Alojamento: SAPO Blogs
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Notícias da Guarda e região | Reportagem | Crónicas | Entrevistas | Apontamentos | Registos
“A rádio terá sempre o seu lugar e o seu papel”. Esta a convicção de João Paulo Diniz, um consagrado nome da rádio portuguesa que hoje sublinhamos neste apontamento.
Lembramos “um homem de liberdade” que “num conluio tão sigiloso como arriscado, lançou a deixa musical na rádio para o arranque do dia mais claro e luminoso da geração sofrida e silenciada a que pertencemos”, como escreveu Júlio Isidro no prefácio à publicação “Cuidado com os Cabelos Brancos”.
João Paulo Diniz, autor desse livro e um “brilhante profissional”, é uma voz da liberdade, tendo com algumas breves palavras evidenciado o papel da rádio num importante momento da história portuguesa; na noite de 24 de abril de 1974 colocou no ar – através dos Emissores Associados de Lisboa – a primeira senha do movimento dos capitães, ao anunciar “faltam 5 minutos para as 23 horas”, seguindo-se a apresentação da música de Paulo de Carvalho, “E depois do adeus”.
“A música foi escolhida inicialmente quando fui abordado pelo capitão Costa Martins, da Força Aérea, e pelo Otelo Saraiva de Carvalho, com quem eu tinha estado na Guiné.” Recordou-nos João Paulo Diniz.
Quando o questionámos se as pessoas têm consciência da importância da rádio e do seu contributo para a revolução e subsequente afirmação da democracia, respondeu-nos: “não sei se têm. Há uma coisa que me custa um pouco. É que tenho a sensação que, de hoje em dia, os jovens sabem muito pouco sobre o que foi o 25 de Abril.”
Daí acrescentar-nos ser “extremamente importante sensibilizar toda a população, mas em especial os mais jovens, para a importância” dessa data e de “todas as liberdades que nos permitiu. Liberdade sempre, obviamente, com a máxima responsabilidade. Uma e outra não se separam. É um casamento.”
João Paulo Diniz protagonizou diversos projetos radiofónicos e desenvolveu uma intensa e distinta atividade jornalística, em vários órgãos de informação, mormente na rádio; atividade que evoca e descreve no livro a que aludimos anteriormente.
A sua passagem pela BBC contribuiu, como nos disse recentemente, para reaprender algumas “lições, sobretudo em termos do rigor, da informação, de ter a certeza que a notícia só é dada quando estiver a cem por cento tudo confirmado.”
Hoje, diz João Paulo Diniz, “fazem falta na rádio profissionais de cabelos brancos”, pretendendo dizer com isso que é importante haver neste meio pessoas com “uma experiência mais ampla, maiores conhecimentos”, capazes de transmitir memória; sem esquecer que é fundamental “ensinar aos mais novos como se faz a Rádio e, sobretudo, como não se faz…”.
Na necessária reinvenção da rádio, na sua desejada aproximação com o seu público, na reafirmação do seu perfil identitário e no amplo aproveitamento das suas características e capacidades esses contributos idóneos – pautados por um inquestionável profissionalismo e saber fazer – são relevantes e oportunos.
Aliás, há décadas atrás, o jornalista que hoje evocamos, descentralizava as emissões do programa que conduzia – na emissora pública portuguesa – pelo território nacional; como já destacava também a função social da sonora radiodifusão no interior do país, partindo do exemplo da Rádio Altitude, no decorrer de um colóquio realizado na Guarda em 1990, no âmbito da comemoração do aniversário desta rádio, que a 29 de julho completará 77 anos de emissões oficiais regulares; uma marca informativa e cultural da nossa região e da cidade, que não deve ser esquecida.
Na Guarda, em 1990. No colóquio intregrado na comemoração do aniversário da Rádio Altitude. Na foto (esq. para a dir ) João Marques de Almeida, Hélder Sequeira e João Paulo Diniz.
A proximidade e a humanização do meio rádio continuam a ser necessárias, pertinentes e fundamentais, pois as pessoas (e tendo em conta os cenários criados pela inteligência artificial e pelos desenvolvimentos ao nível de equipamentos técnicos) não podem ser afastadas do seu processo evolutivo; a Rádio a continua a ter futuro, apesar dos múltiplos condicionalismos e desafios.
Concluindo estas Anotações com palavras de João Paulo Diniz, “a rádio tem realmente uma dimensão extraordinária. É portátil, é leve, é gratuita e é fascinante.” Saibamos perceber, valorizar e apreciar esse fascínio!...
Hélder Sequeira
in O INTERIOR, 18 junho 2025
O jornalismo vive em Portugal uma “crise profunda”, considera Jorge Esteves correspondente da Rádio e Televisão de Portugal na Guarda, e com largos anos de experiência na atividade informativa. A sua ligação à comunicação social começou na rádio, meio que será sempre o único a permitir “estar a ouvir e a absorver a atualidade ao minuto, sem ter de escolher outra coisa que não seja a estação”.
Jorge Esteves nasceu (em 1965) no Ninho do Açôr, concelho de Castelo Branco, mas cresceu na Covilhã, onde acabou por ingressar na Universidade da Beira Interior. Em 2004, com a junção da RDP e da RTP numa única empresa, foi convidado a exercer as funções de jornalista e de coordenador da delegação comum da rádio e da televisão públicas que a Rádio e Televisão de Portugal decidiu criar na cidade da Guarda; frequentou a Licenciatura em Comunicação Social na UBI e completou vários cursos profissionais de Jornalismo em áreas como o Direito, Proteção Civil, Medicina Legal e Segurança Interna.
Como surgiu a tua entrada para a rádio e para o jornalismo?
Por uma situação fortuita, na altura em que frequentava o Curso de Matemática/Informática na UBI, e quando comecei a sentir que não tinha afinidades com a área onde ingressei “por engano”, comecei a colaborar diariamente nas emissões ainda “piratas” da Rádio Clube da Covilhã, como locutor e também como “uma espécie de jornalista”.
Passei a dedicar mais tempo à Rádio do que ao curso superior e acabei por ser convidado a integrar profissionalmente a equipa inicial da RDP/Centro-Rádio Covilhã, delegação que a empresa Radiodifusão Portuguesa, detentora do Serviço Público de Rádio decidiu abrir na cidade beirã.
Com o fim das Rádios Locais da RDP e a criação em 1993, de uma rede de correspondentes nacionais, com presença em vários distritos do país, acabei por ser convidado a assumir as funções na Guarda, a partir das instalações do antigo Emissor Regional e posteriormente da RDP/Centro-Rádio Guarda. Funções que em 1996 passei a acumular com as de Jornalista/Correspondente da SIC Televisão, a partir da Delegação criada na Universidade da Beira Interior.
Em 2004, com a fusão entre a RDP e a RTP acabei por ser convidado como quadro da nova empresa Rádio e Televisão de Portugal a exercer as funções de Jornalista Coordenador da Delegação Comum da Rádio e Televisão públicas, que o Grupo RTP decidiu criar no distrito da Guarda, cessando aí a colaboração com a SIC.
O que te fascinava mais na rádio, nessa altura?
A proximidade com o público e o território da Beira Interior, região onde por opção pessoal, profissional e familiar decidi manter-me.
Também me motivava muito a possibilidade de levar à dimensão nacional e internacional e também junto dos centros e instâncias do Poder, a voz e os anseios desta população, ainda muito amarrada e agarrada às teses da “Interioridade”…
Nas dificuldades técnicas e geográficas que enfrentava diariamente no terreno, encontrei sempre motivação extra para procurar ou inventar soluções.
Achas que a tua geração vivia a rádio de uma forma diferente do que acontece atualmente?
Substancialmente diferente, muito pela falta meios técnicos, de formas de fazer chegar os sons e a reportagem completa ao estúdio, de fazer pesquisa de informação ou conseguir contactar fontes. Era o tempo em que eu andava sempre com uma lista telefónica, do tipo “Páginas Amarelas” no carro, para conseguir até perceber em que zona era uma determinada aldeia ou freguesia, ou poder fazer um contacto para um Posto Público, para conseguir alguma informação útil.
Também o facto da maior parte das Rádios Nacionais não ter profissionais ou colaboradores espalhados pelo país, fazia com que fora da Grande Lisboa e do Grande Porto, em toda a parte restante do território nacional, as Rádios só falassem de alguma coisa da região, se fosse uma tragédia de grande impacto…E lembro que durante muitos anos, era só a região da Guarda que tinha a sua própria estação de rádio local, a Altitude.
E como conciliavas o trabalho entre a Rádio e a Televisão?
Em regra, as duas funções são exercidas em complementaridade, dando para fazer diretos seguidos ou edições diferenciadas para cada um dos meios. Sendo que em situações mais complexas, vai havendo a possibilidade de desdobrar equipas, recorrendo a colegas das delegações vizinhas, que ajudam a cumprir a missão.
