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O antigo Ministro Veiga Simão, e ex-Embaixador nas Nações Unidas, faleceu em Lisboa no passado dia 3 de Maio.
Natural da Guarda, José Veiga Simão foi uma personalidade cuja craveira académica e científica mereceu inquestionável reconhecimento, dentro e fora de Portugal. No plano da sua carreira política registam-se vários cargos de relevo, entre os quais o de Ministro da Educação Nacional (assumindo-se como “intérprete duma Reforma onde os professores foram os meus principais aliados”), Embaixador de Portugal nas Nações Unidas e Ministro da Indústria e Energia. Se a política (“cultivada com princípios”) o não desiludiu, o mesmo já não dizia de “alguns políticos”, sobretudo daqueles que “não têm pejo de esconder e ofender a verdade para protegerem interesses pessoais ou partidários ilegítimos”.
Em entrevista que nos concedeu, e publicada na Revista Praça Velha (Outubro de 2005), Veiga Simão defendia que “o mérito tem de comandar o progresso...os partidos têm de ser escolas de cidadania e competência e não meras agências de emprego”.
Nascido na Guarda (no Bonfim) em Fevereiro de 1929, Veiga Simão afirmava que esta cidade “tem direito a sonhar mais alto”. As suas recordações, da cidade, centravam-se na Rua de S. Vicente, onde viveu até aos dez anos, “na Igreja de São Vicente, nos Arcos do Espírito Santo, no Torreão e nos caminhos para a Fonte da Dorna... e, mais fortemente, na Escola Primária velhinha junto ao Tribunal.” Percursos que, como nos disse, a sua “memória sublimou, conferindo-lhe uma dimensão física que não resistiu à realidade, mas que representa o sonho de criança”.
Nessa entrevista, quando questionado sobre a importância da criação da Escola Normal Superior da Guarda (que acabou por ficar pelas páginas do Diário do Governo), referia-nos que ela “não foi apenas criada por Decreto-Lei em 1973. A comissão instaladora, constituída por personalidades de rara qualidade, tomou posse em Janeiro de 1974, tendo sido aprovadas as principais orientações estratégicas. A importância da Escola Normal Superior era evidente, como centro de Educação e de Cultura, com o objetivo primeiro de qualificar professores e de formar técnicos superiores, para áreas decisivas da revolução tecnológica, já em curso, como a informática e as tecnologias de informação, essenciais às empresas e às instituições públicas e privadas”.
Como nos afirmou, a extinção daquela Escola “foi determinada por um conservadorismo esquerdista e quási-anárquico, que prejudicou o progresso da cidade... Perderam-se os doutorandos enviados para a Europa e os EUA, perderam-se as vultosas verbas do IV Plano de Fomento, perdeu-se o acordo, para a sua internacionalização, com uma Grande École francesa e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. A verdade é que a Escola Superior de Educação — e o Ensino Politécnico — só são recuperados passados sete anos, sujeitos a uma configuração determinada por um economicismo circunstancial, sem qualquer base inovadora e prospetiva.”
A reforma do Sistema Educativo foi a sua preocupação prioritária quando assumiu, em 1970, o cargo de Ministro da Educação. À pergunta se, face aos resultados, sentia o seu trabalho recompensado, Veiga Simão respondeu-nos que a reforma por ele liderada “entre 1970 e 1974, marcou uma época e representou uma iniciativa ousada de abertura e de evolução do Regime. Adotei, como pilar imprescindível, a sua internacionalização e, nesse quadro, mereceu o apoio declarado da OCDE e de países democráticos, em particular, a França, a Inglaterra e os Estados Unidos.
A ala liberal do Regime apoiou, entusiasticamente, a Reforma Educativa. Foi pena não se ter iniciado mais cedo... É que, como nessa altura se proclamava, “um cidadão mais culto é um cidadão mais livre.
Dir-lhe-ei, ainda, que me orgulho de ter sido Ministro da Educação Nacional, que me orgulho da equipa que colaborou comigo e da qual emergiram personalidades que marcaram a Democracia Portuguesa pela sua capacidade e competência e que sinto uma enorme felicidade por ter sido intérprete duma Reforma onde os professores foram os meus principais aliados”.
