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Os desafios que se colocam atualmente à comunicação social, mormente às estações de rádio, são imensos. Desde logo os resultantes da drástica redução das receitas e da insuficiência financeira.
Quando centramos a nossa atenção no interior do país a realidade é ainda mais preocupante e os cenários que se desenham para o futuro não são animadores.
Uma certa euforia em torno das plataformas digitais, as crises económicas, o desinvestimento publicitário por parte das empresas bem como do pequeno e médio comércio, a necessidade de reapetrechamento técnico, a redução do número de profissionais e a aplicação de estratégias editoriais erradas conduziram a uma situação dramática.
Como tem sido sublinhado, a escassez de recursos financeiros vai agravando, progressivamente, a vida dos órgãos de informação. Aliás é significativo o número de estações emissoras que desapareceram ou foram absorvidas por grandes grupos, convertendo-as em simples retransmissores. Veja-se os mais recentes casos da Rádio Clube de Monsanto ou da Emissora das Beiras (que a 13 de maio tinha assinalado o seu 85º aniversário e foi vendida à sociedade detentora da Rádio Observador).
O desaparecimento destas "marcas" não deixa de ser trágico, contrariando o espírito que esteve subjacente à legalização das rádios locais e à preocupação em servirem as suas comunidades; incrementando a informação, o debate, a valorização do seu património e costumes, a salvaguarda do pluralismo, a defesa da democracia, o exercício responsável do jornalismo.
Como disse António Borga, Presidente da Casa da Imprensa, no V Congresso dos Jornalistas, “o jornalismo não é um negócio. O jornalismo é uma atividade de utilidade social e interesse público”.
Na mesma linha, e na mensagem dirigida na altura aos jornalistas portugueses, esteve a Vice-Presidente da Comissão Europeia ao considerar que a “informação é um bem público, cabendo às democracias proteger os jornalistas”. Por outro lado, defendeu que é necessário “encontrar soluções a nível europeu e internacional” para a crise do jornalismo, acrescentando a necessidade de serem e incentivar investimentos públicos, que “respeitem a independência e o pluralismo” da atividade.
A própria classe jornalística não rejeita a autocrítica e a análise serena da questão dos financiamentos. O que pode passar, como tem sido defendido, por um papel mais interventivo do estado no sentido da salvaguarda do jornalismo, de um jornalismo pautado pela seriedade, ética, deontologia e qualidade. E a qualidade dos conteúdos informativos aliada à independência e isenção é fundamental para a reaproximação dos públicos que, é importante anotar, não podem ter uma atitude de indiferença perante os media.
O apoio passa, desde logo, por se assumirem com leitores e ouvintes regulares, ativos e críticos, sem se acomodarem na passividade do dia a dia ou se uniformizarem no domínio do anonimato.
Será com o empenho e contributo de todos – jornalistas, instituições, estado, cidadãos, empresas – que o cenário hoje existente poderá ser alterado. Acentuando também a informação de proximidade, uma mais ampla cobertura do que mais diz e interessa às comunidades locais e regionais. E isto não pode nem deve ser esquecido!
Hélder Sequeira
“A feminização do jornalismo regional em contexto português: o caso dos jornais centenários” é o título da tese de doutoramento que a jornalista Liliana Carona defendeu recentemente na universidade de Coimbra. A investigação contemplou a análise documental dos 40 jornais regionais centenários (localizados maioritariamente no norte do país) a aplicação de um inquérito a profissionais da imprensa regional, e a realização de entrevistas em profundidade.
Este trabalho permitiu concluir que a composição destes jornais reflete “uma evidente desigualdade de género, nomeadamente no que diz respeito ao número de mulheres a desempenhar cargos de chefia”.
Como foi sublinhado, “apenas 6 jornais têm diretoras mulheres (15%); 40% dos jornais são editados unicamente em papel, ou seja, a maioria tem presença no digital, mas com evidentes dificuldades de modernização tecnológica. Plataformas obsoletas ou não atualizadas”. De referir que 40% destes jornais são semanários e 11 (27,5%) são associados da AIC - Associação de Imprensa de Inspiração Cristã.
No que diz respeito aos resultados do Inquérito feito a profissionais da imprensa regional, “olhando ao total de respostas do inquérito realizado a profissionais da imprensa regional, concluímos que cerca de metade da amostra (44,3%) em análise, é a favor da inclusão de uma alínea/diretriz, dedicada exclusivamente à igualdade de género, no Código Deontológico dos jornalistas”, adiantou Liliana Carona.
Relativamente aos profissionais da imprensa regional, verifica-se uma população maioritariamente feminina (58,8%), com predomínio dos que possuem 41-50 anos (36,1%), havendo mais mulheres com grau de escolaridade de ensino superior (licenciatura, mestrado, doutoramento): 48,3% homens com licenciatura, 66,1% mulheres.
A autora desta tese de doutoramento destaca ainda que “em comparação com as mulheres, um maior número de homens afirma refletir sobre igualdade de género no jornalismo, sendo que do total de respostas, 7% admite nunca ter pensado no tema. 6,7% de homens garantem pensar ‘sempre’ sobre o tema, por oposto a 6,3% de mulheres a indicarem a mesma resposta”.
Os homens ‘concordam totalmente’ (8%) que jornalistas mulheres, em geral, têm mais aptidão para escrever assuntos relacionados com mulheres. As mulheres ‘concordam totalmente’ nessa afirmação, numa percentagem inferior (7%); já 28% dos homens desempenham o cargo de direção editorial, número superior às profissionais do género feminino na função de diretora da publicação (16% de mulheres).
A propósito desta investigação, Liliana Carona acrescentou que as mulheres consideram ter sido mais vezes alvo de discriminação de género, constatando-se uma média mais elevada para as mulheres. Nenhum homem referiu ter sido ‘muitas vezes’ alvo de discriminação por causa do género. 5% das mulheres indica ter sido alvo de discriminação ‘muitas vezes’. De salientar, e de acordo com o estudo em referência, que as mulheres são mais afetadas pela precariedade no jornalismo (24,2% das mulheres afirma ter contrato temporário de trabalho, face a 7% de homens).
Nesta tese é recomendada a definição, no âmbito da Carteira Profissional de Jornalista, do título de jornalista de imprensa regional, apresentando-se também a necessidade de inclusão de alínea específica e exclusiva, no Código Deontológico dos Jornalistas, dedicada à igualdade de género, no que diz respeito às fontes ouvidas.
Nas sugestões apresentadas pela jornalista autora deste trabalho académico, está ainda acentuada a necessidade urgente de “debater e analisar o tratamento desigual nas redações da imprensa regional, que é ocultado e negado”, bem como a importância da aposta na formação e redefinição e clarificação das normas de acesso à profissão.
A implementação de planos para a igualdade de género adaptados ao contexto dos media e jornalismo e o investimento na digitalização dos arquivos dos jornais centenários são outras medidas defendidas.