Quando deixaste a SIC, e o teu trabalho passou a ser na rádio e na televisão públicas, houve mudanças significativas?
Posso dizer que acabou por acontecer numa altura crítica para a SIC, que até aí e logo desde a sua criação como Televisão Independente, era “A Televisão”…
A RTP estava nessa altura muito refém de algum conservadorismo e obsoletismo, e perturbada pelo fulgurante surgimento dos privados.
A TVI, antes do fenómeno Big Brother, ainda era conhecida como a Televisão da Igreja e a SIC, de Pinto Balsemão e Emídio Rangel, já tinha trilhado o caminho de conquistar públicos através de uma programação moderna e popular, produzindo ao mesmo tempo e de forma separada, uma informação irreverente e independente dos poderes, como Contra-Poder ao lado do cidadão.
Só que o facto da SIC ter abdicado do tal programa Big Brother para a TVI, veio a revolucionar as audiências, fazendo com que se entrasse num total desgoverno, com confusão de critérios entre programas e noticiários, com o sensacionalismo a tomar o lugar do rigor.
Foi a oportunidade para a RTP se reorientar, como Estação de Referência, deixando as duas Estações privadas nessa luta inglória pelas audiências e pela sua quota de mercado.
Foi esse o facto, que me permitiu ficar na condição de representante da Rádio e Televisão de Portugal na Guarda, com a mesma tranquilidade e autonomia profissional que tinha antes, como quadro da RDP e colaborador da SIC na região.
Como vês a evolução que se verificou, ao nível dos media, desde os teus primeiros anos de atividade nesta área?
A nível técnico, foi uma verdadeira revolução; com os telemóveis, os meios de direto através das redes de dados, as possibilidades de enviar ficheiros ou fazer pesquisas on-line, a quase fazerem esquecer o tempo em que se tinha de procurar um telefone fixo, para conseguir enviar um som através do encosto do gravador, ao bocal do aparelho.
Quanto à qualidade de Informação rigorosa disponível, já não vejo um cenário tão positivo…
A luta pelas audiências a todo o custo, e a confusão de públicos mal formados que não estão preparados para selecionar Órgãos de Comunicação Social credíveis; e pior ainda, para separarem o que leem, ouvem ou veem nas Redes Sociais, daquilo que é uma informação rigorosa, produzida e comunicada com critérios de ética e deontologia jornalística.
Facilita-se assim um terreno fértil, para as tão propaladas Fake-News…
Como está hoje o jornalismo em Portugal? Achas que há uma crise no jornalismo e na comunicação social?
Uma crise muito profunda, pelas razões explanadas na resposta anterior.
As primeiras vítimas acabam por ser os profissionais mais íntegros, que deixam de ter condições para exercer a profissão com independência e condições básicas de estabilidade profissional; as seguintes são o público, que deixa de ser servido com a qualidade que só o rigor jornalístico garante.
Consideras que os meios nacionais, mormente aqueles com quem trabalhas, dão a devida e permanente atenção ao que se passa no interior? Há falta de recursos humanos e técnicos?
Os recursos técnicos e humanos nunca serão os desejáveis, mas a postura com que o profissional e o órgão de Comunicação Social se posicionam no território, pode fazer a diferença.
Pela nossa parte, o território poderá sempre contar com uma presença que não será nunca “só prá desgraça”!...
No contexto informativo, e face ao trabalho que tens desenvolvido, como vês a importância do programa “Portugal em Direto”?
É o noticiário do país, em toda a sua extensão, de Norte a Sul, do Litoral ao Interior, e nas suas duas modalidades, de Rádio e Televisão. Para informar os residentes em Portugal, mas também os emigrantes lá fora, sobre o que se passa neste cantinho.
Na Antena 1 e RDP Internacional das 13:15 às 14h, e na RTP 1 e Internacional das 17.30 às 19h. Hora de Portugal continental e ambos de segunda a sexta.
Quais os trabalhos ou acontecimentos que te deixaram, até agora, melhores recordações? E as piores?
As piores, obviamente os incêndios e as suas consequências, e também os sustos e perigos a que nos obrigam no seu acompanhamento.
Além de todos os tipos de acidentes que provocam mortes ou ferimentos graves, ou ainda grandes prejuízos ambientais, e aos quais também não podemos deixar de garantir cobertura.
Consideras que na atualidade o jornalista, e sobretudo os que trabalham no interior do país, têm que “filtrar” com maior cuidado as fontes de informação?
A proximidade, por vezes traz problemas acrescidos na separação de funções entre a fonte e o jornalista.
A necessidade de triar a informação verificando a veracidade do que a fonte nos está a passar, considero que é tão evidente aqui, como em qualquer parte do mundo. O facto de numa qualquer matéria informativa, haver sempre partes interessadas, obriga o jornalista a atuar permanentemente com o devido profissionalismo, de forma a não deixar que o interesse público seja lesado, ou que uma parte mais indefesa se torne numa vítima.
Quais são os principais problemas com que debatem os jornalistas que trabalham no interior do país? As dificuldades são maiores?
Nos chamados territórios de Baixa Densidade, os problemas como a baixa expressão do público e de um meio empresarial que garanta um bom mercado publicitário, aumenta a dependência económica dos Órgãos de comunicação Social, de instituições como as autarquias ou os organismos desconcentrados da Administração Pública. E por arrastamento também as opções e a liberdade editorial.
O teu profundo conhecimento da região tem sido útil para as tuas reportagens ou diretos?
Claro que as mais de três décadas de serviço e os milhares de quilómetros percorridos, para os milhares de reportagens feitas neste território, fazem ter um conhecimento dos locais e pessoas que ajuda muito à agenda informativa e de contactos. E também facilita muito a comunicação em direto, sem recurso a cábulas ou notas escritas…
As agendas políticas condicionam a informação?
As agendas políticas fazem parte da informação. Deixarmo-nos condicionar por elas, ou servir-nos delas para alimentar os conteúdos, depende só da nossa postura perante elas.
Como vês o atual panorama da imprensa regional? A imprensa regional tem vindo a perder a influência? Corre riscos de desaparecer?
A forma de se adaptar e de se reinventar perante as novas realidades é que vai ditar o seu futuro. O setor do Multimédia e das Multiplataformas traz um novo potencial também para os órgãos regionais.
A proximidade será sempre uma vantagem a aproveitar, na relação com os públicos e os factos noticiosos.
E a Rádio? Como vês o presente e o futuro, no contexto regional e local?
A Rádio será sempre o único meio que nos permite estar a ouvir e a absorver a atualidade ao minuto, sem ter de escolher outra coisa que não seja a Estação, e podendo estar a desenvolver qualquer outra atividade, sem a perturbar. Em relação ao futuro, a resposta já a dei, anteriormente.
Há algum trabalho especial que gostasses de realizar, sobre a região onde tens desenvolvido a tua atividade jornalística?
Trabalhando com a independência, autonomia e liberdade com que me é permitido desempenhar as minhas funções, diria que só estou limitado pelas realidades que fazem com que alguns projetos continuem adiados e muitas potencialidades se mantenham por aproveitar.
Ou seja, é isso que faz com que haja reportagens que gostava de fazer e assim sendo, ainda não fiz…
E quanto a projetos pessoais, em contexto da comunicação social?
Muito sinceramente, na fase da vida profissional em que me encontro, não tenho outros projetos que não sejam, chegar à reforma com dignidade, ajudar quem me suceda a ficar com parte do meu conhecimento sobre este território, e eventualmente se houver algum interesse ou reconhecimento de utilidade na outra parte, retribuir à Rádio Clube da Covilhã, com a mesma colaboração abnegada com que iniciei todo este percurso, aquilo que foi uma carreira profissional com que nunca tinha sonhado antes.
H.S. /Correio da Guarda
Hoje assinala-se o Dia Mundial do Rádio, data que foi assim designada, em 2011, pelos estados-membros da UNESCO. No ano seguinte esta escolha seria validada pela Assembleia Geral das Nações Unidas.
A opção por 13 de fevereiro fica a dever-se ao facto de ter sido nesse dia, em 1946, que a Rádio das Nações Unidas emitiu pela primeira vez um programa em simultâneo para um grupo de seis países.
Nesse mesmo ano, recorde-se, ocorriam na Guarda as primeiras experiências de radiodifusão sonora que estiveram na origem da Rádio Altitude. Assinalar esta efeméride é, também, exercer o dever de memória e relembrar o pioneirismo da mais alta cidade portuguesa no campo da radiodifusão sonora.
Estúdio da Rádio Altitude (1979), emissão em onda média.
Este ano, o tema do Dia Mundial do Rádio sublinhou “um século de informação, entretenimento e educação”, iluminando “o passado notável, o presente relevante e a promessa de um futuro dinâmico”, como foi referido numa nota informativa divulgada pela da UNESCO. “(…) A oportunidade oferecida pelo marco de mais de 100 anos do rádio merece ser propagada a todo volume. O centenário é uma ocasião para celebrar com orgulho as amplas virtudes e a potência contínua deste meio. O momento é oportuno, pois o rádio enfrenta desafios cada vez maiores em relação aos números de audiência e receita obtidas por plataformas digitais, redes sociais, divisões digitais e geracionais, ventos contrários da censura e, para alguns meios de comunicação, dívidas sufocantes, bem como dificuldades económicas exacerbadas por um mercado de publicidade fraco”. Um cenário sobre o qual já escrevemos recentemente.