Na mesma entrevista, Veiga Simão revelou que, após o 25 de Abril, foi convidado por António de Spínola para assumir as funções de Primeiro-Ministro do Governo Provisório. Convite que encarou “com a serenidade de quem sabia não haver condições éticas, nem políticas, para aceitar qualquer lugar de governação. Spínola compreendeu as minhas razões”.
Apesar de ter declinado esse convite, teve um papel fundamental na redação do Programa do I Governo Provisório. “Fui eu que concebi e redigi o Programa do I Governo Provisório, a pedido de Spínola, definindo com ele os Capítulos que o integravam. Foi pena não ter sido cumprido.” Afirmava-nos, em 2005, Veiga Simão, que viu, posteriormente, as diferenças entre o programa assinado por si e o que foi publicado no, então, Diário do Governo.
Aludindo à sua passagem, pelo Ministério da Defesa Nacional, considerou que o processo de modernização das Forças Armadas, por si iniciado, “foi infelizmente bloqueado. Leis em aprovação foram retiradas... prevaleceu a política de que os militares não dão votos... Para que se atingisse tal fim, foi necessário que, na Assembleia da República — conforme as conclusões dum inquérito, realizado pela Procuradoria-Geral da República a uma Comissão Parlamentar de Inquérito — se cometesse, cobarde e anonimamente, um crime de violação de sigilo... Uma vergonha, aliás, internacionalmente conhecida, que fere a honra dos que, na Assembleia da República, exercem o seu cargo com dignidade...O amor que a Guarda me ensinou a ter pelo Estado, obrigou-me a calar a minha revolta... Um assunto para futuras memórias.”
Eleito deputado pelo Distrito da Guarda, Veiga Simão exerceu essas funções por breves dias, pois assumiu outras funções públicas. “Mas, recordo-me das tentativas para se aprovar um Programa gizado para o desenvolvimento do interior. No entanto, como Ministro da Indústria e Energia, entre outras iniciativas, impulsionei a conhecida barragem do Caldeirão, que fui desenterrar aos arquivos da EDP, apoiei e incentivei a criação do Núcleo Empresarial da Região da Guarda (NERGA), criei um Centro de Desenvolvimento Industrial e apoiei a criação do Parque Industrial...”
Quando lhe colocámos a pergunta se a política o tinha desiludido, Veiga Simão responderia que “a política é uma arte que, cultivada com princípios, nunca desilude... Porém, alguns políticos desiludiram-me, designadamente, quando não têm pejo de esconder e ofender a verdade para protegerem interesses pessoais ou partidários ilegítimos.”
Respondendo à questão sobre que eixos de desenvolvimento deviam marcar a Guarda do século XXI, Veiga Simão comentou que “essa pergunta era uma nova entrevista. Mas, o principal eixo de desenvolvimento, passa por criar condições para a constituição duma “plataforma do conhecimento”, em articulação com a região vizinha da Espanha... A qualificação humana, em níveis de vanguarda ao serviço de empresas de base tecnológica e cultural, é determinante... A cooperação inter-institucional é, também, decisiva”.
No final da entrevista, quando lhe perguntámos se gostaria de estar envolvido num projeto diretamente relacionado com o progresso e projeção da Guarda, teve uma resposta breve mas elucidativa: “estarei sempre disposto a emitir o meu conselho..., quando me for pedido”…
Uma colaboração que a Guarda esqueceu, pelos vistos; como tem esquecido outras figuras que, e circunscrevendo-nos ao perfil científico e técnico, poderiam ter dado um contributo relevante em termos de uma desejada dinâmica de desenvolvimento, em várias vertentes, valorizando e projetando as nossas instituições.
(in O Interior, 15 de Maio de 2014)
O antigo Ministro Veiga Simão, e ex-Embaixador nas Nações Unidas, faleceu hoje em Lisboa.
