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Sanatório da Guarda: património desprezado...

por Correio da Guarda, em 18.05.25

Pavilhão António Lencastre_Sanatório_foto HS_

Hoje, 18 de maio, ocorre a passagem do centésimo décimo oitavo aniversário da inauguração do Sanatório Sousa Martins que, durante décadas, desenvolveu uma eminente ação assistencial na cidade mais alta de Portugal.

A inauguração (inicialmente prevista para 28 de abril e depois para 11 de maio) dos três pavilhões que integravam o Sanatório teve lugar a 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia.

Aos dezoito dias do mês de Maio de mil novecentos e sete, num dos edifícios recentemente construídos no reduto da antiga Quinta do Chafariz, situada à beira da estrada número cinquenta e cinco, nos subúrbios da cidade da Guarda, estando presentes Sua Majestade a Rainha Senhora Dona Amélia (...), procedeu-se à solenidade da abertura da primeira parte dos edifícios do Sanatório Sousa Martins e da inauguração deste estabelecimento da Assistência Nacional aos Tuberculosos, fundada e presidida pela mesma Augusta Senhora (...)”.

Assim ficou escrito no auto que certificou a cerimónia inaugural da referida estância de saúde. O Sanatório Sousa Martins foi uma das principais instituições de combate e tratamento da tuberculose em Portugal. A designação de “Cidade da Saúde” atribuída à Guarda em muito se fica a dever à instituição que a marcou, indelevelmente, no século passado.

A Guarda foi, nessa época, uma das cidades mais procuradas do nosso país, tendo a elevada afluência de pessoas deixado inúmeros reflexos na sua vida económica, social e cultural. A apologia desta cidade como centro urbano “eficaz no tratamento da doença” foi feita por distintas figuras, pois era “a montanha mágica” junto à Serra. Muitas pessoas (provenientes de todo o país e mesmo do estrangeiro) rumaram à cidade mais alta de Portugal com o objetivo de usufruírem do seu clima, praticando, assim, uma cura livre; não sendo seguidas ou apoiadas em cuidados médicos.

As deslocações para zonas propícias à terapêutica “de ares”, e a consequente permanência, contribuíram para o aparecimento de hotéis e pensões; isto porque não havia, no início, as indispensáveis e adequadas unidades de tratamento; situação que originou fortes preocupações sanitárias às entidades oficiais.

No primeiro Congresso Português sobre Tuberculose, o médico Lopo de Carvalho destacou os processos profiláticos usados na Guarda; este clínico foi um dos mais empenhados defensores da criação do Sanatório guardense, do qual viria a ser o primeiro diretor. O fluxo de tuberculosos que vieram para o Sanatório guardense superou, largamente, as previsões, fazendo com que os pavilhões construídos se tornassem insuficientes perante a enorme procura. O Pavilhão 1 (onde funciona atualmente a sede da Unidade Local de Saúde da Guarda) teve de ser aumentado um ano depois, duplicando a sua capacidade.

Em 31 de maio 1953 um novo pavilhão (que ladeia hoje a atual Avenida Rainha D. Amélia) foi acrescentado aos três já existentes. Com a construção deste novo pavilhão, o Sanatório Sousa Martins procurou aumentar a capacidade de resposta às crescentes solicitações das pessoas afetadas pela tuberculose, ampliando assim o seu papel na luta contra essa doença. O elevado número de doentes com fracos recursos há muito fazia sentir a necessidade de dotar esta conhecida unidade de saúde com novas instalações; pretensão que os responsáveis pelo Sanatório Sousa Martins tinham já manifestado ao Ministro das Obras Públicas, aquando da sua visita, à Guarda, em 1947. O Sanatório Sousa Martins ganhou, consequentemente, maior dimensão e capacidade de tratamento de tuberculosos.

Hoje, anotar a decrepitude dos antigos pavilhões, o perigo iminente de derrocada (ou outras eventuais ocorrências) e a passagem dos 118 anos após a inauguração deste Sanatório, não é um mero exercício de memória ritualista. É evidenciar o estado lastimoso em que se encontra o património físico de uma instituição com merecido relevo na história da saúde e da medicina em Portugal; um Sanatório ligado também à solidariedade, à cultura e à história da radiodifusão sonora portuguesa, mercê da emissora (Rádio Altitude) aqui criada em finais da década de quarenta do passado século.

“A ausência de interesse tem sido gritante, imperdoável e inaceitável. Os edifícios em completa ruína, além de constituírem um perigo permanente, são um verdadeiro atentado à história local. Creio que é mesmo um dos maiores, se não o maior atentado patrimonial, cometido na Guarda, no último século.” Como sublinhou, ao Correio da Guarda, Dulce Borges (com meritório trabalho de investigação, estudo e divulgação sobre o Sanatório) ao Correio da Guarda. Uma entrevista que pode reler aqui.

Os históricos pavilhões Rainha D. Amélia e D. António de Lencastre continuam, apesar de sucessivos alertas e artigos publicados, a ser desprezados, esquecidos.

A sua recuperação permitiria que fossem utilizados para fins assistenciais ou outros; houve já projetos para a criação de um espaço museológico no Pavilhão Rainha D. Amélia, para a valorização do património florestal da antiga cerca do Sanatório; em 2001/2002 foi elaborado “um projeto para o Hospital da Guarda, que englobava o Pavilhão D. Amélia para as Consultas Externas, acoplado com outro pavilhão moderno. O pavilhão D. António de Lencastre estava destinado à parte administrativa, fazia parte de um complexo para a parte administrativa, acoplado a outros espaços”, como nos disse o Dr. José Guilherme (que dirigiu o Hospital da Guarda), em entrevista publicada na Revista Praça Velha. Nas últimas décadas outras ideias foram surgindo, para utilização desses edifícios, sem que tivessem qualquer concretização até à presente data.