A propósito da comemoração, em 2024, do Dia Mundial do Rádio, a UNESCO acentuou a “história indelével” deste meio de comunicação e seu “poderoso impacto nas notícias, teatro, música, desportos”, não deixando de aludir ao “valor utilitário atual do rádio como uma rede de segurança pública relativamente gratuita e portátil durante emergências”. Uma mais-valia a que não se tem dado a devida atenção, talvez pela confiança que se tem colocado noutras redes de transmissão, as quais, por várias vezes (grandes fogos florestais, por exemplo) demonstraram fragilidades. As emissoras de rádio, apoiadas e apetrechadas com os adequados geradores de emergência seriam, podem ser, mais uma eficaz antena para a proteção civil.
Por outro lado, para a comemoração do Dia Mundial do Rádio foi igualmente apontado como mote de reflexão “o valor democrático contínuo do rádio para servir como um catalisador de base para a conexão entre grupos carentes, incluindo imigrantes, religiosos, minorias e populações atingidas pela pobreza; e como um termómetro instantâneo da opinião pública expressa por meio dos auspícios da liberdade de expressão no espaço público”. A UNESCO, no texto divulgado a propósito do Dia Mundial do Rádio, considerou ser “uma conquista notável para um importante meio de comunicação de massa manter sua relevância após 100 anos e ainda ser uma força para a liberdade de expressão, alegria e conhecimento. Ao contarmos com orgulho sua história, vamos dar as boas-vindas ao futuro do rádio no próximo século.”
Celebrando o Rádio, este dia mundial teve entre os seus objetivos a consciencialização do público e dos media sobre o valor do serviço público de áudio, e o alerta para a importância do incremento de estações livres, independentes, pluralistas capazes de reforçarem o seu papel e poder no quadro de uma rede de cooperação internacional; facilitada hoje pelas tecnologias da informação e por uma diversificada gama de equipamentos, que garantem novas potencialidades, num tempo de enormes dificuldades e desafios, sobretudo nas regiões com menor densidade populacional.
Contudo, o tempo presente continua a ser do rádio, interventivo que saiba construir e lutar pelo futuro. Deverá ser também o tempo de darmos uma nova e objetiva atenção às estações de radiodifusão existentes no interior de Portugal. É também o tempo de serem apoiadas as estações que, apesar das múltiplas dificuldades continuam a emitir. Apoiar estas emissoras – como já tivemos a oportunidade de escrever noutras ocasiões – é um imperativo moral e ato de justiça, pelo seu papel de serviço público que desenvolvem em prol das populações. Em apontamentos anteriores falámos já das dificuldades crescentes com que, nos últimos nos, se têm vindo a debater as estações de rádio.
O debate em torno do perfil da rádio, na atualidade e no futuro, tem suscitado posturas diferenciadas, mas convergentes quanto à sua continuidade. Para alguns, a rádio tem de resistir à tentação de perder a sua credibilidade na concorrência diária que enfrenta com as redes sociais e media socias. Essa credibilidade passa pelo rigor e salvaguarda permanente da sua função informativa, pela ação ao nível do entretenimento, nas várias vertentes.
Tendo em consideração a constante evolução tecnológica e as tendências dos consumidores, é também defendido que caminhamos para a existência de menos rádios físicas e mais virtuais. Mas não se esqueça que a humanização da rádio é fundamental; as pessoas não podem ser afastadas do processo evolutivo e do plano radiofónico. Temas de reflexão que se juntam aos apresentados pela UNESCO a propósito do Dia Mundial do Rádio que se assinala hoje, como já dissemos.
O importante é que a o rádio seja de todos os dias, pois este meio de comunicação deve continuar a ser indissociável das nossas vidas.
Hélder Sequeira
O próximo dia 21 de outubro é uma data com um significado particular no historial da Rádio Altitude (RA), que está a comemorar o 75º aniversário. Isto porque no ano de 1947 era aprovado um regulamento onde estavam definidas as orientações para o indispensável e normal desenvolvimento das emissões radiofónicas da futura estação CSB-21.
Para a estação emissora da Caixa Recreativa do Sanatório Sousa Martins era definido o objetivo de proporcionar aos doentes “certas distrações compatíveis com a disciplina do tratamento”, acrescentando-se que a estação iria funcionar “sob administração direta da Comissão Administrativa, que nomeará um dos seus membros para Diretor dos respetivos serviços”.
De acordo com o referido regulamento, o diretor dos serviços tinha a seu “cargo a orientação geral das emissões e as regras que presidem à administração corrente, mas a criação de receitas e a realização de despesas terão de ser aprovadas segundo os termos normais da Caixa Recreativa”.
Num dos artigos determinava-se que “os produtores, locutores e operadores serão pessoas em condições suficientes de saúde para exercerem as respetivas funções e os nomes serão apresentados à Direção do Sanatório para aprovação”; a antecipada e cuidada organização (com 48 horas de antecedência) dos programas constituía uma das exigências que integravam o documento, “embora sem prejuízo da atualidade que os assuntos podem merecer.”
Aos locutores era recomendado que falassem de harmonia com os programas que teriam sob a sua responsabilidade “e não poderão exceder-se em trabalho nem levantar a voz”, sendo referido que “os operadores deverão colaborar com os locutores da maneira mais adequada e conducente à boa realização dos programas” e estipulada a permissão de serem acumuladas na mesma “pessoa as funções de produtor e locutor”.
Este regulamento não era totalmente alheio ao contexto político e social da época; daí que, embora ficasse garantida aos produtores dos programas a “liberdade na escolha dos assuntos”, fossem alertados para o facto de não serem permitidos “assuntos de ordem política”, mas eram consentidos “assuntos de ordem religiosa, desde que acatem os princípios católicos”.
Outra norma orientadora – o que se compreende face ao circunscrito auditório dessa época – dizia respeito à indicação de que não deviam “ser escolhidos temas pessimistas ou de orientação prejudicial à boa disposição dos doentes”.
Um artigo do regulamento da Rádio Altitude fazia menção específica ao programa “Simpatia”, o qual era “preenchido com os discos pedidos pelos radiouvintes”; esse espaço radiofónico não devia “exceder metade da emissão total, enquanto for organizado diariamente”. Por outro lado, “as dedicatórias que acompanhem os pedidos” tinham de ser escritas “por forma a facilitar a locução” e não poderiam “ir além de 50 palavras, tratando-se de prosa, ou de 16 versos, se os solicitantes adotarem poesia”.
No mesmo artigo era clarificado que as dedicatórias deveriam “ser corretas e de harmonia com o carácter de relações existentes entre pessoas decentes”, tendo de ser apresentadas até às 14 horas. “As dedicatórias que forem entregues depois dessa hora não serão transmitidas no próprio dia.”
Este regulamento, aprovado por Ladislau Patrício (que era o Diretor do Sanatório Sousa Martins e desde cedo percebeu a importância e o alcance da Rádio), para além da informação que nos transmite sobre a vivência radiofónica de então e a forma como era desenvolvida, a par das preocupações de balizar os conteúdos programáticos das emissões, remete-nos para um tempo onde se solidificavam os alicerces da emissora. A inauguração oficial da rádio ocorreria, como é sabido, a 29 de julho do ano seguinte.
Interessante coincidência é a estreia no palco do Grande Auditório do Teatro Municipal da Guarda da peça “Guarda a nossa Rádio”, no próximo sábado – 21 de outubro -data em que passam 76 anos a aprovação do primeiro regulamento da RA.
Esta peça é, ante de mais, a celebração da rádio e, simultaneamente, uma proposta de reflexão sobre a função social deste meio de comunicação; sobretudo em regiões do interior, como esta zona da Beira Serra, onde nunca serão de mais as vozes que possam dar voz às populações, aos valores culturais e históricos, ao presente, aos sonhos do futuro.
A rádio continua a ter um papel fundamental na informação local e regional, na defesa da identidade destas terras e gentes. Nesta peça – cujo texto pode ser adaptado ou interpretado em diferenciados contextos geográficos, onde a rádio esteja presente – o espetador é levado para um estúdio de Rádio, onde há vozes, músicas, memórias, sentimentos, sonhos, paixão, afetos; é desafiado a assistir a um programa de rádio, numa noite especial, onde se cruzam três gerações e que proporciona a revisitação de múltiplas estórias; a evocação de distintas vivências marcadas pela magia da rádio. No final há uma inesperada revelação e um comovido apelo para que a rádio se continue a reinventar e afirmar no futuro.
