiro”, “O Canto da Cigarra”, “Gente de Palmo e Meio”, “Sombra de Fumo”, “Alba Plena”, “Craveiro da Janela”e “Avena Rústica” foram as principais produções literárias deste poeta, cujo trabalho evoluiu quase à margem de escolas ou correntes literárias. “Não é um romântico, nem parnasiano, nem simbolista: é ele – o Augusto Gil – nome que é um gracioso ritmo”, observou Bulhão Pato.
Sampaio Bruno considerava-o, numa missiva que lhe dirigiu em 1915, “um dos raros e grandes escritores” do país, pois “tem emoção e é poeta; tem correcção, e é artista. Ter emoção e ter correcção é a sua perfeição”. Muitos dos versos de Augusto Gil passaram para o cancioneiro popular, como sublinharam alguns estudiosos da sua obra, suportada num verso melodioso e num ritmo suave.
“Foi e é um dos poetas entre nós a quem o povo mais abriu o coração, e quando o povo abre o coração a um poeta, o seu amor repercutir-se-á pelo tempo além”, como anotou João Patrício. De facto, se Augusto Gil cultivou a poesia, as letras, cultivou também o seu amor pela Guarda onde escreveu uma grande parte dos seus melhores poemas; a cidade bem se pode orgulhar do seu “mais alto poeta” e recordá-lo é um dever de memória.
Helder Sequeira
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