Ruínas do Sanatório da Guarda

O abandono e degradação dos antigos pavilhões do Sanatório Sousa Martins não dignifica uma cidade que se quer afirmar pela história, pela cultura, pelo ensino, pelo turismo, pela qualidade do seu ar, pela sua localização…

A bandeira da cidade deve ser arvorada diariamente, por todos quantos sentem e vivem a Guarda, pensando globalmente e não se circunscrever a intervenções articuladas com calendários políticos ou pessoais; não devemos ser “socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados”, na expressão de Miguel Torga.

É importante que contrariemos este estado de coisas, reivindicando soluções, apelando à união de esforço e à procura dos melhores planos/estratégias no sentido de serem recuperados, salvaguardados e utilizados esses edifícios seculares, elementos integrantes do ex-libris da Cidade da Saúde. Tudo é ousado para quem a nada se atreve”, escrevia Pessoa. Haja firmeza na ousadia e salvaguardemos um património ímpar da cidade e do país. E nada como uma visita ao local para nos apercebermos da vergonhosa realidade daqueles pavilhões do antigo Sanatório Sousa Martins, 118 anos depois da sua inauguração festiva a 18 de maio.

Amanhã pode ser tarde demais…

 

Hélder Sequeira

 

 

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publicado às 01:57

Desprezo pelo património...

por Correio da Guarda, em 23.09.24

 

Carlos Caetano, historiador e investigador na área de História da Arte, afirmava-nos recentemente (em entrevista ao Correio da Guarda) que “o património tem sido vítima da indiferença de quase todos (autoridades civis e eclesiásticas incluídas) mas também do snobismo cultural de muitos eruditos, que só têm tido olhos para as chamadas obras-primas”. Acrescentava, depois que “o património é um lastro urbanístico e construtivo (e imaterial também) que tem que ser visto na sua globalidade, o que nunca foi feito – nem na Guarda nem, entre nós, praticamente em lado nenhum, infelizmente”.

Natural de Trancoso, Carlos Caetano conhece muito bem a realidade distrital, onde tem desenvolvido uma variada e meticulosa investigação que lhe confirma a evidência. “O distrito e a diocese da Guarda detêm um património de uma valia inestimável, que se manifesta em obras de todo o tipo e em muito grande parte desconhecidas e ignoradas ou então desvalorizadas pelos historiadores”. Aludindo ao “extraordinário património religioso, militar e civil que o passado nos legou”, confessa que é difícil fazer escolhas ou distinções, mas lembra todo um “património urbanístico sensacional de cidades, vilas e aldeias do distrito, constituído por inúmeros conjuntos urbanos fabulosos e sempre esquecidos – conjuntos urbanos cuja valia urge reconhecer e conservar na sua dignidade e na sua harmonia tão ferida ou ameaçada, às vezes por intervenções feitas com as melhores intenções…”.

A ação urgente e pragmática das entidades que tutelam o património é um dos sublinhados que faz nessa entrevista, onde defende que “a curto, médio e longo prazo, há que intervir também a nível educativo, de uma forma informal ou sistemática, visando uma efetiva educação artística com uma forte componente patrimonial – um desígnio pedagógico dos mais prementes e dos mais difíceis de alcançar.

No decorrer das investigações efetuadas, na nossa zona, tem tido várias surpresas, face a importantes peças do nosso património, de “uma valia inestimável, que se manifesta em obras de todo o tipo e em muito grande parte desconhecidas e ignoradas ou então desvalorizadas pelos historiadores e até por alguns eruditos locais. Destaquem-se os fragmentos de marcos miliários reciclados para novas funções: para poiais dos cântaros no chafariz de Cavadoude ou para servir de pia de água benta na igreja do Codesseiro. Surpresa absoluta, as magníficas traves mudéjares de início do século XVI que sobreviveram do forro quinhentista (hoje perdido) desta mesma igreja. Outra surpresa absoluta foi o conjunto extraordinário de igrejas leonesas que sobrevivem na Raia (Castelo Rodrigo, Escarigo, Mata de Lobos…), com características morfológicas únicas.”

Outra surpresa, destacou ainda, prende-se com “a abundância e a valia extraordinária de escultura pré-barroca, manifestada em relevos e em imagens de vulto, alguma dela atribuída a mestres alemães e sobretudo flamengos quinhentistas, alguns já identificados”; outrossim os dois “chafarizes extraordinários da Vela, presentemente remontados no terreiro fronteiro ao Lar da Misericórdia local, que faziam parte do conjunto que integrava o chafariz de Santo André, colocado na Alameda homónima da Guarda ainda na primeira metade do século passado. Ora, todo este conjunto de chafarizes, verdadeiramente monumental, fazia parte de um jardim barroco que há-de ter sido sumptuoso e que integrava mesmo uma extraordinária e raríssima “casa de fresco” que chegou até nós e que é a única que conhecemos na Beira Alta. Quanto às esculturas dos chafarizes da Vela, pela erudição, pelas pretensões, pela singularidade da sua iconografia e pelo refinamento da factura, parece poderem ser atribuídas aos grandes mestres que criaram e modelaram o Escadório do Bom Jesus de Braga, como espero mostrar em lugar próprio.

Pavilhão António Lencastre_Sanatório_foto HS_ .

O nosso património não pode ser arrumado para um canto, esperando melhores momentos ou aguardando predisposições pessoais e políticas, sob a oportunidade de agendas eleitorais, sempre com argumentos financeiros subjacentes no contraponto com outras necessidades prioritárias.

Claro que resolver problemas equacionados como prioridade para a comunidade regional não significa haver impedimento de, paralelamente, as entidades ou instituições responsáveis se empenharem na procura das melhores soluções e da sua concretização. Veja-se, a título de exemplo, o que tem sucedido com o património construído do Sanatório Sousa Martins; um progressivo, constrangedor e reprovável adiamento da salvaguarda dos antigos e emblemáticos pavilhões que integravam aquela reputada unidade de tratamento da tuberculose. E sim, o Sanatório Sousa Martins foi um ex-libris da Guarda, e não os seus pavilhões individualmente considerados, como ouvíamos recentemente pela voz de quem tem obrigação de conhecer, minimamente, a história do Sanatório da Guarda…

Ao longo das últimas cinco décadas houve muitas propostas e soluções apresentadas; assim não é por falta de diagnóstico, mas de tratamento, que a “saúde” dos pavilhões Rainha D. Amélia e D. António de Lencastre (na foto) não mereceu a mais que justa, premente e justificada atenção.