Há referências especiais, nomes e vozes que serão percetíveis aos espetadores. Essas personagens, como referi anteriormente, dão ao espetador a liberdade de as associar a outras vivências. São os afetos e a paixão pela Rádio que alimentam os diálogos, as memórias.
Deixamos, aos leitores, o convite para celebrarem também a rádio e para a conhecerem por dentro; para entrarem no estúdio, reterem gestos e movimentos, penetrando nos pensamentos de quem está frente ao microfone, perante muitos rostos imaginários que estão do outro lado.
A sua presença será uma manifestação do apreço pela rádio, pela sua história, pela sua importância na sociedade de hoje; será também a expressão de que estão empenhados na Guarda da rádio e naquilo que ela significa enquanto memória coletiva.
Hélder Sequeira
in O Interior | 18-out-2023
A Rádio Altitude é uma emissora associada a muitas vozes e rostos, a sonhos, diferenciados contributos, afetos e ideias. Emílio Aragonez (com quem trabalhei largos anos) é uma grata referência no historial desta estação.
Emílio Aragonez – que hoje comemora mais um aniversário – foi, durante décadas, uma das vozes mais populares das emissões radiofónicas feitas, em onda média, a partir da cidade mais alta de Portugal.
Nascido no ano de 1934 (21 de setembro), em Portalegre, António Emílio Carrajola Aragonez veio para a Guarda com a idade de cinco anos; posteriormente, face às contingências resultantes da atividade profissional do pai, foi viver para Cascais, Pinhel, Peniche e Seia, após o que ocorreu o regresso definitivo à Guarda.
Com onze anos começou a trabalhar na Ourivesaria Correia, na Guarda. “Fui para lá ganhar 80 escudos por mês e passados dois meses fui aumentado para cem”. As aulas no Liceu ficaram para trás, pois os horários não eram compatíveis com o trabalho; o estudo circunscreveu-se ao período da noite. Emílio Aragonez frequentou o Colégio de S. José, a Escola Comercial e Industrial e a Escola dos Gaiatos, nesta cidade.
Aos dezoito anos abriu o seu primeiro estabelecimento comercial, na Rua 31 de Janeiro. Três anos depois mudou-se para a Rua do Campo, instalando-se no antigo espaço da Espingardaria Sport, que pertencera a um antigo chefe da Polícia; iniciava-se um ciclo de atividades na área da relojoaria e ótica; contudo, circunstâncias diversas contribuíram, muitos anos depois, para o abandono da vida comercial e empresarial. Ficou, deste modo, aberto o caminho para uma dedicação total ao jornalismo e à rádio.
Desde os dezanove anos que mantinha, aliás, uma permanente paixão pela Rádio Altitude, onde começou a colaborar no início da década de cinquenta. “Foi aberto concurso para pessoas externas ao Sanatório, concorri e fui admitido. Para mim era um desafio. Trabalhava durante o dia e à noite ia para a Rádio, a apresentar discos pedidos, que eram imensos. Contudo isto representava o início da concretização de um sonho, de estar ligado à rádio e à informação”.
Nos primórdios da sua atividade radiofónica teve por companheiros alguns dos internados no Sanatório Sousa Martins. “Havia, naturalmente, muito receio deste contacto com os doentes”, temor a que não escapava a própria cidade. Nessa época, as emissões da Rádio Altitude eram à noite, tendo depois passado a existir um espaço na hora do almoço. “Comecei também a fazer algumas das emissões desse horário, mas o trabalho mais alargado era aos fins-de-semana, dado que alguns doentes faltavam; havia um que tinha um programa desportivo, outro era responsável por um programa vocacionado para as questões culturais e um outro realizava o “Vento do Norte”, que foi um programa muito polémico”.
Predominavam os programas de discos pedidos, os quais registavam uma permanente avalanche de solicitações, cujo atendimento se ia prolongando por semanas sucessivas. “Eram tantos os pedidos e o espaço tão reduzido que era colocado um disco num dia e outros em programas posteriores. Por vez para se ouvirem quatro dedicatórias tinha de se esperar um mês”, lembra Emílio Aragonez, mais tarde rendido ao fascínio das reportagens.
Nesse período, e anos subsequentes, havia regras rígidas relativamente às emissões radiofónicas e, como aconteceu até ao 25 de Abril de 1974, a polícia política estava sempre atenta, e atuante. Mesmo assim, Emílio Aragonez desvaloriza essa interferência. “As notícias que eram transmitidas, nos primeiros tempos, eram baseadas nos jornais e estes já tinham passado pela censura”. O que não impediu diversas chamadas de atenção por parte do Administrador ou Diretor da Rádio, e a deslocação, por duas vezes, às instalações de P.I.D.E., contudo sem quaisquer consequências.
A seguir ao 25 de Abril, a estação viveu momentos de grande agitação e geraram-se tentativas de “tomar o Altitude”. “Alguns dias após a data da revolução cheguei a estar 24 horas sem poder sair da Rádio, por imposição do MFA, onde esteve uma força militar comandada pelo alferes Pardalejo”. Ainda hoje não tem uma explicação cabal para esse facto.
Pessoa de improviso fácil, e anotações rápidas, Emílio Aragonez assegurava os diretos da rádio de uma forma atrativa, suscitando o interesse informativo, curiosidade e audição atenta. A Rádio foi, sem reservas, uma grande afeição da sua vida, feita de trabalhos, desencontros, incompreensões silêncios, amarguras e felicidade; vida simultaneamente enraizada em convicções e em princípios, passando ao lado, de eventuais críticas ou atitudes injustificadas.
Ao longo de décadas deu voz à notícia, trouxe à luz da ribalta questões tantas vezes ignoradas; desencadeou o confronto de opiniões, denunciou injustiças, foi porta-voz de múltiplas aspirações de terras e gentes. “Estive, sempre, na vanguarda da informação, sem nunca hipotecar a minha consciência profissional nem trair os meus princípios”.
Emílio Aragonez assumiu o jornalismo e a rádio sem nunca esquecer a função social subjacente; o que, aliás, foi sempre reconhecido pelos ouvintes, a quem nunca negou a sua presença, e voz, mesmo em situações nas quais motivos de ordem pessoal, o cansaço ou a doença aconselhavam repouso. “Muitas vezes acabava por dormir na Rádio, nomeadamente quando vinha às tantas da noite de alguma reportagem e tinha de abrir a emissão no dia seguinte”.
O nascimento de Emílio Aragonez para a rádio, e a projeção que alcançou através desta emissora, ocorreu na época das emissões em onda média, quando a frequência modulada estava longe de ser uma realidade na estação CSB-21, o indicativo atribuído à Rádio da mais alta cidade portuguesa.
Emílio Aragonez disse-nos ter havido um largo período “em que os outros tinham um certo receio de levantar os problemas. Eu dei sempre a cara, mesmo sabendo que iria sofrer dissabores; não só eu como a minha família.” Embora a faceta de jornalista seja a mais conhecida, era um intransigente defensor da música portuguesa, presença constante nos espaços radiofónicos por ele animados (é o caso do popular programa Domingo a Domingo), sem cair no gosto medíocre.
A sua aparência descontraída, porventura mesmo descuidada, reflexo da sua peculiar forma de ser e do desprendimento pelos bens materiais, não raro originava humorísticos episódios, partilhados depois nos círculos de colegas e amigos, os quais facilmente lhe reconhecem mais virtudes do que defeitos.
A Rádio Altitude representa para Emílio Aragonez “praticamente uma vida toda. Uma pessoa que entra para ali aos 19 anos e fica lá até aos 68 obviamente que representa tudo”, dizia-nos há algum tempo atrás. “Esqueci-me muitas vezes que tinha família, esqueci-me dos amigos e vivia para o Altitude. Era tudo para mim!...”.
Emílio Aragonez, hoje desligado da atividade radiofónica devido à sua idade é uma memória viva da Rádio e da Guarda – das suas estórias e tradições – igual a si próprio, referência de um tempo cúmplice das ondas hertzianas, quais laços de solidariedade com a cidade e a Beira Serra.
Parabéns, Emílio Aragonez. Feliz dia de Aniversário.
Hélder Sequeira
Emílio Aragonez, que hoje completa 88 anos, foi durante décadas uma das vozes mais populares das emissões radiofónicas feitas, em onda média, a partir da cidade mais alta de Portugal.
por Helder Sequeira
Personalidade com profundas ligações à Rádio Altitude, Emílio Aragonez nasceu em 21 de setembro de 1934, em Portalegre. Para a Guarda veio com cinco anos. Posteriormente, face às contingências resultantes da atividade profissional do pai, foi viver para Cascais, Pinhel, Peniche e Seia, após o que ocorreu o regresso definitivo à Guarda.
Com onze anos começou a trabalhar na Ourivesaria Correia, na Guarda. “Fui para lá ganhar 80 escudos por mês e passados dois meses fui aumentado para cem”. As aulas no Liceu ficaram para trás, pois os horários não eram compatíveis com o trabalho; o estudo circunscreveu-se ao período da noite. Emílio Aragonez frequentou o Colégio de S. José, a Escola Comercial e Industrial e a Escola dos Gaiatos, nesta cidade.