“Sou um Homem que tem as suas raízes na Guarda, as quais alimentam o meu pensamento, até por que, nessas raízes, se encontram os valores maiores da Honra, da Pátria e da Solidariedade...”, disse-nos na entrevista que nos deu em Outubro de 2005, publicada na Revista Praça Velha, editada na Guarda, cidade de onde era natural; entrevista que aqui recordamos.
Na Guarda das referências
Entrevista de:
Helder Sequeira
O guardense José Veiga Simão é uma personalidade cuja craveira académica e científica merece inquestionável reconhecimento, dentro e fora de Portugal.
No plano da sua carreira política registam-se vários cargos de relevo, entre os quais o de Ministro da Educação Nacional (assumindo-se como “intérprete duma Reforma onde os professores foram os meus principais aliados”), Embaixador de Portugal nas Nações Unidas e Ministro da Indústria e Energia. Se a política (“cultivada com princípios”) o não desiludiu, o mesmo já não diz de “alguns políticos”, sobretudo daqueles que “não têm pejo de esconder e ofender a verdade para protegerem interesses pessoais ou partidários ilegítimos”.
Sustenta, entretanto, que “o mérito tem de comandar o progresso...os partidos têm de ser escolas de cidadania e competência e não meras agências de emprego”.
Nascido na Guarda (no Bonfim) em Fevereiro de 1929, Veiga Simão afirma que esta cidade “tem direito a sonhar mais alto”, apontando algumas vias fulcrais para o seu progresso.
Que recordações guarda dos seus primeiros anos, na terra natal?
O meu imaginário, o de quem viveu a sua infância na Guarda, alimenta a minha memória com as mais belas e doces recordações.
Nasci em 1929, no Bonfim, numa casa que já não existe e fui baptizado na Sé da Guarda. Ainda, pela última vez que visitei a Guarda, fui contemplar a pia baptismal, cuja água benta temperou a força granítica, determinante da minha vida.
Mas as minhas recordações centram-se na Rua de S. Vicente, onde vivi até aos dez anos, na Igreja de São Vicente, nos Arcos do Espírito Santo, no Torreão e nos caminhos para a Fonte da Dorna... e, mais fortemente, na Escola Primária velhinha junto ao Tribunal.
Percursos que a minha memória sublimou, conferindo-lhe uma dimensão física que não resistiu à realidade, mas que representa o sonho de criança.
Ainda realizei o exame de admissão no Liceu Afonso de Albuquerque, mas já frequentei o primeiro ano no Liceu D. João III, em 1939, em Coimbra.
Quais as referências humanas e culturais desse tempo?
No percurso que mencionei, salientam-se, como referências maiores, os meus Pais — Aníbal e Maria Joaquina —, o meu irmão único mais velho — Júlio —, a minha professora primária — Dona Aurora —, o meu catequista em S. Vicente — o padre Viegas — mais tarde, pároco inesquecível de Prados, Celorico da Beira, a terra de meus Pais... A minha professora primária, D. Aurora, a professora primeira, acompanha-me, ainda hoje, no meu pensamento sobre Educação... O Verão, com o calor que abrasa e o Inverno, com os seus mantos brancos caídos do azul cinzento dos céus, são imagens que vivem sempre comigo.
Que autores, então, mais o influenciaram?
Não é fácil responder a essa questão, ainda que, no fundo da minha memória, encontre Júlio Verne, Victor Hugo e Camilo Castelo Branco... Outras leituras foram as do “Primeiro de Janeiro” e as que meu Pai me transmitia do seu ídolo — o Presidente da República António José de Almeida —, com fotografia na sala de jantar... A sua visita ao Brasil e a aventura de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, eram alimento de “autoestima” dum jovem.
Afirma-se um homem da Guarda? Procura acompanhar a evolução da cidade?
Sou um Homem que tem as suas raízes na Guarda, as quais alimentam o meu pensamento, até por que, nessas raízes, se encontram os valores maiores da Honra, da Pátria e da Solidariedade... Sobre a evolução da minha cidade da Guarda, acompanho-a, apenas, pelos seus jornais, que transmitem sucessos, preocupações, aspirações e angústias... Sinto que a Guarda, como cidade de Portugal e da Europa, tem direito a sonhar mais alto...