É contra esta indiferença – como era realçado no início deste apontamento de hoje – que temos de agir, sem tibiezas, em prol da salvaguarda e promoção do nosso património, globalmente entendido; numa atuação inequívoca, assente num espírito de diálogo crítico e construtivo, recusando o anonimato, mas privilegiando a frontalidade e seriedade. É fundamental que deixemos de ser “socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados” nas expressivas palavras de Miguel Torga.

Saibamos valorizar o nosso património, conhecer o passado para melhor compreendermos e vivermos o presente, garantindo o seu legado para o futuro.

 

Hélder Sequeira

 

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publicado às 23:02

Uma vergonhosa realidade…

por Correio da Guarda, em 18.05.24

 

Hoje, 18 de maio, ocorre a passagem do centésimo décimo sétimo aniversário da inauguração do Sanatório Sousa Martins que, durante décadas, funcionou na Guarda.

A inauguração (inicialmente prevista para 28 de abril e depois para 11 de maio) dos três pavilhões que integravam o Sanatório teve lugar a 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia.

Aos dezoito dias do mês de Maio de mil novecentos e sete, num dos edifícios recentemente construídos no reduto da antiga Quinta do Chafariz, situada à beira da estrada número cinquenta e cinco, nos subúrbios da cidade da Guarda, estando presentes Sua Majestade a Rainha Senhora Dona Amélia (...), procedeu-se à solenidade da abertura da primeira parte dos edifícios do Sanatório Sousa Martins e da inauguração deste estabelecimento da Assistência Nacional aos Tuberculosos, fundada e presidida pela mesma Augusta Senhora (...)”. Assim ficou escrito no auto que certificou a cerimónia inaugural da referida estância de saúde.

O Sanatório Sousa Martins foi uma das principais instituições de combate e tratamento da tuberculose em Portugal. A designação de “Cidade da Saúde” atribuída à Guarda em muito se fica a dever à instituição que a marcou, indelevelmente, no século passado.

A Guarda foi, nessa época, uma das cidades mais procuradas do nosso país, tendo a elevada afluência de pessoas deixado inúmeros reflexos na sua vida económica, social e cultural.

A apologia da Guarda como centro urbano “eficaz no tratamento da doença” foi feita por distintas figuras, pois era “a montanha mágica” junto à Serra. Muitas pessoas (provenientes de todo o país e mesmo do estrangeiro) rumaram à cidade mais alta de Portugal com o objetivo de usufruírem do seu clima, praticando, assim, uma cura livre; não sendo seguidas ou apoiadas em cuidados médicos.

As deslocações para zonas propícias à terapêutica “de ares”, e a consequente permanência, contribuíram para o aparecimento de hotéis e pensões; isto porque não havia, no início, as indispensáveis e adequadas unidades de tratamento; situação que originou fortes preocupações sanitárias às entidades oficiais.

No primeiro Congresso Português sobre Tuberculose, Lopo de Carvalho tinha já destacado os processos profiláticos usados na Guarda. Este clínico foi um dos mais empenhados defensores da criação do Sanatório guardense, do qual viria a ser o primeiro diretor.

O fluxo de tuberculosos que vieram para o Sanatório guardense superou, largamente, as previsões, fazendo com que os pavilhões construídos se tornassem insuficientes perante a enorme procura. O Pavilhão 1 (onde funciona atualmente a sede da Unidade Local de Saúde da Guarda) teve de ser aumentado um ano depois, duplicando a sua capacidade.

Em 1953 um novo pavilhão (que ladeia hoje a atual Avenida Rainha D. Amélia) foi acrescentado aos três já existentes. O Sanatório Sousa Martins ganhou, consequentemente, maior dimensão e capacidade de tratamento de tuberculosos.

Pavilhão do Sanatório da Guarda .jpeg

Anotar a decrepitude dos antigos pavilhões, o perigo eminente de derrocada (ou outras eventuais ocorrências) e a passagem dos 117 anos após a inauguração deste Sanatório, não é um mero exercício de memória ritualista. É evidenciar o estado lastimoso em que se encontra o património físico de uma instituição com merecido relevo na história da saúde e da medicina em Portugal.

Um Sanatório ligado também à solidariedade, à cultura e à história da radiodifusão sonora portuguesa, mercê da emissora (Rádio Altitude) aqui criada em finais da década de quarenta do passado século.

Muito se tem falado do estado de abandono do edifício do Hotel Turismo, e da morosidade de um projeto que devolva à cidade a possibilidade de se rever naquela emblemática unidade hoteleira. Ao longo dos anos não têm faltado anúncios, intervenções, ideias, adiamentos de decisões, promessas…a maior visibilidade deste edifício, em pleno centro da cidade e em frente aos Paços do Concelho suscita, naturalmente, mais comentários e lamentações.

Em contrapartida, e embora a escassa distância – hoje também numa reconhecida centralidade – os históricos pavilhões Rainha D. Amélia e D. António de Lencastre continuam, apesar de sucessivos alertas e artigos publicados, a ser desprezados, esquecidos.

Pavilhão D. Amélia.jpeg

A sua recuperação permitiria que fossem utilizados para fins assistenciais ou outros; houve já projetos para a criação de um espaço museológico no Pavilhão Rainha D. Amélia, para a valorização do património florestal da antiga cerca do Sanatório; em 2001/2002 foi elaborado “um projeto para o Hospital da Guarda, que englobava o Pavilhão D. Amélia para as Consultas Externas, acoplado com outro pavilhão moderno. O pavilhão D. António de Lencastre estava destinado à parte administrativa, fazia parte de um complexo para a parte administrativa, acoplado a outros espaços”, como nos disse o Dr. José Guilherme (que dirigiu o Hospital da Guarda), em entrevista publicada na Revista Praça Velha. Nos últimos anos outras ideias foram surgindo, para utilização desses edifícios, sem que tivessem qualquer concretização até à presente data.