Aos dezoito anos abriu o seu primeiro estabelecimento comercial, na Rua 31 de Janeiro. Três anos depois mudou-se para a Rua do Campo, instalando-se no antigo espaço da Espingardaria Sport, que pertencera a um antigo chefe da Polícia; iniciava-se um ciclo de atividade na área da relojoaria e ótica; contudo, circunstâncias diversas contribuíram, muitos anos depois, para o abandono da vida comercial e empresarial. Ficou, deste modo, aberto o caminho para uma dedicação total ao jornalismo e à rádio.
Desde os dezanove anos que mantinha, aliás, uma permanente paixão pela Rádio Altitude, onde começou a colaborar no início da década de cinquenta. “Foi aberto concurso para pessoas externas ao Sanatório, concorri e fui admitido. Para mim era um desafio. Trabalhava durante o dia e à noite ia para a Rádio, a apresentar discos pedidos, que eram imensos. Contudo isto representava o início da concretização de um sonho, de estar ligado à rádio e à informação”.
Nos primórdios da sua atividade radiofónica teve por companheiros alguns dos internados no Sanatório Sousa Martins. “Havia, naturalmente, muito receio deste contacto com os doentes”, temor a que não escapava a própria cidade. Os tuberculosos eram cuidadosamente evitados pela generalidade da população da cidade, onde, então, se via muita pobreza. “Recordo-me de haver largas dezenas de pessoas que se dirigiam ao Lactário para obterem o leite destinado à alimentação dos filhos; iam buscar a sopa à Cozinha Económica, na altura a funcionar noutras instalações. Aos dias de mercado, sobretudo, apareciam muitos rapazes e raparigas descalços e isso já diz muito sobre a realidade social”.
Nessa época, as emissões da Rádio Altitude eram à noite, tendo depois passado a existir um espaço na hora do almoço. “Comecei também a fazer algumas das emissões desse horário, mas o trabalho mais alargado era aos fins-de-semana, dado que alguns doentes faltavam; havia um que tinha um programa desportivo, outro era responsável por um programa vocacionado para as questões culturais e um outro realizava o “Vento do Norte”, que foi um programa muito polémico”.
Predominavam os programas de discos pedidos, os quais registavam uma permanente avalanche de solicitações, cujo atendimento se ia prolongando por semanas sucessivas. “Eram tantos os pedidos e o espaço tão reduzido que era colocado um disco num dia e outros em programas posteriores. Por vez para se ouvirem quatro dedicatórias tinha de se esperar um mês”, lembrava (numa entrevista que registámos há alguns anos) Emílio Aragonez, mais tarde rendido ao fascínio das reportagens.
Nesse período, e anos subsequentes, havia regras rígidas relativamente às emissões radiofónicas e, como aconteceu até ao 25 de Abril de 1974, a polícia política estava sempre atenta, e atuante. Mesmo assim, Emílio Aragonez desvaloriza essa interferência. “As notícias que eram transmitidas, nos primeiros tempos, eram baseadas nos jornais e estes já tinham passado pela censura”. O que não impediu diversas chamadas de atenção por parte do Administrador ou Diretor da Rádio, e a deslocação, por duas vezes, às instalações de P.I.D.E., contudo sem quaisquer consequências.
Uma delas foi “por causa de um disco que tinha sido transmitido e depois desapareceu; o disco tinha sido gravado em França e era de uma voz portuguesa, já não sei se era do Zeca Afonso ou do Adriano Correia de Oliveira”.
A seguir ao 25 de Abril, a estação viveu momentos de grande agitação e geraram-se tentativas de “tomar o Altitude”. “Alguns dias após a data da revolução cheguei a estar 24 horas sem poder sair da Rádio, por imposição do MFA, onde esteve uma força militar comandada pelo alferes Pardalejo” Ainda hoje não tem uma explicação cabal para esse facto.
Pessoa de improviso fácil, e anotações rápidas, Emílio Aragonez assegurava os diretos da rádio de uma forma atrativa, suscitando o interesse informativo, curiosidade e audição atenta. “Na década de setenta, quando Marcelo Caetano se deslocou a Manteigas, julgo que para inaugurar o edifício da Câmara, houve um atraso de mais de uma hora, em relação ao horário previsto. Como não havia possibilidades de desfazermos a ligação e voltar a retomá-la – os meios eram bem diferentes dos atuais – tive de aguentar a transmissão, recorrendo apenas a duas curtas entrevistas. O resto do tempo falei de Manteigas, da Serra, das potencialidades turísticas e de outras informações e descrições que fui considerando oportunas”.
A Rádio foi, sem reservas, uma grande afeição da sua vida, feita de trabalhos, desencontros, incompreensões silêncios, amarguras e felicidade; vida simultaneamente enraizada em convicções e em princípios, passando ao lado, de eventuais críticas ou atitudes injustificadas.
Ao longo de décadas, deu voz à notícia, trouxe à luz da ribalta questões tantas vezes ignoradas; desencadeou o confronto de opiniões, denunciou injustiças, foi porta-voz de múltiplas aspirações de terras e gentes. “Estive, sempre, na vanguarda da informação, sem nunca hipotecar a minha consciência profissional nem trair os meus princípios”.
Emílio Aragonez assumiu o jornalismo e a rádio sem nunca esquecer a função social subjacente; o que, aliás, foi sempre reconhecido pelos ouvintes, a quem nunca negou a sua presença, e voz, mesmo em situações nas quais motivos de ordem pessoal, o cansaço ou a doença aconselhavam repouso.
“Muitas vezes acabava por dormir na Rádio, nomeadamente quando vinha às tantas da noite de alguma reportagem e tinha de abrir a emissão no dia seguinte”. Quando a cidade acordava envolta em espesso manto de neve “a rádio chegava a abrir mais cedo e era a partir daí que praticamente se comandava a cidade. Era um trabalho de autêntico serviço público, com informações sobre os vários estabelecimentos de ensino, circulação nas estradas, funcionamento dos serviços públicos. Ouvir o Altitude era essencial”.
Sempre atento ao quotidiano, na sua memória circulam, volvidos estes anos, muitas imagens e sons que pertencem aos bastidores da rádio; fora do estúdio de emissão havia lugar a dramas individuais, sofrimentos, dificuldades a superar, batalhas contra o tempo, necessidade de discernir e graduar com rapidez aquilo que era matéria informativa e não mero adereço de projeções institucionais ou pessoais; ocorriam confrontos marcantes no percurso individual e profissional; impressões muitas vezes gravadas de maneira indelével, que não pactuam com o esquecimento.
Emílio Aragonez no dia da homenagem que lhe foi prestada pelo Rotary Club da Guarda. Na foto (esquerda para a direita): António Martinho, Albino Bárbara, António José Teixeira, Emílio Aragonez, Helder Sequeira, Carlos Martins.
O nascimento de Emílio Aragonez para a rádio, e a projeção que alcançou através desta popular emissora, ocorreu na época das emissões em onda média, quando a frequência modulada estava longe de ser uma realidade na estação CSB-21, o indicativo atribuído à Rádio da mais alta cidade portuguesa.
A sua voz aquecia as noites guardenses, esbatia a solidão, aumentava progressivamente o auditório, despertando incontidas manifestações de simpatia. “Diziam-me que a minha voz era agradável e depois, também pelo que me é dito, tinha uma maneira muito peculiar de falar. Isto começou, realmente, nos programas da noite, quando a cidade precisava de companhia e a companhia era a rádio. Foram anos, anos e anos com a minha voz a entrar pela casa das pessoas”.
Por outro lado, Emílio Aragonez salientou-nos ter havido um largo período “em que os outros tinham um certo receio de levantar os problemas. Eu dei sempre a cara, mesmo sabendo que iria sofrer dissabores; não só eu como a minha família.” Mas não há lugar a arrependimentos, dizia-nos, há alguns anos, em tom inequívoco. Embora a faceta de jornalista seja a mais conhecida, era um intransigente defensor da música portuguesa, presença constante nos espaços radiofónicos por ele animados, sem cair no gosto medíocre.
A sua aparência descontraída, porventura mesmo descuidada, reflexo da sua peculiar forma de ser e do desprendimento pelos bens materiais, não raro originava humorísticos episódios, partilhados depois nos círculos de colegas e amigos, os quais facilmente lhe reconhecem mais virtudes do que defeitos.
A Rádio Altitude representou para Emílio Aragonez “praticamente uma vida toda. Uma pessoa que entra para ali aos 19 anos e fica lá até aos 68 obviamente que representa tudo”, como nos afirmava, sem hesitações. “Esqueci-me muitas vezes que tinha família, esqueci-me dos amigos e vivia para o Altitude. Era tudo para mim!...”.
