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Madalena Ferreira é um rosto conhecido da informação televisiva, mas também uma voz da rádio, uma jornalista que continua a privilegiar “o gosto pela descoberta e o prazer de levar ao público(s) o produto de muito e grato trabalho.” Isto apesar de reconhecer que, atualmente, existe um “jornalismo institucional, de agenda. Dos políticos e das direções dos meios de comunicação social.” Como disse ao CORREIO da GUARDA.
“Na falta de recursos faz-se jornalismo ao telefone, de bancada e perdeu-se muito a ida ao terreno”, o que para esta jornalista é um retrocesso. Por outro lado, e na sua forma de estar e de ser, não hesita em acrescentar que “sem independência financeira não há liberdade. Venha quem vier.”
Natural da aldeia de Barracão (Guarda), onde nasceu há 53 anos, Madalena Ferreira estudou jornalismo na Guarda e Direito em Coimbra, sempre a trabalhar. Na Rádio Altitude, na Radio F, Diário de Notícias, 24 horas, Rádio Clube Português, Jornal de Notícias, TSF e SIC onde permanece há 17 anos. Recentemente fez estágio e exame à Ordem dos Advogados “com vontade de exercer a profissão, o que acontece vai para ano e meio”, referiu ao CORREIO DA GUARDA. Nesta entrevista falou-nos dos trabalhos que a marcaram e outrossim de um inédito episódio ocorrido no decorrer da sua vida profissional, como jornalista.
Como surgiu a entrada para o jornalismo? Foi o jornalismo que a escolheu, como já comentou?
Realmente foi porque eu nunca tinha cogitado fazer esse caminho. Nunca até o Emílio Aragonês acompanhado do Dr. Lopes Craveiro me desafiar a fazer os testes para entrar na Rádio Altitude.
Pouco tempo antes, lembro-me de ouvir quer o Emílio Aragonês, quer o Francisco Carvalho e pensar na profissão deles como algo longínquo e inalcançável até. De maneira que o convite apareceu rodeado de alguma incredibilidade da minha parte.
Por um lado, era muito jovem, tinha apenas 17 anos e por outro, como é que alguém experimentado se tinha lembrado de uma miúda sem provas dadas ou, pelo menos, sem dar qualquer sinal de talento ou vocação, pensei eu à época.
Esteve também ligada à Rádio (e continua a estar). Como ocorreu essa ligação e que memórias mais gratas guarda dessa época?
Esta questão está muito ligada à anterior porque a entrada na Rádio foi o início de um percurso de descobertas. Até sobre mim própria.
E ainda bem que bem que aconteceu porque pouco tempo depois de entrar na Altitude seguir apaixonei-me realmente pela Rádio. Não tanto pela música que ainda passei algum tempo, mas pela informação.
Recordo-me que numa noite eleitoral, precisamente o Hélder Sequeira deixou-me acompanhar e trabalhar um bocadinho na dinâmica da chegada de resultados eleitorais e a sua transmissão imediata aos ouvintes.
Foi para mim extraordinário perceber a magia de chegar primeiro, isto é, a magia de estar em cima do acontecimento e informar quem nos seguia como ficava o tecido eleitoral no concelho, no distrito e no país.
Acho que foi aí que decidi que aquela seria a minha vida. Podia ter corrido mal no sentido em que, muitas vezes, o que queremos não é que o que vivemos, mas realmente para mim foi o princípio de grandes coisas. Abriu-se um mundo de conhecimento que nem sabia que apreciava tanto.
Nessa altura a inclinação era mais para a rádio ou para a imprensa escrita?
A escrita na Imprensa vem muito depois. Tem outras características e até aqui fiz um caminho de aprendizagem. Com imensa alegria e vontade permanente de aperfeiçoar o registo que difere bastante do radiofónico. Neste último caso escreve-se quase como se fala e na imprensa não pode ser.
Como vê a evolução que se verificou, ao nível dos media, desde os seus primeiros anos de atividade nesta área?
A mudança foi gigante. Não falo para já do que virá com a inteligência artificial, mas a internet foi a maior revolução contemporânea e com ela mudou como comunicamos.
A televisão pública deixou de ser única, vieram as privadas e a imagem passou a existir nos jornais e nas rádios com as plataformas online. Até a nível local as páginas online levam a Guarda ao cabo do mundo. Pelo caminho perderam-se algumas coisas porque o dinheiro ou a falta dele comanda o resto.
Na falta de recursos faz-se jornalismo ao telefone, de bancada e perdeu-se muito a ida ao terreno. Isso é para mim o maior retrocesso.
Como está hoje o jornalismo em Portugal? Há uma crise no jornalismo e na comunicação social?
Claramente. Não há pedradas no charco. Há jornalismo institucional, de agenda. Dos políticos e das direções dos meios de comunicação social. E mais não digo.
Falta jornalismo de investigação?