O abandono e degradação dos antigos pavilhões do Sanatório Sousa Martins não dignifica uma cidade que se quer afirmar pela história, pela cultura, pelo ensino, pelo turismo, pela qualidade do seu ar, pela sua localização…

Sanatório Sousa Martins - Guarda - foto HS.jpg

A bandeira da cidade deve ser arvorada diariamente, por todos quantos sentem e vivem a Guarda, pensando globalmente e não se circunscrevendo a intervenções articuladas com calendários eleitorais, agendas pessoais ou comentários de circunstância, no plano do politicamente correto; não devemos ser “socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados”, na expressão de Miguel Torga.

É importante que contrariemos este estado de coisas, reivindicando soluções, apelando à união de esforço e à procura dos melhores planos/estratégias no sentido de serem recuperados, salvaguardados e utilizados esses edifícios seculares, elementos integrantes do ex-libris da Cidade da Saúde.

“Tudo é ousado para quem a nada se atreve”, escrevia Pessoa. Haja firmeza na ousadia e salvaguardemos um património ímpar da cidade e do país. E nada como uma visita ao local para nos apercebermos da vergonhosa realidade daqueles pavilhões do antigo Sanatório Sousa Martins, 117 anos depois da sua inauguração festiva a 18 de maio.

Amanhã pode ser tarde demais…

 

Hélder Sequeira 

 

Ouça, também, aqui

 

 

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publicado às 00:01

A propósito da Prisão Sanatório da Guarda...

por Correio da Guarda, em 18.01.24

 

Os edifícios da antiga Prisão Sanatório e da Cadeia Comarcã, como outros na Guarda, não podem ser dissociados do estudo da evolução citadina na segunda metade do século passado. As referidas estruturas devem ser valorizadas e estudadas face ao papel que desempenharam durante muito tempo; sobretudo a Prisão Sanatório pelo facto de ter sido pioneira em Portugal.

A construção de prisões-sanatório para o internamento dos presos condenados a qualquer pena privativa de liberdade, “que sejam tuberculosos ou predispostos para a tuberculose e necessitem de um tratamento compatível com um regime moderado de prisão” tinha sido já considerada na reforma dos serviços prisionais definida em 1936, através do Decreto-Lei nº 26643, de 28 de maio.

A necessidade de serem criados estabelecimentos prisionais com este perfil ficava sobejamente justificada face aos “graves e visíveis” inconvenientes do internamento de presos com tuberculose “nas prisões comuns”. Por outro lado, e como era referido no mencionado texto legal, “também não parece recomendável o internamento dos presos doentes nos sanatórios ou nas outras instalações destinadas a tuberculosos em geral (…)”; daí que a opção tenha sido pela “criação de uma prisão especial”.

Edifício que, como era sublinhado, foi construído “junto de um sanatório em funcionamento, com o principal intuito de, no interesse do Tesouro Público, aproveitar o material e o pessoal especializado pertencente a esse estabelecimento”.

Era igualmente anotado que a Prisão Sanatório da Guarda tinha “características novas dentro dos serviços penitenciários e que vai funcionar também em novos moldes, através do regime de colaboração a estabelecer com o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos”. O Decreto-Lei nº 40231, de 6 de julho de 1955, veio dar “existência jurídica” à Prisão Sanatório da Guarda.

A esta distância temporal, uma alusão ao facto poderá, para alguns, justificar apenas, e com alguma benevolência, um tímido registo de ocorrências do passado. Contudo, importa salientar que a entrada em funcionamento da Prisão Sanatório da Guarda representou mais uma inquestionável afirmação desta cidade – à época – no panorama nacional; isto na sequência de outros importantes serviços ou melhoramentos aqui realizados na primeira metade do século XX.

A escolha da Guarda para a localização desse estabelecimento prisional teve em conta, como já foi dito, a existência do conceituado Sanatório Sousa Martins (inaugurado em maio de 1907) e do seu reputado corpo clínico; aliás foi ele que assegurou o apoio médico e cirúrgico, no âmbito do protocolo estabelecido, então, entre o Ministério da Justiça e a Direção Geral de Assistência. Na Guarda teve lugar, neste contexto, a primeira aplicação prática dessa cooperação; atitude similar foi seguida, mais tarde, na Prisão Hospital S. João de Deus, cuja construção terminou muito tempo depois da inauguração do complexo prisional guardense.

A Prisão Sanatório da Guarda – junto à Cadeia Comarcã, inaugurada na mesma data, 29 de janeiro de 1955 – foi edificada para receber os reclusos, de todo o país, portadores de doenças pulmonares.

Como noticiou a imprensa citadina, a Prisão Sanatório era um “edifício magnífico, ocupando uma área de 1100 metros quadrados. Nas suas enfermarias e nos quartos de isolamento, optimamente mobilados, podem albergar-se mais de cem reclusos”. O Ministro da Justiça, de então, expressou, na altura, o desejo de “que muitos saiam daqui mais sãos no corpo, sobretudo mais sãos na alma”.

Prisão Sanatório - Guarda.jpg Foto de Arquivo_HS

 

No mapa nacional dos serviços prisionais, a mais alta cidade portuguesa ficava dotada, com uma estrutura ímpar, enquadrada na propalada “revolução no espírito e na orgânica”, fomentada e defendida pelos dirigentes políticos da época.

Por outro lado, ao serem viabilizadas novas instalações para a Cadeia Comarcã da Guarda libertou-se o centro da cidade do “espectáculo desagradável”, numa expressão da imprensa local, decorrente da permanência e do contacto com os presos, e asseguraram-se – pelo menos era essa a intenção oficialmente manifestada – novas condições para a desejada regeneração dos reclusos.

As duas prisões (e edifícios anexos para os guardas e serviços de apoio) representaram um investimento de cerca de 5 000 contos, verba muito significativa nos tempos (igualmente difíceis no plano financeiro), que decorriam.