Em 1973 foi criada a Escola Normal Superior da Guarda (que acabou por ficar pelas páginas do Diário do Governo). Que importância atribuía a essa Escola, para a cidade e região?
A Escola Normal Superior não foi apenas criada por Decreto-Lei em 1973. A comissão instaladora, constituída por personalidades de rara qualidade, tomou posse em Janeiro de 1974, tendo sido aprovadas as principais orientações estratégicas.
A importância da Escola Normal Superior era evidente, como centro de Educação e de Cultura, com o objectivo primeiro de qualificar professores e de formar técnicos superiores, para áreas decisivas da revolução tecnológica, já em curso, como a informática e as tecnologias de informação, essenciais às empresas e às instituições públicas e privadas.
A sua extinção foi determinada por um conservadorismo esquerdista e quási-anárquico, que prejudicou o progresso da cidade... Perderam-se os doutorandos enviados para a Europa e os EUA, perderam-se as vultosas verbas do IV Plano de Fomento, perdeu-se o acordo, para a sua internacionalização, com uma Grande École francesa e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.
A verdade é que a Escola Superior de Educação — e o Ensino Politécnico — só são recuperados passados sete anos, sujeitos a uma configuração determinada por um economicismo circunstancial, sem qualquer base inovadora e prospectiva.
Dessa falta de visão estratégica estamos, aliás, a sofrer as consequências hoje, persistindo em medidas pontuais, desgarradas da questão essencial: Que futuro para a Guarda? Como inseri-la na Europa? Qual o papel do ensino superior da Guarda na Cidade, na Região, no País e na Europa?
Espero que a crise actual aguce o engenho e a ambição dos Guardenses...
A reforma do Sistema Educativo foi a sua preocupação prioritária quando assumiu, em 1970, o cargo de Ministro da Educação. Sente-se – face aos resultados – recompensado pelo trabalho desenvolvido?
A Reforma do Sistema Educativo, que tive a honra e o privilégio de liderar durante quatro anos, entre 1970 e 1974, marcou uma época e representou uma iniciativa ousada de abertura e de evolução do Regime.
Adoptei, como pilar imprescindível, a sua internacionalização e, nesse quadro, mereceu o apoio declarado da OCDE e de países democráticos, em particular, a França, a Inglaterra e os Estados Unidos.
A ala liberal do Regime apoiou, entusiasticamente, a Reforma Educativa. Foi pena não se ter iniciado mais cedo... É que, como nessa altura se proclamava, “um cidadão mais culto é um cidadão mais livre”. Recordo, aqui, apenas as palavras de Sá Carneiro, em 1973:
“Parece-me que, no sector da educação, o Governo se tem revelado efectivamente progressivo. É mesmo, para mim, o único sector em que isso tem acontecido. E é um sector fundamental, pois que o problema da Educação e da Cultura condiciona muito do nosso desenvolvimento, até político. Não creio, de modo algum, que seja o único, ou que seja sequer suficiente para que possamos prescindir, com base nele, de uma liberalização e democratização políticas. Mas creio que, juntamente com elas, é um ponto fundamental de desenvolvimento e, portanto, parece-me que representa um esforço sério e honesto, talvez mesmo o mais sério que até agora se tem efectuado, de conseguir uma autêntica, uma eficaz promoção cultural e educativa dos Portugueses.”
Dir-lhe-ei, ainda, que me orgulho de ter sido Ministro da Educação Nacional, que me orgulho da equipa que colaborou comigo e da qual emergiram personalidades que marcaram a Democracia Portuguesa pela sua capacidade e competência e que sinto uma enorme felicidade por ter sido intérprete duma Reforma onde os professores foram os meus principais aliados.
Essa reforma permitiu, ao país, “acertar o passo pela Europa”?
Essa Reforma, que serviu de exemplo a outros países, deu uma contribuição significativa, para responder criativamente ao desafio, ainda hoje existente, de colocar Portugal entre os países mais atractivos e competitivos da Europa.