Emílio Aragonez é uma memória viva da Guarda – das suas estórias e tradições – igual a si próprio, referência de um tempo cúmplice das ondas hertzianas, quais laços de solidariedade com a cidade e uma vasta região…
Parabéns, Emílio Aragonez!
Assinalando-se hoje, dia 29 de julho, os 74 anos da Rádio Altitude é importante que a Guarda, a região e o país não esqueçam esta marca informativa, incontornável quando se evoca a história da radiodifusão sonora portuguesa.
Desde 1976 que estou ligado à Rádio, muito particularmente a esta emissora. O Altitude foi uma verdadeira escola de rádio e jornalismo, um espaço de aprendizagem prática, de criatividade, de superação constante dos desafios diários. Tudo isto num contexto de excelente e salutar ambiente de trabalho, numa enriquecedora envolvência de diálogo entre as várias gerações presentes na rádio; uma emissora que fez nascer e consolidar amizades, laços afetivos e afirmou gratas memórias.
A polivalência de funções, por que todos passavam, traduziu-se numa maior capacidade de responder às solicitações do dia a dia da rádio, dos ouvintes, da região. De décadas de ligação à RA resultaram os mais diversificados momentos e episódios, reportagens ou entrevistas marcantes, o contacto com tanta gente que a rádio aproximou; ficaram muitas horas em antena ou nos bastidores da estação emissora, um trabalho nem sempre lembrado. Há vozes e rostos que estão indissociavelmente ligados a esta Rádio.
Antunes Ferreira é um desses rostos, hoje evocado nestas breves notas alusivas ao 74ºaniversário da RA; esteve no Sanatório Sousa Martins, como internado, tendo, dentro do espírito da terapia ocupacional praticada naquela unidade, sido convidado para trabalhar na emissora guardense.
Em entrevista que nos concedeu em agosto de 2000, Antunes Ferreira recordava a abertura de um concurso, aquando da passagem do décimo aniversário da RA, para a escolha de alguns elementos destinados a trabalhos de apresentação de programas. "Fiquei classificado em quarto lugar", dizia-nos Antunes Ferreira que, juntamente com mais quatro companheiros, passou a desenvolver a sua atividade na, então, modesta estação de rádio.
Na altura, o suporte humano da Rádio Altitude "era o amadorismo puro. Éramos todos amadores e nas horas disponíveis é que íamos para lá. Nós, os doentes, íamos após a fase do período das curas, que eram de repouso total. Alguns iam trabalhar na locução, outros nos arquivos de discos, outros nos registos." A partir de então desenvolveu "uma colaboração assídua, durante vários anos. Juntamente com outras pessoas, de fora, assim se mantinha o Altitude". Cerca de 1960, o então Diretor do Sanatório Sousa Martins – Dr. Martins de Queirós - que para Antunes Ferreira "era a alma e o coração do Altitude", entendeu e perspetivou a importância daquela rádio como meio de comunicação social.
"Nessa altura começou a haver uma colaboração mais regular de outros elementos. Estava para sair do Sanatório, uma vez que estava curado, e o Dr. Martins de Queirós convidou-me para ficar, como profissional, isto à volta de 1965". Foi também a partir desse ano que começou a haver alguns profissionais. "A minha função não era propriamente de animador de emissão, até porque eu gostava mais da técnica. Dediquei-me mais à técnica". Um trabalho que Antunes Ferreira privilegiou ao longo dos 35 anos que trabalhou na Rádio Altitude.
"O ambiente era muito diferente do atual. Todos nós trabalhávamos mais sobre o joelho, mas poderei dizer que aquilo era uma escola de rádio. Houve muita gente que ali aprendeu e dali saíram para outros emissores; recordo que houve elementos que foram para os emissores associados de Lisboa, outros para o Porto. A Rádio Altitude nos seus primeiros vinte e cinco, trinta anos, funcionou como uma escola de Rádio". Lembrava, com alguma nostalgia, Antunes Ferreira. Havia "muito amadorismo e sobretudo muita vontade e amor àquela casa", uma fórmula que, na sua opinião, foi importante para se consolidar a projeção da Rádio Altitude. "Aqui na região o que mais se ouvia era a RA, não só pelo interesse das notícias, mas também pela música popular que passava, do gosto do nosso povo".
Como nos referiu nessa entrevista, que fomos resgatar ao arquivo, todos os programas deixaram boas recordações a Antunes Ferreira, mas "aqueles espaços que mais vivia, como técnico, eram as transmissões diretas. Eram feitas transmissões diretas desportivas, religiosas, quer de acontecimentos políticos".
A veracidade das notícias, para o povo, dizia-nos Antunes Ferreira, "era confirmada pela RA. Se o Altitude dava qualquer notícia era porque isso tinha mesmo acontecido". Daí que, fez questão em sublinhar, toda a população da Guarda sentia o Altitude como uma coisa deles. Toda a gente achava que tinha um bocadinho na própria Rádio Altitude. Aquela casa era de todos". As despesas eram suportadas pela publicidade, pelos discos pedidos, pelos anúncios de bailes e festas. “Vivia-se com o que se tinha e nada mais”.
Aquando dessa, entrevista, iniciado que fora um novo ciclo na vida da rádio, Antunes Ferreira, questionado sobre o que pensava do futuro da emissora disse: "Houve sempre uma coisa que sempre pedi: era que fosse o Altitude a ver-me desaparecer a mim [faleceu em novembro de 2008] e eu não ver desaparecer o Rádio Altitude. É isso que continuo a pedir."
E certamente que será essa continuidade da Rádio, assumida como voz da região, plural, interventiva, moderna, criativa, próxima das realidades que os guardenses desejam; sem esquecerem o seu historial de emissora solidária, associada a tantos nomes, um dos quais aqui evocado. Antunes Ferreira foi, durante largos anos um dos principais rostos da estação, trabalhador incansável, amigo, intransigente defensor dos verdadeiros interesses da sua estação emissora, cuja solidez económica soube sempre salvaguardar, mesmo nos períodos mais difíceis.
A Rádio continua a ter futuro; este passa pela perceção dos novos desafios, pela qualidade de conteúdos, pela presença em várias plataformas, pela reinvenção quotidiana, pela diferenciação programática com uma matriz da região que não anula, de forma alguma, uma presença global.
Hélder Sequeira
Em 1973 Francisco Carvalho entrou para a Rádio Altitude (RA) e, desde então, tornou-se uma voz inconfundível da atividade radiofónica construída a partir da mais alta cidade de Portugal.
Juntamente com Luís Celínio, produziu a partir desse ano o programa “Escape Livre” o programa de com mais longevidade em Portugal. Francisco Carvalho entrou para os quadros da Rádio Altitude em 1978, “primeiro como animador de emissão e depois como jornalista”.
Saiu da RA 1990, “para integrar a equipa fundadora da Rádio F”, onde trabalhou quatro anos, após o que ocorreu o regresso à Rádio Altitude, onde esteve até há algumas semanas atrás.
Iniciado que está um novo ciclo na sua vida, não vai por de parte a sua voz, num tempo onde cabe também espaço para a escrita e memórias, como disse ao CORREIO DA GUARDA.
Sobre a cidade onde continua a residir, Francisco Carvalho considera que é preciso “menos invejas e mais gente empreendedora”, acrescentando que, na região, “houve uma evolução desorganizada. Tem faltado planeamento e visão de futuro. Diria que na grande maioria dos casos falta aos autarcas preparação adequada para o exercício dos cargos.”
Como e quando ocorreu a tua entrada para a rádio?
Como profissional aconteceu por mero acaso.
Tinha regressado de Lisboa, onde estudei no ISLA, e na altura dava aulas de geografia na Escola Secundária Afonso de Albuquerque quando fui convidado para fazer algumas horas de locução, como se dizia na altura.
Comecei, naturalmente, pelos discos pedidos que naquela altura preenchiam grande parte da programação.
Depois fui passando aos poucos para a informação e para os noticiários regionais.
Que nomes recordas dessa época?
Alguns dos que me convidaram e incentivaram na altura.
Antunes Ferreira, Emílio Aragonez, Luís Coutinho, Virgílio Ardérius, Luís Coito e José Domingos, entre outros.
Na Redação da Rádio Altitude, com Emílio Aragonez, início da década de oitenta
Nessa época o que havia de diferente na programação da(s) rádio(os)?
Era tudo muito diferente!
A informação era de certa forma “artesanal", feita sobretudo por colaboradores que iam à rádio algumas horas por dia fazer os noticiários e o resto da programação que era, em maioria, preenchida com discos pedidos.
Lembro que naquela época (década de 70) ainda não tinha acontecido o “boom" das rádios locais e não havia jornalistas profissionais no mercado – nem sequer possibilidade de os contratar porque o quadro da rádio só comportava três profissionais: o encarregado-geral, um locutor e um administrativo).
Hoje há mais gente profissional, mais rigor e o telefone foi substituído pelo computador.
Que música ou músicas estiveram/estão na tua preferência?