A partir de 1971 passou a funcionar nas instalações da Prisão Sanatório o Estabelecimento Prisional Regional da Guarda, até porque “a evolução entretanto verificada nos métodos de tratamento da tuberculose determinou o encerramento daquela unidade prisional”, como era evocado no Decreto-Lei nº 359/85 de 3 de setembro que decretou a extinção da Prisão Sanatório da Guarda.

Apesar das sucessivas alterações, a matriz da Prisão Sanatório da Guarda permanece naquela estrutura que ladeia o atual Parque da Saúde, constituindo um património guardense em relação ao qual temos o dever da memória…

 

Hélder Sequeira

 

in O Interior_17jan2024

 

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publicado às 22:30

Uma centralidade esquecida…

por Correio da Guarda, em 24.10.22

 

Em 2007, aquando da comemoração do centésimo aniversário da inauguração do Sanatório Sousa Martins, o Governo de então, através do Ministro da Saúde (Correia de Campos), anunciava a continuidade da Maternidade da Guarda. Isto após a polémica surgida com um anunciado plano de reestruturação das maternidades, articulado com a constituição do Centro Hospitalar da Beira Interior, que integraria os hospitais da Guarda, Covilhã e Castelo Branco.

O Ministro da Saúde garantia que o Hospital da Guarda iria manter a sua maternidade, “por ser a de maior atividade de toda a Beira Interior”, deixando em aberto o futuro dos blocos de partos dos hospitais da Covilhã e de Castelo Branco, com a justificação (na altura) de que não era "uma matéria da competência do Governo", mas sim das respetivas administrações hospitalares.

Alicerçando as suas afirmações no projeto de requalificação que estava já anunciado, o ministro acrescentaria, nessa mesma sessão realizada nesta cidade, que "ao Governo não parece legítimo atrasar a Guarda por amor ao distrito irmão mais do Sul"…

Estávamos em 2007. Hoje, e como é do conhecimento dos leitores, o possível encerramento da Maternidade da Guarda volta à ordem do dia, após a proposta de encerramento da Comissão de Acompanhamento de Resposta às Urgências de Ginecologia/Obstetrícia. Após esta notícia, e conhecidas reações mais ou menos exacerbadas, o atual Ministro da Saúde (numa entrevista à RTP) assegurou que até ao final deste ano nenhuma maternidade vai encerrar… E em 2023?...

Ao fazermos uma retrospetiva das últimas décadas, e apesar das sucessivas promessas políticas, a Guarda tem “adoecido” progressivamente em matéria de saúde (para ficarmos por aqui…), numa área onde foi já cidade de referência nacional e internacional, escola de formação credenciada…Ironia do destino, tanto mais que se completam amanhã, 25 de outubro, 71 anos após a morte de uma personalidade que a cidade guarda na memória.

À última rainha de Portugal, D. Amélia, se deve aquele que foi, na primeira metade do século passado, um dos principais ex-libris da Guarda da saúde. De facto, o Sanatório Sousa Martins ficará perenemente ligado à Rainha D. Amélia, pelo eminente papel que teve na sua criação; empenhada nas causas sociais, dispensou particular atenção aos doentes e aos mais desfavorecidos.

Maria Amélia Bourbon e Orléans nasceu em Twickenham, arredores de Londres em 28 de setembro de 1865 (curiosamente o futuro marido, D. Carlos, nasceu também no mesmo dia, dois anos antes). A filha mais velha de Filipe de Orleans (conde de Paris e chefe da Casa Real de França) e de Isabel de Montpensier, que se encontravam, à altura, exilados em Inglaterra, apenas foi viver para França no ano de 1871. Nos anos seguintes, Amélia de Orleans viajou com frequência e frequentou os principais palácios das monarquias europeias; personagem culta, apreciava o teatro, a ópera, a pintura e a leitura, convivendo, em Paris, com os escritores mais eminentes da época.

Em 1886 conheceu D. Carlos, herdeiro da coroa portuguesa, de quem veio a ficar noiva, nesse mesmo ano; o casamento ocorreu em 22 de maio, em Lisboa, onde cedo manifestou as suas preocupações face ao flagelo da denominada “peste branca”. A sua atenção às questões culturais manifestou-se por diversas formas sendo a criação do Museu dos Coches Reais, em 1905, uma das mais expressivas traduções dessa postura. Amélia de Orleans viveu em Portugal entre 1886 e 1910, num período social e politicamente muito complexo, em que soube superar muitas contrariedades e definir uma estratégia de auxílio às camadas sociais com menores recursos. A Assistência Nacional aos Tuberculosos, de que o Sanatório da Guarda foi a primeira unidade hospitalar, constituiu, nesta matéria, uma das obras mais relevantes da Rainha D. Amélia.

Rainha D. Amélia.jpg

Para a tuberculose como para outros tantos males, há meios na ciência para, se não os conjurar, ao menos diminuir os seus estragos e remediar os seus efeitos”, como afirmou, em 1900, numa das suas intervenções públicas. Na sua cruzada contra a tuberculose, a Rainha procurou, por vários meios, canalizar recursos financeiros para combater a doença; a receita da venda do livro “O Paço de Sintra”, escrito a seu pedido pelo Conde de Sabugosa, e que foi ilustrado com desenhos feitos por D. Amélia, foi um dos muitos contributos para essa causa, de que o Sanatório da Guarda foi um destacado pilar.