Liliana Carona, integra o grupo R/COM (Renascença) há 13 anos, enquanto jornalista correspondente na região interior centro, sendo também diretora do jornal Notícias de Gouveia (desde 2015); exerce ainda funções docentes Escola Superior de Educação de Viseu e na Escola Superior de Educação, Comunicação e Desporto da Guarda.
HS/CGuarda
O jornalista José Domingos faleceu esta madrugada (30 de agosto 2023). A sua atividade na comunicação social começou na Rádio Altitude, prosseguindo mais tarde na ANOP e na LUSA, a par de outros trabalhos na área da cultura e da investigação.
Recordamos, a propósito, a entrevista que José Domingos deu ao CORREIO DA GUARDA, em 8 de fevereiro do passado ano.
Com uma vida dedicada à comunicação social, José Domingos afirma ao CORREIO DA GUARDA que “o jornalista no interior teve e tem, aqui, um papel importante. Ele é o elemento-chave para mostrar e motivar a vitalidade deste interior, lutando contra desvantagens acrescidas”.
Natural da Guarda, onde nasceu em 1957, José Domingos fez o seu percurso académico na Guarda em Coimbra. Para o nosso entrevistado, “o jornalista deve ter um mínimo de cultura e saber onde está, saber escrever e bem falar português”, acreditando ainda em “jornalismo de qualidade em Portugal. Um país onde continua, de forma apaixonada, a estudar e a divulgar a presença da cultura judaica.
Como aconteceu a tua ligação à rádio?
Tudo aconteceu ainda jovem, muito jovem. Era amigo - e sou- pessoal do Emílio Aragonez e do Dr. Joaquim Lopes Craveiro. Frequentava amiúde a ótica Aragonez, onde trabalhava também um antigo colaborador da Rádio Altitude (RA), o Pedro Claro, pessoa bem-humorada e antigo doente do Sanatório.
Certo dia, o Emílio Aragonez e o Dr. Lopes Craveiro, que ali se encontravam frequentemente em amena cavaqueira, acharam por bem sugerir que experimentasse qualquer coisa na RA porque, diziam, "o rapaz até tem uma voz jeitosa".
Andava eu no 7° ano do Liceu. Comecei a ir até à RA; era administrador o Sr. Carvalhinho e o saudoso Alberto Antunes Ferreira o encarregado geral. O diretor era o Dr. Martins Queirós, homem de alta estatura, conhecedor da técnica de "fazer uma rádio" de que foi obreiro o seu emissor Onda Média. Os técnicos eram o Clavier Bernardo Alves e o António Santos.
Comecei por preencher os boletins fase Felicitações com o Luís Matias de Almeida e o Elias Xastre. Por vezes aparecia o António Cardoso. Depois aprendi a mexer nas máquinas, montar equipamentos, fazer gravações, acompanhar as reportagens dentro e fora do estúdio com o António Pinheiro, o Aragonez, por vezes o desporto com o Vítor Santos, o Rebelo de Oliveira e Luís Coutinho.
E chegou a altura de, numa tarde de junho, começar a falar ao microfone em estúdio, em direto. Recordo que nesse dia e me enganei a dizer as horas e o primeiro disco que passei foi "Yo y la Rosa" de Hector Cabreira. Fazia-se publicidade ao Omega 300 oferecido pelo Emílio Aragonez.
Quais os trabalhos iniciais da rádio? Os discos pedidos foram uma presença obrigatória?
Como disse, os primeiros trabalhos foram mais de secretariado, preenchendo boletins para o programa das Felicitações. Depois foi mais a aprendizagem.
Comecei a fazer as Felicitações que eram imagem da Rádio, programa que ligava a RA as pessoas e entre elas mesmo. Era, diga-se, um espelho de uma rádio do povo para o povo, elemento de aproximação, mas também de divulgação das vilas, aldeias e lugarejos e, claro, da música onde se destacava a portuguesa.
Havia também outro programa as 17 horas que começou por ser o "Marque 232 e peça um disco" com publicidade à Toyota. O 232 era o antigo número telefónico da RA.
A esta distância como vês a importância e as características dos "discos pedidos"? Como era a audiência?
Entendo que, embora preenchendo uma grande parte da programação da tarde, eram elos íntimos entre as pessoas com a rádio, onde o povo participava na sua rádio através dos discos pedidos, fazia, se assim se pode dizer, o seu programa.
E curioso, era um programa transversal na audiência e uma marca. Os "Discos Pedidos " agarravam as pessoas a rádio até, diga-se, pela vaidade íntima dos ouvintes em escutarem seu nome ou da sua terrinha
Quais os colegas com que trabalhavas na altura? E como era o ambiente vivido na rádio?
Era um ambiente familiar. Por tudo, faziam-se convívios, festas, lanches. Lembro os lanches com os bolos da Ti Ritinha, os "Enfarta brutos", as conservas, quando alguém fazia aniversário, os magustos, as sardinhas assadas junto à garagem, os passeios ou excursões, os ralis automóveis onde o Sucena e o Celínio eram os organizadores, com o João Oliveira Lopes.
Trabalhei naquela época com vários colegas, muitos deles que já partiram: Alberto Antunes Ferreira, António Santos, Clavier Bernardo Alves, Elias Xastre, Vitorino Coelho, Luís Matias de Almeida, Joaquim Fonseca, António Pinheiro, Luis Celínio, Manuel Vaz Júnior (a quem chamávamos amigavelmente de "pena parda"), Luis Coito, Luis Coutinho, António Arede, Abílio Curto, Emílio Aragonês, Lopes Craveiro; mas também com o Carlos Martins, Helder Sequeira, Manuel Madeira Grilo (Língua e Linguagem e de que eu era colaborador também), João Gomes (Reflexões Políticas), António José Amaro, Aguinaldo Nave, Joana Paula, Margarida Andrade.
Como correspondentes o Manta Luís (Gouveia), Amílcar Chéu e António Lourenço (Foz Côa), Carlos Fidalgo (Trancoso).
Uma pessoa que devo recordar: Manuel Pires Daniel, pessoa calma, culta e sensata, poeta e escritor, natural de Meda, mas residente em Foz Côa.
Que episódios te deixariam melhores recordações? E piores?
0 falecimento de António Pinheiro e Manuel Vaz Júnior foram momentos dolorosos dada a amizade que nutríamos reciprocamente. Não recordo momentos que me tenham deixado más recordações.
Momentos bons foram muitos. Sobretudo daquele programa que eu tanto amava de que fui um pouco de tudo desde produtor, realizador, locutor, animador, etc.: o clube GIROFLÉ dedicado às crianças, onde criei bases e mobilizei pessoas para a fundação da CERCIG.
Era necessário arranjar dinheiro para o então Centro Educacional e Recuperador de Crianças Inadaptadas da Guarda. Organizei então vários espetáculos com o apoio da Casa Cogumelo (de Eduardo e Filomena Espírito Santo e Armando Gil) e do Cine Teatro da Guarda dirigido por Abílio Curto.