Sim. Também por falta de recursos, mas porque interessa pouco a quem manda.
Sendo uma observadora privilegiada por viver aqui no interior, o que acha do atual panorama da imprensa regional? A imprensa regional tem vindo a perder a influência? Corre riscos de desaparecer?
Já respondi de algum modo, mas reitero que o panorama não é animador. Não há tecido produtivo que faça publicidade e assegure receitas.
Pode parecer um detalhe, mas para mim é essencial para manter a independência dos órgãos de informação. Não sendo assim, continuamos impávidos e serenos a ver financiamento ilegal por parte dos municípios disfarçadas de publicidade institucional.
É um filme de terror. Ver como tudo o resto fica condicionado e comprometido. Sem independência financeira não há liberdade. Venha quem vier.
Quais são os principais problemas com que debatem os jornalistas que trabalham no interior do país? As dificuldades são maiores?
Isto anda tudo ligada como dizia o poeta. Sem órgãos de informação que andem pelos seus próprios pés, sem vencimentos decentes, não se vive, sobrevive-se.
Salvam-se os jornalistas que trabalham para órgãos nacionais, mesmo assim não são todos. Veja-se o exemplo recente da crise na Global Média que atirou os correspondentes ao chão. Quem vivia apenas dessa colaboração viu o seu presente ferido de morte e o futuro necessariamente ameaçado.
Tenho colegas a viver autênticos pesadelos. Este mundo não é uma “seara nova” nem tão pouco um porto seguro.
Quais os melhores momentos da sua atividade jornalística?
Os incêndios de Pedrógão Grande em 2017 pela resiliência que foi preciso ter diante do drama de tantas famílias.
A jornada Mundial da Juventude do ano passado por ser testemunha da apologia dos movimentos ecuménicos na mais tenra idade e sempre que fiz investigação SIC, reportagens especiais e Grande Reportagem.
Os prémios também souberam bem, mas nunca tanto como o gosto pela descoberta e o prazer de levar ao público(s) o produto de muito e grato trabalho.
A sua detenção, praticamente no decorrer de um noticiário radiofónico, foi, para além de inédito, um momento diferenciador e negativo? Acha que esse ato foi um atentado à atividade jornalística e à liberdade de imprensa?
Acho que o episódio ganhou uma dimensão de maior impacto porque foi a primeira detenção de um jornalista pós 25 de abril. Aconteceu a pretexto da violação do segredo de justiça, mas soou como se fosse uma detenção por delito de opinião. Ainda mais porque já se falava à boca pequena que Abílio Curto podia ser detido a qualquer momento por suspeitas de corrupção. E esse acabaria por ser o argumento decisivo do recurso interposto pelo Ministério Público (o mesmo organismo que mandou deter, mas com outro protagonista) para o Tribunal da Relação de Coimbra e que ditou a minha absolvição. Muita gente não saberá, mas o Procurador António Tomás entendeu que eu não deveria ter dado a notícia da acusação porque os visados ainda não tinham sido notificados, mas foi uma falsa questão.
Primeiro porque a acusação é pública e em segundo lugar, a sua divulgação já não perturbava a investigação. Por outro lado, eu não assaltei o tribunal para ter contacto com o processo e à luz do Código de processo penal da época, essas eram todas causas de exclusão de ilicitude. A meu ver houve um excesso de zelo e essa tese também era a do então PGR, Dr. Cunha Rodrigues. Depois o assunto foi de tal maneira mediatizado que, conjugado com outras forças, acabei por ser poupada de uma estadia breve na cadeia da Guarda. Mas foi por pouco. Pouco tempo depois, a lei foi alterada, e, o acesso dos jornalistas aos processos ficou dependente de uma malha ainda mais fina.
Julgo que o caso abalou a opinião pública, porque, na perceção mais popular dos acontecimentos havia um político a contas com a justiça quando a jornalista é que pagava as favas. Cheguei a ser julgada primeiro que o então presidente da Câmara da Guarda. Claro que depois tudo ficou no lugar: Abílio Curto foi condenado e preso e eu fui absolvida.
E a entrada para a televisão quando e como ocorreu? Foi um desafio diferente?
Diferente e também inesperada. Assinei contrato em 15/10/2007, fez agora 17 anos. Muito embora já andasse a ensaiar desde maio. Estava bastante insegura quando aceitei o desafio porque nunca tinha feito e televisão e, por mais que as linhas orientadoras do jornalismo sejam padronizadas, a televisão tem as suas especificidades. De maneira que não sabia se seria capaz.
Trabalhei muito, pesquisei muito como se fazia, vi exemplos dos melhores e pouco a pouco fiz o eu caminho. Para terem uma ideia só passados 7 anos é que consegui enfrentar as câmaras com naturalidade. Mas aprendi imenso e fiz até algum trabalho disruptivo se comparado com o que outros correspondentes tinham feito até aí. E acho que de algum modo demonstrei que é possível combater o centralismo informativo a partir do trabalho que se faz nas regiões do interior do país.