A vida da Rainha ficou tristemente marcada pelo regicídio ocorrido, em Lisboa, em 1 de fevereiro de 1908, de que resultou a morte do Rei D. Carlos e do herdeiro D. Luís Filipe, Príncipe da Beira; com a aclamação de D. Manuel II, como Rei de Portugal, a 6 de maio de 1908, D. Amélia passou a colaborar nos atos da governação. Em julho de 1910, a Rainha, na qualidade de Presidente da ANT, veio de novo à cidade mais alta de Portugal, numa visita, muito discreta, ao Sanatório e à filha do Conde de Tarouca, que ali estava internada. Implantada a República, em 5 de outubro de 1910, a Rainha D. Amélia foi forçada ao exílio; começa por se instalar em Woodnorton (Inglaterra), residência do irmão, e em janeiro de 1911 passou a viver em Richmond Hill. No Verão de 1921 mudou-se para França; a nova residência situava-se em Chesnay (nas proximidades do Palácio de Versalhes), numa mansão designada por Château de Bellevue. Em 1939 foi convidada por Salazar para vir para Portugal, mas a Rainha não aceitou e passou os anos da segunda guerra mundial em França, onde não esqueceria as suas ligações ao nosso país, tendo hasteado mesmo a bandeira portuguesa na sua residência. Seis anos depois, em maio de 1945, veio a Portugal e foi recebida de forma apoteótica; entrou na fronteira de Vilar Formoso a 17 de Maio de 1945, na véspera de se comemorarem trinta e oito anos após a inauguração do Sanatório Sousa Martins.

A Rainha D. Amélia faleceu, em Chesnay (Versalhes) na manhã de 25 de outubro de 1951; o seu corpo seria transladado para Portugal, em Março de 1952, tendo ficado no Panteão Nacional. A Câmara Municipal da Guarda não esqueceu a importância que ela teve para a cidade e decidiu, a 5 de dezembro de 1951, atribuir o nome da última rainha de Portugal ao troço da estrada nacional nº 18 que ladeava o Sanatório e o extremo da Rua Batalha Reis.

Ao evocarmos esta efeméride estamos a relembrar um capítulo da história guardense, onde a luta pela existência de estruturas e serviços de saúde foi inquestionável, gerando uma centralidade que muitos ignoram ou esquecem; atitude que demonstrou ser possível a afirmação citadina, mesmo em conjunturas pouco favoráveis, por diferenciados fatores.

 

Helder Sequeira 

 

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publicado às 00:05

Roteiro pela saúde

por Correio da Guarda, em 18.08.21

 

 

A realização de alguns roteiros citadinos, que têm tido como referência figuras da nossa literatura, merece ser aplaudida e evidenciada como atividade a prosseguir. Por outro lado, este tipo de iniciativas lembra-nos que a Guarda oferece outras áreas temáticas, a rentabilizar em prol da valorização citadina, alargando os motivos de interesse.

Desde logo o caso da saúde, cuja história passa, inquestionavelmente, por esta cidade, à qual o nome do médico Sousa Martins está associado mercê da estrutura de luta contra a tuberculose aqui edificada.

A sugestão do tema  vem a propósito da passagem do aniversário da morte de Sousa Martins, no dia de hoje (18 de agosto). A cidade lembra este vulto da medicina portuguesa não só no atual Parque da Saúde, mas também numa das ruas do Bairro da Senhora dos Remédios.

Sousa Martins.JPG

José Tomás de Sousa Martins nasceu em Alhandra, a 7 de março de 1843, no seio de uma família com escassos recursos económicos. Órfão de pai, aos sete anos, foi com a idade de doze trabalhar como praticante para a Farmácia Ultramarina, em Lisboa, propriedade de um tio seu, Lázaro Joaquim de Sousa Pereira.

Frequentou o Liceu Nacional de Lisboa e a Escola Politécnica; com aulas de manhã, trabalhava de tarde na farmácia e à noite dava explicações de forma a conseguir receitas para as despesas inerentes à sua formação académica. Concluído o curso de farmácia, em 1864, continuou a frequentar a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, terminando o curso de medicina aos 23 anos, em 1866; foi sempre um aluno distinto.

Eleito, em 1868, sócio da Sociedade de Ciências Médicas, em 1872 Sousa Martins lecionava já na Escola Médico-Cirúrgica, onde viria a reger as cátedras de Patologia Geral, Semiologia e História da Medicina; exerceu atividade clínica no Hospital de S. José, em Lisboa, numa época em que a tuberculose ceifava anualmente milhares de vidas.

Sousa Martins, num relatório datado de 1880, fez a caracterização da tuberculose, nessa época, acentuando a importância da criação de sanatórios na zona da Serra da Estrela. Em 1881 a Sociedade de Geografia de Lisboa promoveu uma Expedição Científica à Serra da Estrela, a qual foi integrada, entre outros, por Sousa Martins. Dessa iniciativa resultou a elaboração de relatórios das várias secções científicas, que aparecem compilados num volume intitulado “Expedição Científica à Serra da Estrela” e, dois anos depois, o livro “Quatro Dias na Serra da Estrela”, da autoria de Emídio Navarro. Esta expedição teve o mérito (e sobretudo através da determinação de Sousa Martins), de chamar a atenção dos meios científicos e clínicos para as condições que a região oferecia no tratamento da tuberculose.

Sousa Martins defendeu a implantação de Casas de Saúde nesta zona, impulsionando a fundação, em 1888, do “Club Herminio”, uma associação de carácter humanitário que se manteve durante cerca de quatro anos; o conceituado tisiologista foi aclamado, pelos membros fundadores, sócio honorário e presidente perpétuo desta instituição de solidariedade.

Ainda em 1888, e correspondendo aos argumentos de Sousa Martins e de Guilherme Teles de Meneses, o médico Basílio Freire, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, instalou-se na Serra da Estrela, no Verão desse ano, onde assegurou consultas gratuitas aos doentes que o procuravam.

Os esforços que Sousa Martins desenvolveu, fortalecidos pelas suas esclarecidas convicções, em muito contribuíram para a construção do Sanatório que viria a ter o seu nome, perenemente ligado à mais alta cidade de Portugal; para a Guarda vieram milhares de doentes que procuravam aqui a cura desta doença infectocontagiosa provocada pela microbactéria conhecida por “bacilo de Koch”.

Sanatório da Guarda - Pavilhão D. Amélia.JPG

Pavilhão Rainha D. Amélia. Saantório Sousa Martins (Guarda)

 

A Rainha D. Amélia materializou no sanatório guardense (o primeiro a ser construído pela ANT, inaugurado a 18 de maio de 1907) a homenagem a Sousa Martins, atribuindo a esta instituição o nome daquele clínico, cuja ação e dinamismo ela tinha já evocado numa intervenção pública da Associação Nacional aos Tuberculosos, realizada em 1889. Sousa Martins tinha falecido dois anos antes, em Alhandra, no dia 18 de agosto de 1897, depois de ter sido atingido pela tuberculose.