Aqui vieram vários artistas de que destaco José Barata Moura, Paco Bandeira, Frei Vicente da Câmara, Vicente do Nascimento, Odette de Saint Maurice (poetisa e escritora), Orlando Dantés (palhaço), Serip (ilusionista) e outros. Com a Casa Cogumelo organizei Festas de Natal no Cine-Teatro da Guarda e no Auditório do Ex-sanatório Sousa Martins. O Pai Natal chegou a vir de Helicóptero e quem era? O Sr. Humberto, da Câmara Municipal.
Todas as crianças tinham seus brinquedos e lembranças, o seu lanche convívio e iogurtes com apoio de empresas da Guarda e outras nacionais como a Yoplait e Regina.
Além disso promovi peditórios e campanhas, sobretudo no Natal, para angariação de géneros alimentícios, roupas, brinquedos para ajuda aos mais necessitados.
Os "sócios" do GIROFLÉ tinham um cartão identificativo que lhes dava descontos em casas comerciais que aderiram e publicitavam seus produtos, mas o exclusivo era a Casa Cogumelo.
Foram os melhores tempos de alegria que tive na Rádio. Quando, por motivos profissionais, deixei a Altitude, o GIROFLÉ...acabou.
Outro momento marcante que vivi na RA foi o espetáculo único, singular que em 1975, se realizou na Guarda com a participação de Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Francisco Fanhais e Fausto.
Outro programa de que guardo boas recordações era o "Rádio e Informação" realizado por mim na Guarda e o António Arede. Tinha música, informação, recreação, novidades. Mas na generalidade foram bons momentos de rádio, camaradagem e convívio.
O Giroflé foi um programa para crianças, emblemático. Como surgiu e que impacto teve?
Como atrás disse, o GIROFLÉ foi um pouco de mim. A este programa me dediquei de alma e coração.
Se bem que havia uma lacuna na programação dirigida a crianças, o GIROFLÉ começou na sequência de uma ação de angariação de géneros para os mais necessitados que organizei creio que no programa da tarde. Surgiu então a ideia do programa a que inicialmente aderiram Abílio Curto e Margarida Andrade.
Acabei por ficar sozinho. Mas consegui colocar as crianças a apresentar o seu programa em direto. Era lindo vê-los chegar até às Rádio antes das 18 horas de sexta-feira, a hora do programa. Uma "passarada" como dizia o meu saudoso amigo e ex-professor Manuel Madeira Grilo.
Hoje essas crianças cresceram, já são pais e alguns mesmo avós e é reconfortante abordarem-me por vezes e recordarem o GIROFLÉ.
Mas a grande realização foi a CERCIG. Quero aqui sublinhar a sempre pronta ajuda e colaboração dos também fundadores daquela organização de que destaco Alcino Bispo, D. Lisdália, António Melo, Júlio Antunes e ainda do Centro de Assistência Social da Guarda e das irmãs da instituição e educadoras de infância, sobretudo Olívia Rodrigues, Teresa Cardoso, Cristina Correia, a Lurdes e outras.
Que achas do trabalho do jornalista em terras do interior do país? Há mais dificuldades ou desafios diferentes?
O jornalismo tem grandes tradições no interior desde já muito. Panfletos, boletins, magazines, jornais e até rádio como é o caso da Altitude da Guarda surgiram como emanações da sociedade, uns com matriz religiosa, outros política, outros social.
Claro que não há Comunicação Social sem jornalistas e estes mesmo com raízes no interior projetaram-se a nível nacional e internacional, mas beberam aqui a sua essência.
Jornais como A Guarda, Amigo da Verdade, Jornal do Fundão, Notícias da Covilhã, são órgãos que desde tempos recuados se afirmaram como referência na sua dimensão.
O jornalista no interior teve e tem, aqui, um papel importante. Ele é o elemento-chave para mostrar e motivar a vitalidade deste interior, lutando contra desvantagens acrescidas, desde os meios de trabalho, a economia e suporte, as comunicações sobretudo com órgãos da administração central que, no caso das suas representações regionais, só com autorização da tutela podem pronunciar-se.
Para ultrapassar as dificuldades, o jornalista no interior tem de ser atento, perspicaz, ser bom auditor e simultaneamente provocador, criar uma rede de fontes fidedignas e posicionar-se na neutralidade, quero dizer, isento.
A pressão social quer política quer económica, sempre teve tendência para limitar a função do jornalista e no interior ainda mais por se tratar de um território com menos gente e como consequência um conhecimento mais próximo com os agentes dos diversos sectores e daí a tal pressão onde muitas vezes ocorre o "se não és por mim és contra mim".
Se bem que este facto ainda exista, o jornalista tem hoje outros meios ao dispor pois que a técnica evoluiu em todos os sectores – jornais, rádio, TV , bloggers, redes sociais – , criaram-se gabinetes de imprensa ou imagem muitos deles com jornalistas ou equiparados.
Alguns anos depois de teres entrado para a Rádio Altitude ocorreu a tua ligação a agência de notícias ANOP. O que representou para ti esse novo trabalho, e como surgiu?
Entrei para a ANOP- Agência Noticiosa Portuguesa em 1977 e no quadro em 1 de julho de 1978.
Para mim foi uma mudança radical em termos profissionais e adoção de regras.
A ANOP ia abrir uma delegação na Guarda, dirigida pelo malogrado vê amigo Armando de Sousa Fontes. Um dia à tarde estava eu a fazer a emissão na RA apareceu nos estúdios o Fontes a perguntar por mim. Eu não o conhecia pessoalmente então a não ser por referências no jornal O Século e Diário Popular.
Fez-me então a proposta de ir para a ANOP por indicação de João Tito de Morais, presidente vida Agência Noticiosa que eu conhecia via o pai, Tito de Morais que foi Presidente da Assembleia da República e este através do também ex-Presidente do Parlamento, Teófilo Carvalho dos Santos, natural de Almeida.
Deixei então a Rádio Altitude mantendo ainda o GIROFLÉ até a minha integração no quadro da ANOP.
A Agência tinha regras de redação estritas, era o único órgão de comunicação social que tinha Livro de Estilo. Estive em Lisboa, Coimbra (onde trabalhei com Marinho Pinto e Fausto Correia), depois Porto e depois regressei à Guarda.
Entretanto o Armando Fontes regressou à sede por razões de saúde e fiquei sozinho na Delegação da Rua Pedro Álvares Cabral. Tinha a meu cargo a zona da Beira Interior e parte do distrito de Viseu. Criei uma rede de correspondentes.
Foi, entretanto, designado delegado o Mimoso de Freitas e eu voltei a Lisboa e daqui fui a Israel, Timor, Madrid e Brasil. Foi uma ausência prolongada da Guarda. Voltei a Lisboa e vim substituir o Mimoso de Freitas, que, entretanto, se reformara.