Pink Floyd, Genesis, Queen, Bruce Springsteen John Legend, Joe Cocker, Alicia Keyes, entre outros.
Por muitos motivos – e não apenas pela música – valeu a pena ter vivido intensamente os anos 80. Nunca mais haverá uma década assim (digo eu !!)
Continuas a ouvir mais música ou notícias?
Música de vez em quando. Notícias sempre.
Quando começou a tua ligação ao jornalismo?
Como já disse, fui incentivado por alguns colegas mais velhos que na altura faziam a informação regional.
Aos poucos fui deixando a música e comecei a escrever e a apresentar noticiários
Qual foi notícia sobre a cidade que mais prazer te deu em transmitires aos ouvintes? E a pior?
No primeiro caso talvez tenha sido o anúncio da presidência aberta de Mário Soares na Guarda – que tive oportunidade de entrevistar em Belém, juntamente com o António José Teixeira.
Achei que poderia ser uma grande oportunidade para a Guarda começar a aparecer no mapa com o mediatismo de uma visita presidencial de vários dias.
As piores notícias tiveram naturalmente a ver com a morte de pessoas.
Por dever de ofício acorri a vários acidentes no antigo IP5 e cada vez que lá fui raramente trouxe boas histórias para contar. Tantas mortes que podiam ter sido evitadas se tivessem construído logo a auto estrada!
O grande acidente ferroviário de Alcafache (Mangualde) que cobri também a nível nacional (RR), com a ajuda do Carlos Martins, foi outro acontecimento que me marcou bastante assim como, mais recentemente, os incêndios de 2017 que fizeram várias vítimas mortais no distrito.
Que diferenças notas ao nível do jornalismo em Portugal, confrontando o passado com o presente?
Agora é mais rigoroso e interventivo.
Há profissionais muito mais qualificados e as novas ferramentas tecnológicas que temos à disposição também ajudam muito.
Hoje o jornalista passa demasiado tempo na redação?
Talvez sim. Mas é preciso dizer que em relação por exemplo à investigação, com os meios disponíveis em redações geralmente pequenas, não há grande possibilidade de ter um ou dois jornalistas dedicados em exclusividade.
No resto acho que poderia haver mais sensibilidade para procurar histórias que interessem à generalidade das pessoas.
Mas lá está, se somos imprescindíveis na redação ou no estúdio não podemos estar noutras tarefas.
O Desporto foi uma das áreas da tua preferência? Porquê?
Pratiquei desporto no liceu e essa área sempre me interessou, mais do que a política por exemplo.
Primeiro foi o automobilismo por via do programa Escape Livre – chegámos a ir ao rally de Monte Carlo e às 24 horas de Le Mans – e depois comecei a interessar-me mais pelo futebol.
Tiveste, também, uma colaboração com a imprensa desportiva. Fala-nos desse período?
Foi na altura em que a saudosa Associação Cultural e Desportiva da Guarda era um dos postais da cidade e o clube mais importante do distrito, com participações regulares no então Campeonato Nacional da Segunda Divisão.
Para além dos trabalhos para a rádio comecei nessa altura uma colaboração com o jornal O Jogo, com comentários e reportagens sempre que a equipa jogava em casa.
Mais tarde, a convite do Fernando Paulouro, iniciei uma colaboração com o Jornal do Fundão na altura em que começaram a editar um suplemento semanal de desporto.
O meu trabalho era coordenar e editar o trabalho de uma série de correspondentes desportivos que faziam o resumo dos jogos do campeonato distrital de futebol.
Sem as tecnologias que temos hoje era um funcionário do jornal que ao domingo à noite vinha do Fundão recolher o material à Guarda!
A recolha dos resultados desportivos era muito diferente do que acontece na atualidade. Era um trabalho difícil?
Não era fácil. Quando os campos de futebol não tinham telefone (e geralmente não tinham…) era preciso encontrar uma pessoa de confiança que ligava para a redação a dar o resultado final do jogo, ou então tínhamos de ligar para o café mais próximo!
Que confronto fazes entre o panorama desportivo de algumas décadas atrás e o de hoje?
Apesar de todas as limitações antigamente julgo que era mais saudável. Hoje já não tenho paciência para ver grande parte dos programas televisivos sobre futebol.
Pouco se discute o jogo e o que interessa são as polémicas.
Já nem falo dos critérios jornalísticos e das regras deontológicas!
O que te levou a optares pela Guarda, em termos profissionais?
Não foi uma questão de opção foi uma questão de oportunidade.
Atualmente tomarias a mesma opção?
Se tivesse alternativa pensaria duas vezes.
O que pensas da evolução da Guarda, cidade e região, ao longo da tua vida de jornalista?
Houve uma evolução desorganizada. Tem faltado planeamento e visão de futuro.
Diria que na grande maioria dos casos falta aos autarcas preparação adequada para o exercício dos cargos.
Isto não vai lá só com os cartões partidários!
E também é evidente que os governos de Lisboa estão-se nas tintas para o resto do país.
O que falta na Guarda?
Menos invejas e mais gente empreendedora.
O problema é que somos cada vez menos!...
Achas que as pessoas conhecem ou valorizam a dimensão radiofónica que a Guarda teve, sobretudo antes do alargamento do espetro radioelétrico?
De uma vez por todas a cidade – e os decisores – tem de saber valorizar essa importância. Cada vez que passo pelos pavilhões em ruínas do antigo sanatório não deixo de pensar que bem ali ficaria o museu da saúde e da rádio.
A Guarda tem a rádio local mais antiga do país e uma história importante para contar concentrada no atual Parque da Saúde.
A história da rádio, na Guarda, está ainda por fazer?
Já foi feita em boa parte graças também ao autor deste blogue (Hélder Sequeira). Mas sim, ainda há gente pouco informada sobre a importância da rádio no passado e no presente da cidade e da região.
Afinal temos a rádio local mais antiga do país e isso tem de ser valorizado, até para não deixar cair no esquecimento os pioneiros da Rádio Altitude com Martins Queirós, à cabeça.
Tens projetos em mente para este novo ciclo da tua vida?
Continuar a aproveitar a voz que Deus me deu, escrever, viajar e começar a organizar o baú das memórias.
Na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, Guarda, está patente a partir de hoje, e até 27 de março, a exposição "Ladislau Patrício entre a Saúde e a Escrita".
Esta exposição está integrada no Projeto “A Terra da Escrita”, apresentando a vida e obra de Ladislau Patrício, médico e escritor.
Ladislau Patrício, nascido na Guarda a 7 de dezembro de 1883, foi um médico distinto, apreciado escritor, um acérrimo defensor da sua terra, das qualidades das suas gentes, das riquezas históricas e culturais desta cidade.
Após ter concluído os seus estudos na sua terra natal rumou a Coimbra, onde conviveu “fraternalmente com alunos das diversas Faculdades, alguns dos quais se distinguiram mais tarde, pela vida fora, no campo das ciências, das artes, das letras e da política”, nomeadamente António Sardinha, Alfredo Pimenta, Hipólito Raposo, Alfredo Monsaraz, Cândido Guerreiro, Ramada Curto, João de Barros, entre outros.
Antes de terminar os estudos conducentes à obtenção da licenciatura em Medicina (o que ocorreu em 30 de setembro de 1908) Ladislau Patrício já prestava cuidados médicos, como ele próprio revelou, tendo “praticado no Sanatório” em 1907, aquando da entrada em funcionamento desta conhecida unidade de tratamento da tuberculose.
Em 1909 foi opositor a um concurso para exercer as funções de médico municipal em Loulé, cargo para o qual foi nomeado em 2 de setembro desse ano.
Com a implantação da República, este clínico teve uma fugaz passagem pela vida política; em 1910 aparece como Vice-Presidente da Comissão Executiva do Centro Republicano da Guarda, presidida por seu cunhado, o poeta Augusto Gil. Em 1911 esteve à frente dos destinos do município guardense; foi breve a sua permanência como autarca.
Augusto Gil, juntamente com o matemático Mira Fernandes (também cunhado de Ladislau Patrício), tentou convencer o médico guardense a fixar-se em Lisboa, para aí desenvolver a sua atividade profissional; contudo nunca o conseguiu demover da ideia de permanecer na localidade que o viu nascer. “Eu tenho três terras no meu coração: a Guarda, minha amada terra natal, Coimbra onde me formei e a distante Parada, berço da minha mulher”, escreveu, mais tarde, num dos seus trabalhos.
O registo biográfico de Ladislau Patrício passa ainda pelo Liceu Nacional da Guarda, onde lecionou a partir de 1911, à semelhança de outras destacadas figuras dessa época.
Entre 1917 e 1919 dirigiu o Sanatório Militar de S. Fiel, em Louriçal do Campo (Castelo Branco), atividade da qual deixou interessantes indicações num relatório que publicou, em 1920, sob o título “A Assistência em Portugal aos feridos da guerra por tuberculose”.