O Rei D. Carlos comentaria que se tinha apagado “a mais brilhante luz” do seu reinado. Guerra Junqueiro, referindo-se à personalidade de Sousa Martins, escreveu que ele se deu “como o Sol dá a luz, aos miseráveis, aos tristes, aos sonhadores. Foi o amigo carinhoso e cândido, dos pobres e dos poetas. A sua mão guiou, a sua boca perdoou, os seus olhos choraram. Teve sorrisos para a graça, enlevos para a arte, lágrimas para a dor”.

Na Guarda não têm faltado pessoas que apontam Sousa Martins como o autor de autênticos milagres, na linha de uma devoção popular que se manifesta, objetivamente, em Lisboa (no Campo de Santana) ou em Alhandra. O singelo monumento que se ergue dentro dos muros do ex-Sanatório da Guarda continua, diariamente, a ser alvo de preces e agradecimentos.

Agradecimentos a  Sousa Martins.JPG

Apesar de não ter legado muitas publicações, Sousa Martins deixou atrás de si várias gerações de médicos, uma Escola Clínica e, sobretudo, um verdadeiro exemplo de doação à sociedade e à Medicina. A Guarda não esquece, na sua toponímia, o homem, o médico e o cientista cujo nome foi dado a um dos mais destacados sanatórios de altitude, que projetou esta cidade no país e no estrangeiro.

E aqui está uma personalidade que pode balizar locais e pontos de visita num futuro roteiro temático sobre a saúde (figuras, estruturas, etc.) na Guarda. Fica a sugestão.

 

Hélder Sequeira

 

 

 

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publicado às 23:52

Pavilhão Lopo de Carvalho.jpg

Hoje, 18 de maio, ocorre a passagem do 114º aniversário da inauguração do Sanatório Sousa Martins. Os guardenses têm hoje uma pálida imagem daquilo que foi uma das principais instituições de combate e tratamento da tuberculose, em Portugal.

A designação de “Cidade da Saúde”, atribuída à Guarda, em muito se fica a dever a uma instituição que a marcou indelevelmente, ao longo de sete décadas, no século passado.

Embora a situação geográfica e as especificidades climatéricas associadas tenham granjeado a esta cidade esse epíteto, a construção do Sanatório Sousa Martins certificou e rentabilizou as condições naturais da cidade para o tratamento da tuberculose, doença que vitimou, em Portugal, largos milhares de pessoas.

A Guarda foi, nessa época, uma das cidades mais procuradas de Portugal, afluência que deixou inúmeros reflexos na sua vida económica, social e cultural; a sua apologia como localidade “eficaz no tratamento da doença” foi feita por distintas figuras da época, pois era “a montanha mágica” junto à Serra.

Muitas pessoas (provenientes de todo o país e mesmo do estrangeiro) subiam à cidade mais alta de Portugal com o objetivo de usufruírem do clima de montanha, praticando, assim, uma cura livre, não sendo seguidas ou apoiadas em cuidados médicos.

As deslocações para zonas propícias à terapêutica “de ares”, e a consequente permanência, contribuíram para o aparecimento de hotéis e pensões, dado não haver, de início, as indispensáveis e adequadas unidades de tratamento; situação que desencadeou fortes preocupações nas entidades oficiais da época.

A inauguração (inicialmente prevista para 28 de abril e depois para 11 de maio) dos três pavilhões que integravam o Sanatório ocorreu a 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia.

Aos dezoito dias do mês de Maio de mil novecentos e sete, num dos edifícios recentemente construídos no reduto da antiga Quinta do Chafariz, situada à beira da estrada número cinquenta e cinco, nos subúrbios da cidade da Guarda, estando presentes Sua Majestade a Rainha Senhora Dona Amélia (...), procedeu-se à solenidade da abertura da primeira parte dos edifícios do Sanatório Sousa Martins e da inauguração deste estabelecimento da Assistência Nacional aos Tuberculosos, fundada e presidida pela mesma Augusta Senhora (...)”. Assim ficou escrito no auto que certificou a cerimónia inaugural da referida estância de saúde.

Cerimónia que foi recriada, precisamente nesta cidade, aquando da comemoração do centenário da inauguração, suscitando o interesse de largas centenas de pessoas. Deixamos aqui algumas imagens da comemoração do 100º aniversário.

Recriação Inauguração Sanatório -2 - hs.jpg

Recriação Sanatório - HS.jpg

Reis e Comitiva.jpg

Recriação inaug do Sanatório - HS.jpg

Recriação Sanatório da Guarda - HS.jpg

Hoje, o estado de abandono e degradação dos antigos pavilhões do Sanatório Sousa Martins não dignifica uma cidade que se quer afirmar pela história e anseia ser capital europeia da Cultura. É urgente uma união de esforço e a procura dos melhores planos no sentido de serem recuperados, salvaguardados e utilizados esses edifícios seculares.

Sanatório - Pavilhão D. António de Lencastre -

Imagem da degradação dos pavihões - Fot HS-2.jp

Anotar a passagem dos 114 anos após a inauguração do Sanatório Sousa Martins não é cair em exercício de memória ritualista, mas apelar – uma vez mais – para a preservação do património físico de uma instituição, indissociável da História da Medicina Portuguesa, da solidariedade social, da cultura (pelos projetos que criou e desenvolveu).

Embora o diagnóstico esteja feito, tarda o tratamento da doença que vai minando aquilo que resta do ex-libris da Cidade da Saúde.

 

Helder Sequeira

 

 

 

 

 

 

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publicado às 00:13

Parque da Saúde

por Correio da Guarda, em 24.02.21

Busto de L Carvalho - parque da Saúde - HS.jpg

Guarda. Parque da Saúde. Busto de Lopo de Carvalho, primeiro diretor do Sanatório Sousa Martins.