Mas mesmo neste período ainda estive noutros locais deixando temporariamente os correspondentes ligados a Coimbra ou Lisboa. Foi uma caminhada grande.
Que balanço fazes do trabalho na ANOP e mais tarde Lusa?
Confesso que, como diz o povo, "ia a todas" em busca da notícia, visitando autarcas, serviços públicos e privados, associações empresariais, instituições sociais e religiosas, etc.
A ANOP e a LUSA conseguiriam ser referência e com imagem em toda a região
Olhando para trás, foi um trabalho positivo, com altos e baixos naturalmente, nunca tive desmentidos, ouvi sempre as partes em caso de conflito, participei em várias iniciativas (integrei a Comissão Organizadora das primeiras Jornadas da Beira Interior, por exemplo), não utilizava as fontes e depois as deixava sem criar laços de amizade, ou seja, construí amizades, fui interventivo na área social e cultural, sobretudo nos Bombeiros.
Qual o acontecimento, notícia, que mais te marcou enquanto jornalista da agência?
Foram vários os acontecimentos. O que mais me marcou foi o acidente Ferroviário de Alcafache onde fui jornalista, bombeiro, socorrista...tudo, perante um espetáculo dantesco, de morte.
Outro foi o julgamento do caso de alegada violação na Guarda, com a destruição e violência que gerou e onde levei com uma bala de raspão à porta do Hotel Turismo onde fui socorrido pelo Dr. Raul Gil Saraiva; também o julgamento do caso Raia Seca não tanto pelos factos, mas pelos nomes dos arguidos e suas alcunhas que faziam rir.
Curioso trabalho que fiz foi nos Foios, Sabugal, onde a população se revoltou contra o pároco, este levou (há quem diga que comeu) as hóstias e o sacrário ficou vazio; o pároco deixou os Foios e as missas eram celebradas pelo povo, por um dos seus membros com mais respeito. Faleceu na ocasião um familiar de um padre e o funeral foi civil. O assunto só foi resolvido com a visita do Bispo da Guarda, D. António dos Santos.
Como vês hoje o jornalismo em Portugal?
O jornalismo em Portugal evoluiu bem todos os sectores e novas formas de jornalismo surgiram assim como vás fontes, algumas perigosas por não credíveis principalmente nas redes sociais.
Eu comecei por uma máquina de escrever e uma folha, o "linguado" como lhe chamávamos, também com regras de linhas e batidas, depois o corfac, o telex e mais tarde os computadores. Não havia telemóveis, os gravadores eram grandes, hoje são por vezes minúsculos.
A revolução informática e novas tecnologias de informação conferiram novas realidades em que, no caso da imprensa escrita, migrou para o digital em detrimento do suporte papel.
O aparecimento de vários canais TV e estações de rádio dão ao espectador uma variada possibilidade de escolha.
O jornalismo tem de adaptar-se às novas realidades. O mercado de emprego é restrito na área da Comunicação Social e as escolas continuam a formar potenciais jornalistas. E porquê? A crise económica tem impacto nos órgãos de comunicação social e muitos, sobretudo no Interior, lutam com enormes dificuldades de sobrevivência.
Por outro lado, acho que o jornalista deve ter um mínimo de cultura e saber onde está, saber escrever e bem falar português para não se ouvirem calinadas como as que vemos e ouvimos por vezes.
Essa cultura pode ser nas áreas social, económica, geográfica, política, jurídica etc. Isto ajuda ao jornalista identificar-se com o meio em que se insere. Contudo acredito no jornalismo de qualidade em Portugal
Em simultâneo com a atividade jornalística teve lugar a atenção para com as questões judaicas, mormente para as marcas dos judeus neste território do interior. Fala-nos desta atividade.
É antiga a minha ligação a assuntos judaicos. A minha família vem de raiz judaica. Ainda no Liceu, embora pouco se falasse de Judeus a não ser sobre Inquisição e não muito e praticamente nada sobre o Holocausto, eu comecei a investigar. Era "cliente" habitual da Biblioteca Municipal ou da Biblioteca do Liceu e mesmo da Gulbenkian.
Mas o meu interesse efetivo começou sobretudo a partir de 1978 quando pela primeira vez visitei Israel onde passei núpcias.
Em alguns locais visitados escutei um português antigo, não o Ladino, e falei mesmo com pessoas que o falavam sobretudo na Galiléia, em Tiberíades , Rosh Pinah e Safed.
Eram descendentes de portugueses que um dia fugiram as garras da Inquisição, á tortura e ou morte.
Isto despertou-me interesse. Contudo meu primo, o historiador Adriano Vasco Rodrigues e também Carlos Oliveira nos seus "Apontamentos para a Monografia da Guarda" já tinham abordado a presença dos Judeus na Guarda. Também Lopes Correia, em Trancoso e mais recente, José Guerrinha, em Gouveia.
Eu nasci na Judiaria. Ali fui criado pelos meus avós. O conhecimento das marcas nos umbrais das portas e seu significado eram conhecidas e eu bebi nesse conhecimento empírico das pessoas. Por outro lado, também meus avós me transmitiram esse conhecimento.
De regresso desenvolvi estudos, organizei colóquios, mostras e a exposição itinerante " Crianças de Todo Mundo Pintam Jerusalém", patente no Museu da Guarda, entre outras.
Decidi então criar a Associação de Amizade Portugal-Israel (AAPI). Convidei Adriano Vasco Rodrigues, Sam Levy, Álvaro Estevão, Madeira Grilo, Itzhak Sarfaty (conselheiro da Embaixada de Israel em Lisboa, recém-criada), José Luis Nunes (deputado do PS, já falecido) para comigo assinarem a ata de constituição da AAPI e fazer-se o registo notarial que paguei de meu bolso. Os Estatutos foram feitos pelo Dr. Inácio Vilar.
Antes porém, em 1980, organizei na Guarda com Shifra Horn o Encontro Europeu de Jovens Judeus com representações de Portugal, Espanha, França, Bélgica e Inglaterra.
Entretanto, vários Embaixadores de Israel com quem trabalhei próximo visitaram a Guarda e região com frequência, designadamente o primeiro Embaixador de Israel em Portugal, Ephraim Eldar, o seu sucessor Dov Halevy Milman, Gideon Ben-Ami, o conselheiro Itzak Sarfaty, entre outros.
Realizaram-se vários encontros e conferências uma das quais com o professor Reis Torgal que encheu o salão dos antigos Paços do Concelho onde foi focada a participação dos cristãos-novos na Revolução de 1640.
Seguiu-se depois 17 fevereiro 1982 a assinatura do Acordo de Geminação entre os Municípios de Guarda presidido por Abílio Curto e Safed, presidido por Aaron Nahmias.
Foi uma iniciativa minha que propus à Câmara Municipal da Guarda que prontamente aceitou a proposta.
Este foi também o primeiro Acordo de Geminação ou de cidades irmãs entre Portugal e Israel.
