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No Café-Concerto do Teatro Municipal da Guarda está patente, desde o passado sábado, a exposição “100 gentes” composta por um conjunto de 19 fotografias que são mais um alerta para o cenário de muitos territórios.
O despovoamento do interior do nosso país é um drama. Realidade em relação à qual não tem havido estratégias adequadas, contínuas e consequentes de modo a evitar o contraste profundo com os territórios do litoral e grandes centros urbanos.
Os fenómenos resultantes do despovoamento conduzem a graves consequências para as populações (sobretudo para as mais envelhecidas) que continuam a viver afastadas dos centros com maiores índices demográficos. Diminui, progressivamente, a população ativa; acentua-se o decréscimo da natalidade e o número de jovens; desaparecem profissões e atividades ligadas à agricultura.
Nas últimas décadas, a tragédia dos incêndios (que este ano começaram mais cedo, como ainda se viu no dia de Páscoa) na nossa região tem tornado ainda mais percetível o silêncio sepulcral de muitos povoados, o abandono de terrenos outrora cuidadosamente cultivados e rentabilizados, onde havia o colorido dos ciclos agrícolas e a policromia provocada pelas estações do ano.
Defrontamo-nos, atualmente, com a completa obliteração de antigos espaços de vida e trabalho, com uma progressiva e preocupante degradação ambiental, diminuição da qualidade de vida, com o aumento de pessoas solitárias nos espaços rurais, com a saída de gente para outros lugares, com cenários de ausências definitivas…
E o que vemos por montes e vales do interior, pelos caminhos esquecidos? Desolação, habitações à venda, casas vazias, degradadas, portas encerradas ou esventradas pela destruição do tempo e pelo instinto de vandalismo de alguns forasteiros; muros derrubados, janelas quebradas, telhados caídos, interiores habitacionais transformados em montes de escombros…imagens cruéis de um presente transformado em tristeza e solidão.
“O nosso passado como que se amesquinha na indiferença do presente”, escrevia Miguel Torga. Contudo, há quem não fique indiferente.
Pedro Baltazar, com a sua atitude e experiência de fotojornalista (que já foi), confronta-nos com esta dura e fria realidade do despovoamento. Sebastião Salgado comentava que “fotografia são símbolos”; daí que, acrescentava, “ou você tem uma foto que conta uma história sem precisar de legenda, ou você não tem nada.” Com o seu saber fazer e através da sua sensibilidade, Pedro Baltazar lança-nos o repto de uma reflexão sobre este drama português. “O difícil em arte é criar-se emoção, sem se mostrar que está emocionado”, tal como escrevia Vergílio Ferreira.
Estamos perante arte e outrossim perante emoção. Alguém pode ficar indiferentes a estas imagens captadas por Pedro Baltazar? Achamos que não.
A nossa melhor resposta é recebermos e divulgarmos a mensagem que nos é transmitida, assumindo o nosso papel enquanto cidadãos ativos e protagonistas permanentes de uma intervenção cívica, sem tibiezas, em prol de uma luta pelo equilíbrio entre meios rurais e urbanos, num caminho orientado para a sustentabilidade dos nossos territórios.
Esta exposição materializa o desejo de Pedro Baltazar despertar uma maior atenção para a temática do despovoamento, sendo também um apelo a medidas e intervenções que alterem este lancinante panorama…
Numa entrevista que publicámos no passado ano, dizia-nos o autor desta exposição que “na área da fotografia temos que fazer cada vez mais exposições físicas, a fotografia tem de passar mais para o papel e não ficar apenas nos meios digitais”.
Acrescentava depois que “o público, em geral, ao ver mais fotografia em papel vai despertar mais para este tema, pois a fotografia em papel é muito mais apelativa.”
As excelentes fotos expostas – selecionadas entre as 100 que integram o projeto 100gentes, começado em 2019 e o qual se encontra em fase de conclusão – confirmam isso mesmo.