 

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publicado às 08:10

A propósito de José Augusto de Castro

por Correio da Guarda, em 22.01.21

 

É como um Santuário, a Guarda. Vêm aí acolher-se milhares de crentes da Religião da Esperança, pedindo o restabelecimento da saúde e da vida; a volta do seu sonho interrompido”. Escrevia José Augusto de Castro, no início do século passado, a propósito desta cidade e do seu Sanatório, que foi uma referência nacional.

Evocamos esta figura guardense a propósito da passagem do 159º aniversário do seu nascimento, a 22 de janeiro. Natural do concelho da Meda, concretamente da freguesia da Prova, José Augusto de Castro nasceu em1862 e foi a uma das principais figuras republicanas da Guarda

Durante a meninice aprendeu com o seu progenitor o ofício de alfaiate, profissão que lhe granjeou o sustento, a par do apoio à família, quando – com apenas 14 anos – foi para o Porto. Nessa cidade, fruto dos contactos que manteve, e do ambiente político que se vivia, foi crescendo a sua simpatia e interesse pela causa republicana.

Em 1886 José Augusto de Castro voltou para junto da família, que residia, então, na aldeia do Vale (Meda), mas ali ficou por pouco tempo; decidiu partir para o Brasil, onde estava estabelecido o seu irmão mais velho. Os seus primeiros trabalhos jornalísticos são escritos na Baía, cidade onde singrou no ramo comercial.

Atingido pela tuberculose veio para a Guarda. “A crueldade do Destino não impediu que me envolvesse a bondade de amigos de nobilíssimo coração, a começar pelo Dr. Lopo de Carvalho, o ilustre médico, especialista da tuberculose, que tomou a peito arrancar-me da garra dilaceradora doença temerosa”. Grato ficou também ao Dr. Amândio Paul, segundo diretor do Sanatório Sousa Martins.

Este foi um período que o marcou profundamente, dele tendo ficado numerosas referências na sua produção literária. Na Guarda fundou, em 1904, “O Combate”; este jornal (que dirigiu até 1931) consubstancia a sua personalidade, o ideal republicano, o espírito combativo e a expressividade da sua escrita.

José Augusto de Castro - diretor de O Combate.jpg

Tendo desempenhado as funções de Secretário da Câmara Municipal da Guarda (a par de outras atividades nesta cidade), José Augusto de Castro, após deixar de dirigir aquela publicação periódica, foi viver mais tarde para Coimbra, onde morreu a 13 de maio de 1942. Os seus restos mortais foram transladados, em setembro do ano seguinte, para a Guarda, a cidade que ele sempre distinguiu. “Outras terras mais lindas há, de certo…/Porém nenhuma fica assim tão perto/ do puro azul do céu de Portugal”.

Anotando, assim, uma efeméride, concluiremos dizendo que mesmo em tempo de céu cinzento e de enormes preocupações não devemos perder a serenidade, capacidade reivindicativa e o sentido das nossas responsabilidades, consentâneas com a gratidão para quantos pensaram, executaram e fizeram da Guarda a cidade da saúde.

É importante a salvaguarda da memória dos profissionais de saúde que trabalharam no Sanatório Sousa Martins, mas também é justo honrar e homenagear – pensando o futuro, melhores condições, a preservação e o aproveitamento adequado das estruturas físicas – todos quantos hoje estão na linha da frente na atual luta contra a pandemia, trabalhando até à exaustão…

Hoje mais do que nunca é fundamental a cooperação de todos, para ultrapassarmos os problemas do presente, prepararmos (sem demagogia) o futuro da Guarda, recuperarmos o “sonho interrompido”. (Hélder Sequeira) 

 

 

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publicado às 12:50

Um pavilhão com história

por Correio da Guarda, em 31.05.20

 

Hoje, 31 de maio, completam-se 67 anos após a inauguração do denominado Pavilhão Novo do Sanatório que constitui, hoje, o mais antigo bloco do Hospital da Guarda. 

Sanatório - Pavilhão Novo .jpg

Este acto, previsto inicialmente para 28 de maio de 1953, ocorreu três dias depois, com a presença dos Ministros do Interior e das Obras Públicas.

A imprensa da cidade deu especial relevo ao acato, apresentando o novo pavilhão como “um edifício gigantesco com 250 metros de comprido e com 350 leitos destinados exclusivamente a doentes pobres”.

Com a construção deste novo pavilhão, o Sanatório Sousa Martins procurou aumentar a capacidade de resposta às crescentes solicitações das pessoas afetadas pela tuberculose, ampliando assim o seu papel na luta contra essa doença.

É que o elevado número de doentes com fracos recursos há muito fazia sentir a necessidade de dotar esta conhecida estância sanatorial com novas instalações, pretensão que os responsáveis pelo Sanatório Sousa Martins tinham já manifestado ao Ministro das Obras Públicas, aquando da sua visita, à Guarda, em 1947. As obras do novo pavilhão foram iniciadas quatro anos depois.

A entrada em funcionamento deste pavilhão era aguardada com compreensível expectativa, mormente por quem trabalhava no Sanatório Sousa Martins.

Pavilhão novo -2 - HS.jpg

O seu diretor, Dr. Ladislau Patrício – que nesse mesmo ano deixaria essas funções, bem como a sua atividade clínica – definiu o edifício como “um novo e valioso instrumento na luta em defesa da saúde pública do país”.

Na Guarda viveu-se mais um dia festivo. “Cerca do meio dia, a estrada que conduz ao Sanatório tornara-se um rio de gente”, noticiou o jornal A Guarda. O Pavilhão Novo constitui, de facto, um marco importante na história do Sanatório Sousa Martins, instituição que não pode, de forma alguma, ser dissociada da Guarda do século XX.

Recordar esta efeméride é anotar, tão somente, quanto é fundamental a salvaguarda desta memória viva onde, no presente, prossegue a atividade hospitalar.

Conciliar os rumos exigidos pelo progresso com a especificidade deste edifício será contribuir para o reencontro com décadas em que a Guarda conquistou, justamente, a designação de cidade da saúde. (Hélder Sequeira).

 

 

 

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