Esta iniciativa teve incidência no intercâmbio de experiências, turismo, cultura, sobretudo. E de facto a Guarda foi então pioneira no Turismo Judaico que ao longo dos anos aumentou até este surto de pandemia.
Razões várias basearam este acordo: ambas cidades são as mais altas nos respetivos países, o facto de Safed ser cidade de acolhimento de judeus portugueses sobretudo da Guarda e região em tempo de perseguições, expulsão e conversão forçada dos judeus e de Inquisição. Em Safed é possível escutar o português antigo ou arcaico, Ladino e memórias de judeus portugueses que aqui construíram a linda Sinagoga Abuhav, um dos ícones de Safed, em funcionamento. É a cidade dos Cabalistas. Sugiro a leitura do relato da visita de Frei Pantaleão que testemunha a presença da comunidade judaica portuguesa.
O primeiro grupo de israelitas teve a minha colaboração com Jordan (Yarden) Horn como guia, tendo eu sido o guia em Portugal e principalmente na Guarda e região.
Recordo ainda a recepção no Hotel Turismo da Guarda onde Abílio Curto esteve presente. Aliás este Hotel chegou a ficar lotado de turistas de Israel, por várias centenas de vezes. Era seu administrador o Sr. Nogueira.
A visita foi depois retribuída com uma deslocação à Guarda de uma delegação de Safed integrada pelo Presidente do Município de Safed, Aaron Nahmias e o vice-Presidente e conselheiro, Samuel Arouch.
Delegação da Guarda que se deslocou a Safed: Abílio Curto (Presidente da Câmara da Guarda), Deolindo dos Santos (em representação da Assembleia Municipal da Guarda), José Domingos (Secretário-Geral da Associação de Amizade Portugal - Israel) e Almiro Lopes (representante dos serviços técnicos e administrativos do Município da Guarda).
Seguiram-se outras geminações: Celorico da Beira com Affula, Tomar com Hadera, Belmonte com Rosh Pinah, Fogueira da Foz com Ashdod.
Na Guarda organizei em 1981, com o Dr Adriano Vasco Rodrigues o "Primeiro Encontro para a História das Beiras e dos Judeus Peninsulares". Estiveram presentes vários estudiosos e professores universitários de Coimbra, Braga, Lisboa e Évora.
As Atas foram publicadas na Revista Altitude, propriedade da Junta e depois Assembleia Distrital da Guarda de que eu era um dos responsáveis.
Seguiram-se idênticas iniciativas em Trancoso, Gouveia, Santarém, Lisboa, Torre de Moncorvo, Castelo de Vide, entre outros locais.
Face à minha ausência da Guarda a Associação de Amizade Portugal-Israel foi transferida para Lisboa.
Quero sublinhar, aqui e agora, o apoio sempre prestado pela Câmara Municipal da Guarda, presidida por Abílio Curto.
Depois nada ou praticamente nada se fez sendo apenas de realçar a sinalização dos cruciformes das casas da antiga Judiaria particularmente e elaboração do respetivo catálogo de autoria da malograda professora da Universidade de Évora, Carmen Ballesteros. E a Guarda foi e contínua a serem ultrapassada nesta área.
As geminações da guarda com cidades israelitas tiveram a tua intervenção. O que representa para ti essa aproximação entre Portugal e Israel? Esses contactos foram frutíferos?
Para mim significa um reencontro. Os Judeus tiveram um papel importante desde o nascimento de Portugal onde já viviam e coabitavam com os muçulmanos.
O primeiro Rabi-mor de Portugal e do Rei Afonso Henriques foi Yahia Ben Yahia que lutou vão lado do rei e teve papel importante na conquista de Lisboa e Santarém
Os Judeus e mais tarde os cristãos-novos foram dinamizadores da economia, artes e ofícios, ciências, política, literatura e artes, imprensa etc.
Os Judeus já estavam na Guarda quando em 1199 lhe foi atribuído o Foral. Vejam- se os "Costumes da Guarda" tão referenciados por historiadores entre os quais Alexandre Herculano.
Mas também em outras cidades e vilas da região e do país.
A Inquisição ou Santo Ofício que de "santo" só tinha o nome provocou uma fuga elevada e o abandono da terra natal e os Judeus batizados á força passaram a ser conhecidos por cristãos-novos. Cidades como a Guarda ou Pinhel por exemplo nunca mais recuperam. As perseguições inquisitoriais motivaram essa fuga, frequentemente com novas identidades já que os nomes judeus não vieram permitidos.
E foram construir outras pátrias "com seus saberes e cabedais" no dizer do padre António Vieira, ele também perseguido. Foi o caso do território do hoje Israel, sobretudo na Galileia onde se situa Safed.
Ora essas geminações tiveram resultados sobretudo no Turismo Cultural Judaico.
Houve contactos comerciais na Guarda com a empresa Menitrade sobre painéis solares de que Israel é expoente máximo e os primeiros painéis instalados na Guarda eram israelitas.
Mas foi o turismo o principal beneficiado com as geminações e um pouco também a cultura.
Estive também envolvido na geminação com a cidade espanhola de Béjar, onde existiu uma importante Comunidade Judaica ligada aos têxteis e lanifícios.
Achas que a presença judaica na Guarda devia ser mais estudada e divulgada? Esse legado é suficientemente conhecido?
Creio que sim apesar de existirem já alguns estudos. A presença Judaica na Guarda primeiro deveria ser conhecida pelos guardenses para que valorizassem o seu património.
Era importante que não se fizessem aberrações e não se cobrissem inscrições com cimento ou cabos elétricos ou de telefone.
Considero que esse legado é já um pouco conhecido. Vários grupos, famílias, individuais, vêm a Guarda em busca desse património, mas considero que deveria ser mais divulgado. Não há um panfleto ou desdobrável sobre a Judiaria que eu sinalizei em 1980 no sítio das "Quatro Quinas" com uma placa feita por Alberto Carreto.
Mas, francamente, o estado em que se encontra a zona da Judiaria que não é só a zona adjacente à Igreja de São Vicente, é reprovável. Não é cativante.
Mas há lugares que deveriam ser transformados bem Centro de Interpretação Judaica como é o caso da antiga Sinagoga ou Sinagogas. Neste particular a Guarda foi ultrapassada por outras terras.
Eu que sou da Guarda reconheço que todos sabem de tudo e depois choram sobre o leite derramado. É o caso das Casas de Memória Judaica ou Centros Interpretativos ou museus que surgiram em Belmonte (as peças expostas no Museu Judaico foram depositadas por Adriano Vasco Rodrigues e pelo José Domingos, aquando da sua abertura em 2005), Trancoso (onde fui o ideólogo com o ex-Presidente da Câmara de Trancoso, Júlio Sarmento e para onde ofereci vários objetos de família, livros religiosos , candelabros), Sabugal, recentemente Gouveia mas também Castelo Branco, Torre de Moncorvo, Bragança, Carção, Vila Nova de Paiva e, imponente, Vilar Formoso.