Porém, o progresso, indesmentível, dos últimos trinta anos, podia ter sido mais fecundo e visível se não se cometessem erros clamorosos. Citarei, apenas, o desvio de verbas consagradas no IV Plano de Fomento para a educação e que foram suportar as nacionalizações irracionais de empresas com investimentos irrecuperáveis — largos milhares de milhões de euros perdidos — e as fraudes e corrupção que dominaram, em demasia, a aplicação dos subsídios do Fundo Social Europeu na formação dos portugueses...
Hoje, como ontem, perante a crise que quási nos submerge, devemos cultivar o trabalho e a esperança.
O alargamento da escolaridade obrigatória foi uma aposta ganha?
A Lei de Bases do Sistema Educativo de 1973 estabeleceu oito anos para a escolaridade obrigatória. Tinha, ainda, sido decidido que, o nono ano de escolaridade, seria de formação profissional obrigatória, para quem abandonasse o sistema educativo.
Essa aposta não está, ainda, ganha.
E, se nada impede de legislar, no sentido da escolaridade obrigatória ser alargada para doze anos, será também decisivo conferir, de uma vez por todas, ao “ensino tecnológico”, o mesmo status social do “ensino geral”...
Os mecanismos em vigor para o financiamento do ensino tecnológico são de tal modo perversos e discriminatórios, que contrariam frontalmente a continuada e cansativa retórica política dos partidos do poder...
Após o 25 de Abril, como encarou o convite que António de Spínola lhe fez para assumir as funções de Primeiro-Ministro do Governo Provisório?
Com a serenidade de quem sabia não haver condições éticas, nem políticas, para aceitar qualquer lugar de governação. Spínola compreendeu as minhas razões.
Apesar de ter declinado o convite, teve um papel fundamental na redacção do Programa do I Governo Provisório.
Fui eu que concebi e redigi o Programa do I Governo Provisório, a pedido de Spínola, definindo com ele os Capítulos que o integravam. Foi pena não ter sido cumprido.
Em tempo oportuno, revelarei não só as personalidades que trocaram impressões comigo sobre esse Programa mas, também, as diferenças entre o Programa assinado por mim e o que foi publicado no Diário do Governo...
Como analisa, hoje, o período subsequente, em termos pessoais e profissionais?
A maior vitória, nesse período, é, sem dúvida, a consolidação da democracia. A maior derrota, reside no facto de se começar a pensar que a quási única âncora da democracia reside na nossa integração na Europa. De alguma forma, estamos a repetir erros do Estado Novo. Nessa altura, faziam-se comparações — nem sempre legítimas — com a Primeira República, para medir o nosso progresso; hoje fazem-se comparações — nem sempre fundamentadas — com o antes do 25 de Abril...
Temos de mudar de paradigma. A Espanha ultrapassou-nos; países da nossa dimensão, que eram mais atrasados, como a Irlanda e a Finlândia, progrediram, a ritmos que lhes permitiram dar saltos qualitativos. Por isso, sem deixarmos de nos orgulhar do que de bom fizemos, são necessárias atitudes e programas mobilizadores do Estado e da Sociedade Civil.... Temos de compreender as razões para os nossos sacrifícios... Os Governantes e as elites políticas e de gestão das instituições, devem ser exemplares e não constituírem classes de privilégios e de negócios ilegítimos.
O interior tem aqui uma palavra a dizer.... o mérito tem de comandar o progresso... os partidos têm de ser escolas de cidadania e de competência e não meras agências de emprego....
Dos vários cargos que desempenhou, até agora, qual o que lhe deixou melhores recordações: Reitor da Universidade de Lourenço, Marques, Ministro da Educação, Presidente do LNETI, Ministro da Indústria e Energia ou Ministro da Defesa?
Criar uma Universidade em África (1963-1970), que atingiu padrões de excepcional qualidade, em vários domínios do conhecimento, competindo a nível internacional; protagonizar uma Reforma Educativa, sob o lema do direito à educação, do descongelamento da inteligência perdida nos ribeiros do interior e do acesso pelo mérito, foram tarefas inesquecíveis, só possíveis mercê, num caso e noutro, de equipas de excepcional competência e saber e que vieram a ter forte expressão na sociedade democrática pós-Abril.