A experiência anteriormente adquirida na rádio e na imprensa foi importante para os trabalhos que tem feito, ao longo dos anos, na televisão?
Sim claro. Primeiro porque a linguagem da rádio é muito próxima da que é usada em televisão. Não é por acaso que muitos dos profissionais que foram fundadores da SIC em 1992 provinham da Rádio. A experiência na imprensa ajudou a cimentar a minha posição porque a leveza da linguagem com a profundidade das histórias que se contam são bons pontos de partida.
Qual foi a reportagem que mais a marcou?
Não foi uma. Foi uma sucessão de reportagens nos incêndios de Pedrógão Grande. Estive 5 semanas sem folgas e logo depois entrei de férias. Nos primeiros dez dias não consegui descansar. A agitação era tão grande, as marcas eram tão profundas que aquela narrativa não me saía da cabeça. Foi muito duro.
O seu trabalho em televisão foi já por várias vezes distinguido. O que significa para si este reconhecimento?
Seria talvez tema de conversa dos netos ao serão se tivesse filhos. Como não tenho acho que vão diluir-se na espuma dos dias e dos anos. Claro que o reconhecimento é bonito, mas recebo cada prémio como se fosse o elogio dos telespetadores que gostaram dos trabalhos, mas que nunca puderam dizer-me pessoalmente.
Na sua atividade jornalística alguma vez se sentiu ameaçada ou em situações de risco?
Ameaçada já fui várias vezes. Até quando estava na Rádio. Em risco sempre que relatamos a força dos incêndios ou entramos por caminhos que abalam interesses instalados. Foi assim por exemplo quando fiz uma Investigação SIC sobre os importadores de combustível de marca branca e expus todo o esquema nacional de quem ganhava e devia milhões ao Estado.
Um dos seus projetos da sua juventude era a advocacia, que já concretizou. O jornalismo pesou mais quando teve de escolher ou foi um plano delineado conscientemente?
Planos eu? Não. Até se diz que quando fazemos planos, o diabo vem e leva-os. Pois, realmente eu sempre dizia em casa que queria ser advogada e até quase ao final do liceu a minha ideia era essa. Mas como já contei, o convite para a Rádio mudou a trajetória. E, mudou, porque eu não sou de virar as costas a um bom desafio. É mais forte do que eu. Porém nunca abandonei o direito. Na minha cabeça essa vontade de aprender sobre a área continuava latente nos meus pensamentos. Tanto que cursei direito a trabalhar e o que aprendi foi muito útil à minha vida de jornalista. Em casos como os homicídios e fuga do Pedro Dias em reportagens de investigação.
Acha que o jornalismo a ajudou na sua “paixão” pelo Direito?
São duas paixões na verdade e as duas alimentaram-se uma à outra.
Como concilia, atualmente, a informação e advocacia?
Não é fácil. Em primeiro lugar tenho de ter em atenção que não pode haver confusões. Quando faço notícia não aceito procuração ou se tenho procuração em dado caso não posso fazer reportagem. Pode parecer simples, mas a gestão é delicada. Um dia haverá que fazer a opção por uma das carreiras.
Houve algum projeto que idealizou e não concretizou ainda? A sua vida vai dar-lhe o mote para um livro?
Credo. Eu não tenho essa importância. Tenho sim entre mãos um livro sobre um caso real de violência doméstica há 50 anos. O crime não foi tratado como violência doméstica, mas como homicídio qualificado. Morreu uma mulher por motivos fúteis evidentemente, mas ficam vários filhos cuja percurso espero ter a capacidade de relatar. Vamos ver quando.
Quanto a projetos, eu acho que ainda não fico por aqui, mas essa é uma conversa que vou adiar para um futuro próximo.
Que conselho daria aos jovens que queiram seguir a atividade jornalística, mormente no interior?
O conselho que tenho, e vale o que vale, não segue geografias. Se optarem por essa nobre profissão, saibam que não podem ter medo nem ser subservientes.
Da Guarda vê a região e o mundo? E o que vê de diferenciador na cidade mais alta?
Não. Na Guarda vemos algumas coisas, mas não vemos o mundo. Até porque eu sigo muito aquela ideia do Saramago de que para ver a ilha é preciso sair da ilha. Agora ser correspondente da SIC na Guarda já me permitir sair deste território e observar outras coisas que a seguir podem ser comparadas com os padrões que temos aqui. E isso é enriquecedor. Toda a experiência conjugada é que faz de nós seres informados e críticos.
Poderia dizer muitas coisas sobre a Guarda. Da boa quietude à quietude a mais. Mas olho para a Guarda como lugar onde sempre gosto de regressar. Isso para mim é que é o traço diferenciador. Por razões óbvias. Raízes e referências são fundamentais para nunca esquecermos de onde viemos.
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