E a Guarda? Os outros lucram com as visitas e iniciativas culturais relativas a presença Judaica, dos cristãos-novos e mais recentemente, em 1940, os refugiados Judeus quer por aqui passaram depois de entrarem em Vilar Formoso, sobretudo os salvos por Aristides de Sousa Mendes, Cônsul de Portugal em Bordéus (França) em plena Segunda Guerra Mundial. E na Guarda?
Ainda foi assinado no tempo do ex-Presidente do Município da Guarda, Joaquim Valente, com pompa, um protocolo para ser instalado no Solar Teles Vasconcelos um memorial sobre e dedicado a esses refugiados assim como a obra do Cônsul Aristides de Sousa Mendes. Houve lanche e tudo, discursos que apenas por aí se ficaram.
O que tens feito nos últimos anos em termos de preservação desse património?
Acabei de doar peças minhas, pessoais, para integrarem o Centro de Estudos Judaicos Adriano Vasco Rodrigues e Maria da Assunção Carqueija, meus primos, em Torre de Moncorvo.
Estou também a desenvolver estudos sobre a presença Judaica em Torres Novas, fiz com o Dr Alberto Martinho um estudo e levantamento das marcas judaicas, entenda-se cruciformes, no Concelho de Seia depois editado em livro que já esgotou a primeira edição patrocinada pelo Município senense.
Estou também apostado no estudo da presença Judaica em Viseu e Meda. Queria fazer também uma publicação na Guarda que espero concretizar, generalista sobre os Judeus no Concelho da Guarda.
Desde que se registe, estude, publique, divulgue os resultados vem a seguir de certeza.
Quais os centros ou locais que aconselhas no interior para uma visita ao património ou tradições judaicas?
Desde logo a Guarda, Trancoso (que na minha opinião tem das mais belas judiarias a par de Castelo Branco Belmonte, Gouveia, Santa Marinha-Seia, Covilhã, Foz Côa, Torre de Moncorvo, Penamacor, Castelo Rodrigo, Linhares da Beira, Monsanto, Pinhel, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, a norte Bragança, Vilarinho dos Galegos, Carção, Mogadouro, Freixo de Espada à Cinta, Lagoaça, Vila Flor, Alfândega da Fé, Miranda do Douro, Vimioso, entre outras e a sul sobretudo Castelo de Vide, Marvão, Tomar, Extremoz
A pandemia interrompeu os circuitos turísticos que estavam a ser implementados com a presença de visitantes israelitas?
Sim, a pandemia interrompeu praticamente e numa percentagem elevada que estimo em mais de 95 por cento, a vinda de visitantes israelitas e não só, porque a Herança Judaica é já procurada por muitos brasileiros, franceses, espanhóis, argentinos, norte-americanos, e outras nacionalidades.
Que papel atribuis às autarquias na dinamização e divulgação do património histórico-cultural e preservação dos sinais da presença judaica?
As Autarquias e seus quadros técnicos ou os gabinetes que contratam são os mais importantes na preservação da Herança Judaica. Deveria haver sensibilidade idêntica a Trancoso ou Castelo de Vide na preservação e divulgação das Judiarias.
Confesso que me considero pioneiro neste domínio a partir da Guarda. Valorizar significa reabilitar e reabilitar significa conservar e não construir aberrações ou intervenções torpes justificadas com a "marca" do nosso tempo. Se temos casas do século XVI ou XVII ou XVIII foi porque foram preservadas, conservadas. Preservar também significa dar vida ao espaço
A divulgação deve ser também uma das prioridades. Existe ou existia, sei lá, a Rede de Judiarias de Portugal que tinha esse propósito. Não se ouve falar sequer dela.
Que projetos tens em curso? E para o futuro?
Como atrás disse, realizar os estudos e investigação sobre Judeus e cristãos-novos em algumas localidades e publicar o livro sobre personalidades judaicas ou cristãs-novas sobre rostos pouco conhecidos como Antonio Carvajal, judeu do Fundão que recebeu de Cromwell a permissão para que os judeus se fixassem em Londres e construíssem a sua Sinagoga; comunidade esta que é das mais importantes e representativas do mundo.
Gostaria de ver vê impulsionar a construção de um Centro de Interpretação da Cultura Judaica na Guarda. Não sou de desistir.
Como vês hoje a Guarda e o distrito? E o que desejas para esta região?
A Guarda de hoje é completamente diferente da cidadezinha do passado. Cresceu urbanisticamente, de forma desordenada, projetou-se no Mundo como um centro de cultura a que se deve muito a alguns dos seus naturais, entre os quais Américo Rodrigues, pela sua centralidade e infraestruturas viárias, rodo e ferroviárias, um local ótimo para o investimento nas áreas da logística e empreendedorismo, um centro de saber e fazer através do Instituto Politécnico nas suas valências de escolas superiores de Educação, Tecnologia e Gestão e de Saúde.
Tem potencialidades para de facto ser uma Cidade da Saúde em vez de assistirmos por vezes a esvaziamentos e guerrinhas.
A Guarda deve afirmar-se pela diferença positiva apesar de ser uma cidade de serviços e comercio essencialmente.
O seu tecido empresarial deve apostar nas pequenas e medias empresas e naturalmente nas de maior dimensão se bem que, como foi no caso vida Delphi, quando fechou arrastou o desemprego, existe esse perigo, mas são riscos da atual economia.
Acredito no Interior e na região e sua dinamização. Mas isto se houver cooperação efetiva das autarquias em projetos conjuntos de desenvolvimento e não haver políticas de capelinhas.
O Governo deve olhar para o interior com outros olhos e outros objetivos. O interior tem mais potencialidades do que o Lítio. A discriminação positiva deve favorecer o investimento. As portagens, o preço da energia, os transportes, os fatores de produção e até a água são caros.
O interior e a região da Guarda têm potencialidades únicas nos domínios da Cultura, Desporto, Localização empresarial, Ambiente, Turismo de qualidade.
Aqui se situam as Aldeias Históricas de Portugal, há magníficos Centros Históricos, paisagens únicas, gastronomia tradicional rica, o vinho Generoso ou Fino que depois é em Gaia vem tornar-se em Vinho do Porto, Estâncias Termais, tradições singulares como a Capeia Raiana.
Temos a Serra-mãe, a Estrela bela com ou sem neve, mas também a Marofa, a Malcata, os vales do Mondego, Zêzere, Côa, Alva, a norte o Douro Vinhateiro e, a sul, a Estrela e seu afamado queijo, produtos agropecuários e vinhos de qualidade que ombreiam com os melhores do Mundo, ali ao lado fica a Espanha, mas...falta gente!
É necessário e urgente a captação de pessoas, sobretudo jovens que desenvolvam com suas ideias e obra essas potencialidades onde a saúde é um dos vetores principais.
Acredito no Interior e na região da Guarda.