Em 1922, a convite do médico Amândio Paul, passou a trabalhar (como subdiretor) no Sanatório Sousa Martins, dirigido nessa época por aquele clínico, a quem viria a suceder, em 1932; nessas funções permaneceu até 7 de Dezembro de 1953; recordemos que os sanatórios constituíram, aliás como aconteceu com os Dispensários, um dos elementos essenciais da luta contra a tuberculose
Na vida de Ladislau Patrício sobressai, de facto, um “autêntico sacerdócio pela Guarda e pelos doentes do Sanatório”, onde, como é sabido, se encontravam doentes de todas as condições sociais e económicas.
O seu labor clínico estendeu-se ao Hospital Francisco dos Prazeres, tendo presidindo à Liga de Amigos daquela unidade de saúde; trabalhou ainda na Delegação de Saúde da Guarda e no Lactário desta cidade, após a morte do Dr. António Proença
No ano de 1939, Ladislau Patrício foi eleito vogal da Ordem dos Médicos, estrutura profissional que teve como primeiro bastonário o Prof. Elísio de Moura, docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Na sequência de uma proposta do médico guardense foi criada, no âmbito da Ordem, a especialidade de Tisiologia, “com o acordo unânime dos membros do Conselho Geral”.
No Sanatório Sousa Martins sabemo-lo empenhado em apoiar, em finais da década de quarenta, a radiodifusão sonora no seio daquela unidade de tratamento da tuberculose.
O primeiro regulamento da Rádio Altitude (outubro de 1947) tem a chancela de Ladislau Patrício, que por diversas vezes utilizou os microfones desta rádio para contactar os seus concidadãos; na passagem do 750º aniversário da cidade, assinalou a efeméride naquela emissora, através de uma intervenção onde exaltava a Guarda, como terra da saúde e de progresso…
Um dos sonhos de Ladislau Patrício concretizou-se em 31 de Maio de 1953, através da inauguração do Pavilhão Novo do Sanatório Sousa Martins, um “edifício gigantesco com 250 metros de comprido e com 350 leitos destinados exclusivamente a doentes pobres”; meses depois completou 70 anos, “atingindo assim o limite de idade oficial como delegado de Saúde e diretor do Sanatório, onde prestou serviço durante 31 anos, 12 como médico assistente e 19 como diretor.
Em finais de fevereiro de 1955 Ladislau Patrício foi viver para Lisboa, onde foi escolhido para Presidente do Conselho Regional da Casa das Beiras, função que viria mais tarde abandonar, a seu pedido; faleceu na noite de Natal de 1967.
Ladislau Patrício é um dos nomes consagrados na galeria de médicos-escritores, tendo manifestado bem cedo a sua faceta de homem de cultura. No Sanatório Sousa Martins apoiou projetos com indiscutível alcance cultural e social; veja-se o caso do jornal “Bola de Neve” e da Rádio Altitude, que estiveram dependentes, inicialmente, da Caixa Recreativa daquela unidade hospitalar.
O “Bacilo de Kock e o Homem” é uma das suas obras, de cariz científico mais divulgadas, a qual se integra na Biblioteca Cosmos, dirigida por Bento de Jesus Caraça; não deixa de ser elucidativa a presença de Ladislau Patrício nesta colecção.
“Altitude: o espírito na Medicina” é um dos mais significativos trabalhos de Ladislau Patrício, reunindo impressões, “vivas reacções dum temperamento perante determinada série de factos”, onde o autor deixa vincado que o médico, para além das suas funções técnicas, “tem uma missão espiritual a cumprir. A sua atitude na vida, e sobretudo no tratamento dos doentes, deverá ser a do sábio que procura a verdade e a do artista que cultiva a ilusão”.
“A Doente do Quarto 23” foi outra das obras que alcançou grande notoriedade; esta peça chegou a ser representada em Goa. Ladislau Patrício escreveu ainda “Teatro Sem Actores” “Casa Maldita” e “O Mundo das Pequenas Coisas”.
O médico Ladislau Patrício dá o seu nome, desde 1893, a uma das artérias da zona urbana da Quinta do Pinheiro, na Guarda. A Câmara Municipal da Guarda deliberou a designação de uma das ruas desta zona da cidade em reunião do executivo realizada a 22 de fevereiro de 1983; o ato de atribuição do nome ocorreu a 15 de maio de 1983.
O nome deste clínico guardense está igualmente presente na toponímia lisboeta, atribuição feita em 27 de maio de 1987, por decisão do executivo da Câmara Municipal de Lisboa.
Honrar a memória de Ladislau Patrício é um inquestionável acto de justiça, pelo seu exemplo, pela sua dedicação aos doentes, pela postura intransigente na defesa da Guarda. (Hélder Sequeira)
De entre as figuras que se destacaram na Guarda, da primeira metade do século XX, sobressai o médico Ladislau Fernando Patrício, nascido, nesta cidade, a 7 de dezembro de 1883 (faleceu em Lisboa na noite de Natal de 1967).
Ladislau Patrício, depois de concluídos os estudos secundários na Guarda, frequentou o ensino superior em Coimbra, onde conviveu com alunos das diversas Faculdades, alguns dos quais se distinguiram mais tarde, “pela vida fora, no campo das ciências, das artes, das letras e da política: António Sardinha, Alfredo Pimenta, Hipólito Raposo, Veiga Simões, Alfredo Monsaraz, Vicente Arnoso, Carlos Amaro, Cândido Guerreiro, Ramada Curto, João de Barros e outros”.
Concluiu a formatura em Medicina a 30 de setembro de 1908. Depois de uma passagem por Loulé, no ano seguinte regressou à Guarda. Em 1910 desempenhou as funções de Vice-Presidente da Comissão Executiva do Centro Republicano da Guarda, presidida por seu cunhado, o poeta Augusto Gil. Em vários artigos publicados na imprensa, sobretudo no jornal Actualidade, Ladislau Patrício denotava o seu ideal republicano e alertava para algumas dificuldades ao nível da consolidação do novo regime.
Por altura da primeira guerra mundial, o médico guardense foi nomeado diretor de um sanatório para soldados tuberculosos, instalado no antigo colégio dos Jesuítas, em S. Fiel, nas proximidades de Louriçal do Campo, onde esteve entre 1917 e 1919. Regressando à sua terra natal e à atividade clínica, começou a trabalhar, três anos depois no Sanatório Sousa Martin, instituição de que foi diretor, a partir de 1932 e até 1953.
Neste Sanatório, para além da atividade como clínico e diretor, mostrou o seu empenhado em apoiar e desenvolver, em finais da década de quarenta, a radiodifusão sonora no seio daquela unidade de tratamento da tuberculose. As experiências radiofónicas que se desenharam a partir de 1946 foram ganhando nova forma, consistência, despertando interesse e apoios. A necessidade de comunicar, de partilhar o tempo e de o tornar menos cruel naquele ambiente da doença, era cada vez mais acentuada.
No ano seguinte, com data de 21 de outubro, foi estabelecido um regulamento para a estação emissora da Caixa Recreativa do Sanatório Sousa Martins, onde estavam contempladas regras precisas para as emissões radiofónicas.
É Ladislau Patrício que aprova, enquanto diretor do Sanatório, esse documento, que publicámos no livro “O Dever da Memória – uma Rádio no Sanatório da Montanha” (2003). A “estação emissora da Caixa Recreativa denomina-se Rádio Altitude e destina-se a proporcionar aos doentes do Sanatório certas distracções compatíveis com a disciplina do tratamento.” Definia esse documento, de grande significado para essa estação emissora que passou a funcionar “sob administração directa da Comissão Administrativa, que nomeará um dos seus membros para Director dos respectivos serviços.”
De acordo com o referido regulamento, fundamental para o desenvolvimento de emissões regulares (a inauguração oficial da Rádio Altitude ocorreu a 29 de julho de 1948), “os produtores, locutores e operadores serão pessoas em condições suficientes de saúde para exercerem as respectivas funções e os nomes serão apresentados à Direcção do Sanatório para aprovação”.
Numa grelha que, à época, tinha como principal programa o “Simpatia”, preenchido “com os discos pedidos pelos radiouvintes” era regulamentado que “não deve exceder metade da emissão total, enquanto for organizado diariamente. (…) As dedicatórias que acompanhem os pedidos devem ser escritas por forma a facilitar a locução e não poderão ir além de 50 palavras, tratando-se de prosa, ou de 16 versos, se os solicitantes adoptarem poesia. (…) As dedicatórias deverão ser correctas e de harmonia com o carácter de relações existentes entre pessoas decentes e serão apresentadas até às 14 horas (…)”.
O médico Ladislau Patrício, que se afirmou também como como ensaísta e escritor, está indissocialvelmente ligado à história da radiodifusão em Portugal e da Rádio Altitude em particular. Recordar este documento, setenta e dois anos depois, é lembrar um distinto guardense e o apoio que deu a um projeto radiofónico que continua a dar voz à Guarda e região…
(Hélder Sequeira)
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.