Criar um Laboratório de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI), qualificando jovens e dotando-o de instalações e equipamentos modernos, colocando-o como um desejado parceiro europeu dos seus congéneres; e iniciar, no Ministério da Indústria e Energia, uma revolução tecnológica, traduzida num Plano Tecnológico para dez anos, elaborado com o Massachusetts Institute of Technology (MIT) dos EUA e o Banco Mundial, deixaram recordações inolvidáveis.
Criar, fazer e prestar contas, apostando no fortalecimento do capital intelectual português como linha mestre de Obras e de Programas, preencheu em muito a minha vida de professor, de cientista e de político ocasional...
Foi pena que a Universidade em África não tivesse nascido dez anos antes, que a Reforma da Educação não se tivesse iniciado após a II Grande Guerra Mundial... Foi pena que o poder político impusesse uma parálise ao LNETI e que o Plano Tecnológico fosse interrompido por interesses inconfessáveis... Mas, mesmo assim, muito se realizou.
Uma característica comum a todas estas tarefas, foi a sua internacionalização ab initio, com parceiros institucionais da Europa, dos EUA e da OCDE.
Neste percurso, não referirei os tempos inesquecíveis de Embaixador de Portugal nas Nações Unidas...
Finalmente, no que respeita ao Ministério da Defesa Nacional, o processo de modernização das Forças Armadas, por mim iniciado, foi infelizmente bloqueado. Leis em aprovação foram retiradas... prevaleceu a política de que os militares não dão votos... Para que se atingisse tal fim, foi necessário que, na Assembleia da República — conforme as conclusões dum inquérito, realizado pela Procuradoria-Geral da República a uma Comissão Parlamentar de Inquérito — se cometesse, cobarde e anonimamente, um crime de violação de sigilo... Uma vergonha, aliás, internacionalmente conhecida, que fere a honra dos que, na Assembleia da República, exercem o seu cargo com dignidade...
O amor que a Guarda me ensinou a ter pelo Estado, obrigou-me a calar a minha revolta... Um assunto para futuras memórias.
Foi gratificante a experiência como deputado pelo Distrito da Guarda?
Exerci as funções, apenas por breves dias, pois assumi outras funções públicas. Mas, recordo-me das tentativas para se aprovar um Programa gizado para o desenvolvimento do interior.
No entanto, como Ministro da Indústria e Energia, entre outras iniciativas, impulsionei a conhecida barragem do Caldeirão, que fui desenterrar aos arquivos da EDP, apoiei e incentivei a criação do Núcleo Empresarial da Região da Guarda (NERGA), criei um Centro de Desenvolvimento Industrial e apoiei a criação do Parque Industrial...
A política desiludiu-o?
A política é uma arte que, cultivada com princípios, nunca desilude...
Porém, alguns políticos desiludiram-me, designadamente, quando não têm pejo de esconder e ofender a verdade para protegerem interesses pessoais ou partidários ilegítimos.
A mentira e a corrupção invadiram a cidade... Para onde vamos?
Regressando a questões do ensino, qual a principal debilidade do sistema educativo português?
Eleger uma debilidade do sistema educativo como principal causa dos males da educação, é uma forma interessante de provocar saudáveis polémicas.
Por mim, localizarei essa debilidade na fuga a valores que alteram a vida dos jovens, dos professores, das famílias e nos obrigam a repensar a Escola, a apostar em novas metodologias do ensino-aprendizagem, a fortalecer o espaço Escola-Sociedade, a educar os Pais e a apoiar a formação dos professores para a Escola Nova.
Há Universidades a mais em Portugal?
Há instituições e cursos do ensino superior, em número e em qualidade, desajustados da sua missão e funções na sociedade do conhecimento. A sociedade questiona, cada vez mais, o valor científico e social dos diplomas, dos graus e dos títulos...
É urgente avaliar, medir e tomar decisões. Se não fizermos as coisas a tempo, separando o trigo do joio, estamos perdidos na mediocridade.