(Entrevista: Helder Sequeira)
“A imprensa regional terá de ser criativa para se poder continuar a afirmar”. A afirmação é da jornalista Elisabete Gonçalves que em 1997 não hesitou em trocar Lisboa pela Guarda, onde exerce, desde então, a sua atividade profissional.
Reconhecendo que está numa zona com potencialidades, considera, em entrevista ao CORREIO DA GUARDA que é “preciso evidenciar o que tem de melhor o nosso território e criar riqueza na região. Devíamos ser mais ambiciosos e mais reivindicativos”.
Natural da Guarda, estudou na Escola Secundária Afonso de Albuquerque, no Instituto Superior de Administração Comunicação e Empresa (ISACE) e na Escola Superior de Jornalismo do Porto. Iniciou a profissão no Grupo Fórum Estudante, em Lisboa; passou pelo Grupo Ferreira & Bento e regressou à Guarda para integrar a equipa do Jornal Terras da Beira (em 1997). Em finais de 1999 participou na fundação do jornal O Interior, mas ainda nesse ano regressou à redacção do semanário Terras da Beira, onde continua a trabalhar.
Como ocorreu a sua entrada no jornalismo?
Os primeiros contactos aconteceram ainda estava a estudar jornalismo no ISACE. Tinha um professor que era chefe de redacção do jornal Terras da Beira e comecei a colaborar com pequenos trabalhos.
Foi uma experiência gratificante que me deu ferramentas para ingressar no mercado de trabalho. Tive grande ajuda da parte dos jornalistas que na altura estavam no Terras da Beira.
Quais foram as dificuldades iniciais?
Não consigo identificar grandes dificuldades. Quando fiz o estágio profissional no Grupo Fórum Estudante já tinha noções de como me movimentar para procurar informação. As publicações onde eu colaborava lidavam muito com jovens, alguns pouco mais novos do que eu, e com instituições de Ensino Superior. Conhecia um pouco do meio académico e sentia-me segura.
Ainda que estivesse na cidade grande onde quase tudo era desconhecido, o meu espírito explorador e a vontade de conhecer o meio que me rodeava permitiram-me estar bem à vontade.
A experiência foi tão positiva que acabei por ficar a trabalhar por lá.
O que acha do atual panorama da imprensa regional? A imprensa regional tem vindo a perder a influência?
Nos últimos anos, a imprensa regional perdeu um pouco do seu espaço. Não só pela evolução do mundo digital, mas também porque fruto das condicionantes económicas tem havido menos investimento nos recursos humanos e materiais dos órgãos de comunicação social. As redacções são cada vez mais reduzidas.
O mercado da publicidade também se alterou e em vez do investimento ser feito na imprensa aposta-se noutro tipo de plataformas. A imprensa regional terá de ser criativa para se poder continuar a afirmar. De uma maneira geral, os mais novos não têm o hábito de ler jornais e muito menos regionais.
As redes sociais desviam as atenções tradicionalmente centradas na imprensa?
Sim. A informação está disponível de forma quase instantânea nas redes sociais. Não há que procurar muito. É o facilitismo que afasta os leitores.
Os cidadãos são pouco exigentes e não filtram o que lhes chega através do ecrã. Além de que hoje qualquer pessoa publica informações e não há cuidado de ver se a origem é fidedigna.
Quais são os principais problemas com que se debatem os profissionais que trabalham na imprensa regional?
A falta de meios e de recursos humanos impede os profissionais de se dedicarem de forma mais profunda a determinados temas.
Há poucas pessoas nas redacções e são necessárias para assegurar aquilo que é essencial nas publicações.
Tem havido, em sua opinião, um rejuvenescimento das redações dos jornais?
Não tanto como seria desejável. São necessárias novas ideias, novas perspectivas para que os jornais também acompanhem a realidade e possam ir de encontro às expectativas de outros públicos.
Quais os melhores momentos, da sua atividade jornalística, que recorda? E os piores?
Os melhores momentos são sempre aqueles em que vemos que o nosso trabalho tem algum impacto e é reconhecido. Ter a noção de que o nosso artigo suscitou alguma discussão ou contribuiu para que determinado problema tenha sido resolvido é sempre gratificante.
Vivi os piores momentos quando já estava na imprensa regional, mas a experiência ainda era pouca. Na investigação que fazia sobre o caso do falecimento de idosos num lar sem que fosse dado conhecimento aos familiares, acabei por ser eu a dar a notícia a uma das famílias do sucedido.
Outra situação esteve relacionada com maus-tratos a crianças que residiam numa instituição de acolhimento do distrito. Tocou-me muito ouvir o relato das vítimas. Confesso que guardei aquelas lembranças por alguns dias.
E qual o trabalho jornalístico que mais gosta de fazer?
Gosto de fazer reportagens. De andar no terreno e de ir à procura de informação sem ter um guião. No meu dia-a-dia gosto especialmente de abordar temas da área da sociedade, nomeadamente as áreas da saúde e da educação.
Houve algum projeto que idealizou e não concretizou ainda? E novos projetos?
Tenho alguns sonhos, mas fora da área do jornalismo. O turismo e a natureza são dois temas que me têm suscitado grande interesse nos últimos anos.
Gosta também da fotografia. Esse gosto era anterior à entrada no jornalismo ou iniciou-se com a atividade informativa?
Nunca tinha pensado nisso. Mas de facto o meu interesse pela fotografia está ligado à profissão. Quando comecei a fotografia que acompanhava os trabalhos era da responsabilidade de fotógrafos.
Tanto no Grupo Fórum como depois na imprensa regional as tarefas estavam completamente separadas. A partir de certa altura e fruto também da redução de meios humanos, comecei também a ter de tirar as fotografias para acompanhar os meus artigos.
Qual o tipo de fotografia (para além da fotografia documental relacionada com o seu trabalho profissional) prefere?
Gosto de fotografia de paisagem e de património. A natureza e a história são dois temas pelos quais tenho especial interesse.
A fotografia para mim é uma paixão, mas não tenho conhecimentos técnicos. É o gosto genuíno de registar aquele momento, que me parece perfeito e depois também poder partilhar o que vi.
Que análise faz do trabalho da comunicação social sediada na região?
Acho que devia ser mais provocadora.
O que tem faltado? E o que tem sido positivo?
A comunicação social tem tido um papel importante em determinados assuntos relacionados com o quotidiano das populações do distrito. Trazer à discussão temas esquecidos pelos governos e pelos políticos tem ajudado a pressionar para a sua resolução.
Que conselho daria aos jovens que queiram seguir a atividade jornalística, mormente no interior?
Devem seguir essa vontade, tendo a noção de que vão encontrar alguns constrangimentos a nível de recursos. Mas podem também contar com uma actividade gratificante porque vão exercer um jornalismo de proximidade e vão sentir que podem fazer a diferença na vida das populações.