Na exposição, e como foi explicado no ato inaugural, a alternância entre as fotografias a cor e as fotos a preto e branco pretende sublinhar contrastes, despertar consciências e fazer convergir mais olhares atentos.
Olhares que devem representar – e como escreve Valentín Cabero Diéguez (Prémio Eduardo Lourenço) a propósito de uma outra interessante exposição de Victorino García Calderón, no Museu da Guarda – uma interrogação “sobre a nossa atitude perante os desastres do abandono e do despovoamento, perante a perda dos vínculos de solidariedade, e perante o esquecimento mais ingrato de modos de vida familiar e coletiva”.
Sem gentes não haverá futuro para o interior. Ficarão as fotos para memória…
Helder Sequeira
in O Interior, 19_04_2023
Pedro Baltazar, natural de Celorico da Beira, tem em desenvolvimento um projeto de fotografia sobre o abandono do interior norte e centro de Portugal. Desde criança que tem o gosto pela fotografia que mais tarde o levou a trabalhar como fotojornalista em “A Bola” (entre 1997 e 2002) a desenvolver colaboração com a Agência LUSA, jornal O Jogo e Jornal do Fundão.
Nos últimos 20 anos tem exercido Optometria em vários consultórios na zona norte e centro, mas isso não o impede de se continuar a dedicar à fotografia, a impulsionar atividades em prol da sua divulgaçao. É também um dos fundadores e dinamizadores do Fotoclube da Guarda.
Quando surgiu o interesse pela fotografia?
O interesse pela fotografia surgiu muito cedo, ainda criança com uns 6 anos de idade, lembro-me de ter tirado a minha primeira fotografia com uma câmara fotográfica Canon AV-1 de um primo de Aveiro, que pontualmente passava pelas beiras para visitar a família, ele era um amante da fotografia.
Foi ele que me ensinou os primeiros passos nesta arte, os comandos da máquina, a objetiva e o seu anel de aberturas, o visor da máquina que indicava a velocidade de obturação com um ponteiro e claro a focagem manual num despolido bipartido, tudo isto era fascinante para uma criança de 6 anos, que apenas conhecia a máquina lá de casa a qual só tinha um único botão o de disparar.
A partir desse dia o meu objetivo era ter uma máquina igual à do primo e ser fotógrafo. Obrigado, primo Manecas.
Mais tarde já no ensino secundário comecei a frequentar cursos de fotografia e revelação através do instituto da juventude.
Já na Universidade fui fundador do núcleo de fotografia da associação académica da Universidade da Beira Interior, onde fui formador na área de Iniciação à fotografia e revelação.
Enquanto estudante universitário fui Fotojornalista do Jornal A Bola por 5 anos. E o interesse pela fotografia ainda hoje continua a aumentar.
Que géneros de fotos prefere?
As fotos que prefiro são fotos da vida urbana em grandes cidades e paisagens.
Fotografia de rua, paisagem, retrato…?
Fotografia de rua e paisagem, na fotografia de rua sempre com a figura humana presente.
Fotografia a cores ou a preto e branco?
Eu sou um adepto do preto e branco, justificado talvez por ter sido eu a revelar e ampliar as minhas fotografias a preto e branco durante vários anos.
Preocupa-se com o trabalho de edição das fotografias?
Não gosto de gastar muito tempo com edição, tento no momento do disparo que tudo fique o mais próximo possível do resultado final que pretendo, mas claro que a edição é fundamental, tal como a revelação e ampliação era no passado.
É um trabalho moroso?
Sim, a edição é um trabalho moroso quando se tiram muitas fotografias; eu sou comedido no número de disparos que faço, fui habituado a poupar os rolos dos filmes que eram caros e quando passei para o digital continuei a disparar apenas e só, quando todas as condições estão reunidas.
A zona da Guarda é a preferida para os seus trabalhos?
Sim gosto muito de fotografar na zona da Guarda e no Minho, Braga uma das cidades que, a par com a Guarda, adoro fotografar.