Que importância atribui ao ensino superior politécnico?
O ensino superior politécnico é uma mais valia do ensino superior português, que não pode nem deve ser perdida. O processo de Bolonha, em Portugal, deve valorizar o ensino politécnico. A sua igualização curricular ao ensino universitário seria um crime idêntico ao que aconteceu com o ensino técnico versus ensino liceal, tendo como resultado, na prática, a extinção do primeiro.
Acha que há o empenho suficiente para se atingir, no nosso país, a qualidade e excelência, ao nível do ensino?
Existem nichos em instituições onde professores e jovens — muitas vezes em estreita ligação com a sociedade — cultivam a ambição da excelência e apostam na qualidade. Aqueles devem ser mais divulgados.
Mas, num sentido genérico, diria que não existe o culto da qualidade. O poder político, em geral, é o expoente máximo dessa inoperância. Bastará dizer que a avaliação da qualidade prevista, em 1986, na Lei de Bases do Sistema Educativo, só deu origem a uma lei regulamentar em 1994, para o ensino superior, e, em 2003, para os outros níveis de ensino.
Como perspectiva o ensino superior da próxima década?
Escrevi, nos últimos anos, em colaboração com outros companheiros, três livros referentes a uma visão estratégica para a próxima década, à oportunidade de Bolonha como ambição para a excelência e a opções estratégicas para a reorganização do ensino superior...
O processo de Bolonha tem de ser conduzido de modo a que as nossas instituições, os nossos cursos, os nossos graus e títulos profissionais, sejam acreditados a nível europeu e avaliados por entidades independentes, com participação internacional... O ensino superior deve ser um instrumento da competitividade de Portugal entre as Nações e uma componente privilegiada das plataformas do conhecimento, onde deve assentar o nosso desenvolvimento sustentado e sustentável.
Neste contexto, que importância atribui à Convenção de Bolonha?
A importância que atribuo à Declaração de Bolonha está explicitada na resposta anterior, sendo necessário, para o êxito do respectivo percurso, que o poder político tome as decisões a que a lei o obriga, as instituições procedam a auto-reformas corajosas e os professores e os alunos adoptem atitudes pró-activas de estudo e engenho.
Há alguns anos atrás, deu a entender a sua intenção em publicar um livro de memórias. Como está esse projecto? A Guarda passa por essas memórias?
Com o distanciar dos tempos e utilizando documentos e testemunhos escritos, como fonte dessas memórias, penso ter chegado a hora de acelerar esse projecto, no qual a Guarda estará presente em diversas épocas....
Que importância atribui à existência, na Guarda, do Centro de Estudos Ibéricos?
Uma importância singular para a afirmação cultural da Guarda e para a projecção dos valores que a definem na Península Ibérica, na Europa e no Mundo... Uma iniciativa que honra os seus obreiros, a Câmara Municipal, a Universidade de Coimbra e a Universidade de Salamanca. Eduardo Lourenço é um patrono inconfundível.
A Guarda tem-se afirmado culturalmente?
Tenho conhecimento, ainda que não aprofundado, de múltiplas iniciativas artísticas e literárias, no domínio da História e das Ciências do Ambiente... que merecem maior visibilidade a nível nacional, ibérico e europeu...
A divulgação dessas iniciativas deve constituir uma prioridade das instituições Guardenses.
Que eixos de desenvolvimento, na sua perspectiva, devem marcar a Guarda do século XXI?
Essa pergunta era uma nova entrevista. Mas, o principal eixo de desenvolvimento, passa por criar condições para a constituição duma “plataforma do conhecimento”, em articulação com a região vizinha da Espanha...
A qualificação humana, em níveis de vanguarda ao serviço de empresas de base tecnológica e cultural, é determinante... A cooperação inter-institucional é, também, decisiva.
Gostaria de estar envolvido num projecto directamente relacionado com o progresso e projecção da Guarda.
Estarei sempre disposto a emitir o meu conselho...., quando me for pedido.
