“É como um Santuário, a Guarda. Vêm aí acolher-se milhares de crentes da Religião da Esperança, pedindo o restabelecimento da saúde e da vida; a volta do seu sonho interrompido”. Escrevia José Augusto de Castro, no início do século passado, a propósito desta cidade e do seu Sanatório, que foi uma referência nacional.
A história, as sucessivas reivindicações de salvaguarda de um património ímpar têm merecido um impressionante alheamento ao longo de décadas; no passado ano foi dado a conhecer que os investimentos a realizar no Hospital Sousa Martins estavam centrados nas obras mais urgentes; na mesma altura a autarquia guardense mostrou a disponibilidade de colaboração com o objetivo de se conseguir-se a recuperação dos centenários pavilhões do Sanatório. Ao longo dos meses outras intenções, governamentais ou de responsáveis hospitalares, têm sido expressas, balizando promessas…
Os referidos pavilhões são símbolos de um período difícil em que se travou a luta contra a tuberculose. “Foram anos de luta pavorosa, /porém um dia o triunfo canta e reza”, anotou José Augusto de Castro num dos seus poemas.
Evocamos esta personalidade a propósito da passagem, amanhã (22 de janeiro) do 161º aniversário do seu nascimento.
Natural do concelho da Meda, concretamente da freguesia da Prova, José Augusto de Castro nasceu em1862; foi uma das principais figuras republicanas da Guarda
Durante a meninice aprendeu com o seu progenitor o ofício de alfaiate, profissão que lhe granjeou o sustento, a par do apoio à família, quando – com apenas 14 anos – foi para o Porto. Nessa cidade, fruto dos contactos que manteve, e do ambiente político que se vivia, foi crescendo a sua simpatia e interesse pela causa republicana.
Em 1886 José Augusto de Castro voltou para junto da família, que residia, então, na aldeia do Vale (Meda), mas ali ficou por pouco tempo; decidiu partir para o Brasil, onde estava estabelecido o seu irmão mais velho. Os seus primeiros trabalhos jornalísticos são escritos na Baía, cidade onde singrou no ramo comercial.
Atingido pela tuberculose veio para a Guarda. “A crueldade do Destino não impediu que me envolvesse a bondade de amigos de nobilíssimo coração, a começar pelo Dr. Lopo de Carvalho, o ilustre médico, especialista da tuberculose, que tomou a peito arrancar-me da garra dilaceradora doença temerosa”. Grato ficou também ao Dr. Amândio Paul, segundo diretor do Sanatório Sousa Martins.
Este foi um período que o marcou profundamente, dele tendo ficado numerosas referências na sua produção literária. Na Guarda fundou, em 1904, “O Combate”; este jornal (que dirigiu até 1931) consubstancia a sua personalidade, o ideal republicano, o espírito combativo e a expressividade da sua escrita.
Tendo desempenhado as funções de Secretário da Câmara Municipal da Guarda (a par de outras atividades nesta cidade), José Augusto de Castro, após deixar de dirigir aquela publicação periódica, foi viver mais tarde para Coimbra, onde morreu a 13 de maio de 1942. Os seus restos mortais foram transladados, em setembro do ano seguinte, para a Guarda, a cidade que ele sempre distinguiu. “Outras terras mais lindas há, de certo…/Porém nenhuma fica assim tão perto/ do puro azul do céu de Portugal”.
Anotando, assim, uma efeméride, concluiremos dizendo que mesmo em tempo de céu cinzento e de enormes preocupações não devemos perder a serenidade, capacidade reivindicativa e o sentido das nossas responsabilidades, consentâneas com a gratidão para quantos pensaram, executaram e fizeram da Guarda a cidade da saúde.
É importante a salvaguarda da memória dos profissionais de saúde que ali trabalharam, mas também é justo honrar e valorizar – pensando o futuro, melhores condições, a preservação e o aproveitamento adequado das estruturas físicas, a fixação de clínicos – os atuais.
Hoje, mais do que nunca, é fundamental a cooperação de todos, para ultrapassarmos os problemas do presente, prepararmos (sem demagogia) o futuro da Guarda, recuperarmos o “sonho interrompido”.
Hélder Sequeira