Que outras zonas em especial?
As zonas que mais me despertam para fotografar são os centros destas cidades e as zonas mais movimentadas, quanto a paisagens o Douro está em primeiro lugar na minha lista de preferências.
O que gosta mais de fotografar na Guarda?
Na Guarda, sem dúvida a Sé, pois cada vez que olho para ela descubro sempre mais um detalhe novo que me tinha escapado.
Como têm reagido as pessoas à suas fotos?
São simpáticas, tentam fazer um critica positiva, embora, constantemente seja questionado, “por que não a cores esta fotografia?”
O digital incrementou, junto das pessoas em geral, o gosto pela fotografia?
Não, as pessoas em geral sempre gostaram de fotografia, o digital só permitiu a todas as pessoas aceder à fotografia de forma simples e económica.
Fazer fotografia implica uma permanente atualização dos equipamentos?
Não, essa é a ideia que as marcas que vendem os equipamentos nos pretendem incutir, mas é completamente errada, qualquer máquina pode fazer uma boa fotografia, é mais importante estar no lugar certo à hora certa, levantar cedo para aproveitar a melhor luz.
Eu costumo dizer que a melhor máquina fotográfica é aquela que temos mais à mão.
Os preços dos equipamentos são hoje mais acessíveis?
Sem dúvida, hoje conseguimos aceder a um bom equipamento fotográfico para obter o mesmo resultado que há 25 anos atrás por 1/10 do preço.
Embora nos últimos anos estejamos a assistir a um incremento dos preços no material fotográfico devido ao vídeo, pois as câmaras digitais dos dias de hoje todas filmam; esse modos dedicados ao vídeo fazem com que câmaras e lentes sejam cada vez mais caras e que ao fotógrafo nada abonam, apenas o obrigam a pagar mais caro por algo que não vai utilizar.
Para além das iniciativas que tem havido, na área de fotografia, o que podia ser ainda feito para aproximar o público em geral dos trabalhos fotográficos aqui produzidos?
Na área da fotografia temos que fazer cada vez mais exposições físicas, a fotografia tem de passar mais para o papel e não ficar apenas nos meios digitais, penso que o público em geral ao ver mais fotografia em papel vai despertar mais para este tema, pois a fotografia em papel é muito mais apelativa.
Tem algum episódio curioso, ou que lhe tenha deixado boas recordações, no decorrer da sua atividade fotográfica?
As boas recordações no decorrer da atividade fotográfica são uma constante, pois quando se faz o que se gosta as coisas boas acontecem.
Quanto a episódio curioso, aconteceu há uns 6 anos numa ilha das Canárias quando fotografava uma colónia de esquilos que vive junto ao mar.
Estava entretido a fotografar os esquilos que brincavam junto ao mar, estando eu munido de uma teleobjetiva 400mm que a distancia mínima de focagem era superior a 2 metros, olho para o lado e vejo um esquilo a 50cms com uma expressão de espanto a olhar para mim, e eu sem poder fotografar pois a teleobjetiva não focava a menos de 2 metros; tirei discretamente o telemóvel do bolso e fiz a melhor fotografia dessa viagem. Como já disse anteriormente, a melhor máquina fotográfica é aquela que temos mais à mão.
E episódio menos agradável?
Menos agradável foi sem dúvida enquanto fotojornalista do Jornal A Bola, o dia em que fui posto fora do estádio de futebol pelo José Mourinho, esse episódio nem vale a pena recordar, é para esquecer…
Que projetos tem no campo da fotografia?
Tenho em curso um projeto de fotografia sobre o abandono do interior norte e centro de Portugal, que venho a desenvolver nos últimos anos; tenho fotografado os sinais de desertificação do nosso interior de Trás-os-Montes até às nossas Beiras, projeto esse que nunca saiu da gaveta, mas talvez para o final do ano dê origem a uma exposição.
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