Publicada na Revista Praça Velha, Outubro 2005
(Direitos reservados)
“A crise económica e social vai atingir uma dimensão que põe em causa o modus vivendi de milhões de portugueses e vai ter efeitos desastrosos na classe média”, afirmou, na Guarda ,Veiga Simão.
Este académico, que foi já responsável pelas pastas da Indústria e Energia e da Defesa, falava no decorrer da sessão solene de abertura do ano lectivo no IPG, onde abordou o tema “Universidades e Politécnicos: caminhos de liberdade e desenvolvimento”.
Veiga Simão, aludiu à sua experiência enquanto responsável pela reforma educativa dos anos 70, “consagrada na lei de Bases do Sistema Educativo, que institucionalizou, inspirada em princípios da I República, o direito à educação, à democratização do ensino, à igualdade de oportunidades e ao acesso ao mérito”, recordando que nessa época o ensino superior se limitava, na prática, às Universidades de Coimbra, Lisboa, Técnica de Lisboa e Porto.
Na sua perspectiva, o processo de Bolonha, “ausente de uma programação estratégica definida pelo Governo, ao contrário da vizinha Espanha, dando primazia a uma engenharia legislativa associada a uma engenharia estatística, dominada por critérios políticos que desequilibram o binómio quantidade-qualidade, veio criar graves e naturais problemas às instituições de ensino superior”. Estes, acrescentou, são “agravados por esquemas de financiamento questionáveis”.
Daí resulta, referiu, que as instituições de ensino superior, “onde, apesar de tudo, se desenvolvem nichos de qualidade, são obrigadas a colocar em primeiro lugar a sua sobrevivência”. No interior estas instituições esta questão assume maior dimensão pois “não existe um modelo de desenvolvimento para o nosso País, que fortaleça o desenvolvimento regional e a coesão social entre portugueses”.
Veiga Simão defendeu a necessidade de as instituições de ensino superior analisarem as “consequências de políticas sucessivas na desertificação do interior e se interrogarem sobre o seu futuro porquanto são pilares fundamentais do desenvolvimento do País.
É necessário ter a coragem para enfrentar construtivamente o poder político em tempo útil, de modo a que este seja colocado perante as graves responsabilidades que assumirá se estas instituições se degradarem até à sua extinção”.
Neste contexto, aquele académico e político, acentuou a urgência em serem discutidos “cenários alternativos para o modelo de desenvolvimento em vigor e analisar criticamente o seu impacto no desenvolvimento local e regional”, considerando, ainda, imperioso que as Universidades e Politécnicos, “geradores de pessoas livres e cultas, devem semear civilidade, o que não é fácil por ser um valor escasso na sociedade portuguesa”.
O ex-ministro, evidenciou, por outro lado que decorridos 36 anos após o 25 de Abril, 24 depois da integração europeia e 11 anos após a data de adesão ao euro, o país se encontra “numa crise, mistura de erros próprios e de impactos de erros de outros. Todos estamos conscientes de que temos de recuperar mais de uma década perdida e não permitir a decadência de Portugal”.
Veiga Simão defendeu, no decorrer da sua intervenção, que as universidades e politécnicos devem “emergir numa sociedade organizada para confrontar ou convergir com o Estado, na construção do futuro, capacitando os cidadãos para a invenção e para a construção” de organizações económicas “mais racionais e mais justas”, tudo isto numa “exacta medida das aspirações e necessidades dos seres humanos e não numa absoluta dependência de desígnios abstractos, como sejam o crescimento ilimitados, para alguns, da acumulação dos rendimentos e fluxos monetários”.
Referindo-se à realidade distrital, o conferencista lançou o repto para o lançamento de um “Programa Estratégico de Desenvolvimento, no qual cooperem todas as entidades políticas, académicas e culturais e económicas da região da Guarda”.
Veiga Simão concluiu dizendo que “o problema de hoje não é apenas a crise, é o nosso futuro” e alimentou a esperança do nascimento de novas elites “que por amor à democracia e as res publica rompam com o statu quo existente e iluminem vias de novo progresso”.
in Diário AS BEIRAS, 8/12/2010
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