Eu vim de Lisboa para exercer a profissão no interior. Na altura, em 1997, pareceu-me a melhor opção em termos pessoais. Reconheço que poderia ter tido outras oportunidades na carreira, ou não, mas em ponto pequeno acredito que tenho dado o meu contributo.
Gosta também de fazer caminhadas. Isso tem levado à descoberta de recantos e encantos da nossa região?
A nossa região tem trilhos e locais fantásticos. É só ter vontade de explorar. A natureza é um bom local para nos ouvirmos. A nós próprios e aos outros. E há sempre algo para descobrir.
No tempo da pandemia a zona do Castro do Tintinolho era das minhas favoritas. Descer a calçada romana desde o Chafariz da Dorna, passando pela nascente do Rio Diz e subir até à zona das eólicas. Depois descer até ao Castro, podendo fazer algumas variantes.
Às portas da cidade é uma óptima área para explorar. É pena que os percursos não estejam devidamente identificados com informação sobre os espaços e locais, nomeadamente sobre o Castro e os troços da calçada romana que ainda existem.
Poderia criar-se um trilho histórico muito interessante. A zona de Vila Soeiro é outra das zonas fantásticas. Nem seria necessário a existência dos Passadiços do Mondego. Os caminhos existentes levam-nos a locais recônditos, encaixados na rudeza do granito e envolvidos pelo curso do rio Mondego.
No distrito há um grande conjunto de locais que merecem uma visita. Entre as novidades está o Miradouro da Faia, no concelho de Pinhel e os Passadiços do Côa, junto ao Museu do Côa. Em Seia, a zona da Mata do Desterro e a praia fluvial dr. Pedro, bem como a zona da Lapa dos Dinheiros são áreas em que a natureza nos envolve em absoluto.
Que sugestões, ao nível de caminhadas, gostaria de deixar?
Infelizmente, os incêndios de Agosto causaram estragos na paisagem da região e alguns trilhos tornaram-se mais tristes.
Dos trilhos que fiz recentemente destaco a Rota do Vale da Cadela, em Gouveia. Um percurso de experiências diversificadas, que se desenvolve na natureza e que atravessa a malha urbana.
Sugiro também a subida ao baloiço da Rapa pela Serra da Lomba. A paisagem tanto para o lado de Celorico da Beira como para o lado da Guarda é soberba. É das melhores opções para se apreciar o Vale do Mondego. Nesta altura, a paisagem está negra pelo incêndio que ali lavrou recentemente, mas a natureza não tardará a recompor-se.
Com o aproximar do Outono, a Rota das Faias em Manteigas é passagem obrigatória para os amantes das caminhadas e da natureza. O incêndio de Agosto afectou a zona, mas as faias ficaram intactas.
A Serra da Estrela oferece uma panóplia de percursos com variados pontos de interesses, ambientais, históricos e paisagísticos.
Como vê o futuro da Guarda e região? O que falta?
Quero acreditar que há futuro. Creio que falta pensar o futuro de uma maneira diferente. É preciso reinventar. Não podemos aspirar a vida de grandes empresas para fixar pessoas. Não se pode projectar o futuro como se projecta para outras zonas do país. Temos de fazer diferente e ser criativos para que os jovens de cá queiram ficar e se fixem novas pessoas.
As nossas aldeias estão a ficar desertas e perder-se muito do património. Não só o construído. A bandeira tem de ser a qualidade de vida. Se há muitos estrangeiros a fixarem-se na região atrás da qualidade de vida que o território oferece por que é os portugueses não podem seguir o exemplo.
Não temos sabido “vender” as qualidades da nossa região. É preciso evidenciar o que tem de melhor o nosso território e criar riqueza na região. Devíamos ser mais ambiciosos e mais reivindicativos. Somos muito comodistas com aquilo que nos atribuem. Esta região tem valores e devemos não só protegê-los mas também promovê-los. Nós, os que estamos por cá, somos os melhores embaixadores do território.
Com uma vida dedicada à comunicação social, José Domingos afirma ao CORREIO DA GUARDA que “o jornalista no interior teve e tem, aqui, um papel importante. Ele é o elemento-chave para mostrar e motivar a vitalidade deste interior, lutando contra desvantagens acrescidas”.
Natural da Guarda, onde nasceu em 1954, José Domingos fez o seu percurso académico na Guarda em Coimbra. Para o nosso entrevistado, “o jornalista deve ter um mínimo de cultura e saber onde está, saber escrever e bem falar português”, acreditando ainda em “jornalismo de qualidade em Portugal". Um país onde continua, de forma apaixonada, a estudar e a divulgar a presença da cultura judaica.
Como aconteceu a tua ligação à rádio?
Tudo aconteceu ainda jovem, muito jovem. Era amigo - e sou- pessoal do Emílio Aragonez e do Dr. Joaquim Lopes Craveiro. Frequentava amiúde a ótica Aragonez, onde trabalhava também um antigo colaborador da Rádio Altitude (RA), o Pedro Claro, pessoa bem-humorada e antigo doente do Sanatório.
Certo dia, o Emílio Aragonez e o Dr. Lopes Craveiro, que ali se encontravam frequentemente em amena cavaqueira, acharam por bem sugerir que experimentasse qualquer coisa na RA porque, diziam, "o rapaz até tem uma voz jeitosa".
Andava eu no 7° ano do Liceu. Comecei a ir até à RA; era administrador o Sr. Carvalhinho e o saudoso Alberto Antunes Ferreira o encarregado geral. O diretor era o Dr. Martins Queirós, homem de alta estatura, conhecedor da técnica de "fazer uma rádio" de que foi obreiro o seu emissor Onda Média. Os técnicos eram o Clavier Bernardo Alves e o António Santos.
Comecei por preencher os boletins fase Felicitações com o Luís Matias de Almeida e o Elias Xastre. Por vezes aparecia o António Cardoso. Depois aprendi a mexer nas máquinas, montar equipamentos, fazer gravações, acompanhar as reportagens dentro e fora do estúdio com o António Pinheiro, o Aragonez, por vezes o desporto com o Vítor Santos, o Rebelo de Oliveira e Luís Coutinho.
E chegou a altura de, numa tarde de junho, começar a falar ao microfone em estúdio, em direto. Recordo que nesse dia e me enganei a dizer as horas e o primeiro disco que passei foi "Yo y la Rosa" de Hector Cabreira. Fazia-se publicidade ao Omega 300 oferecido pelo Emílio Aragonez.
Capa do disco "Yo e la rosa"
Quais os trabalhos iniciais da rádio? Os discos pedidos foram uma presença obrigatória?
Como disse, os primeiros trabalhos foram mais de secretariado, preenchendo boletins para o programa das Felicitações. Depois foi mais a aprendizagem.
Comecei a fazer as Felicitações que eram imagem da Rádio, programa que ligava a RA as pessoas e entre elas mesmo. Era, diga-se, um espelho de uma rádio do povo para o povo, elemento de aproximação, mas também de divulgação das vilas, aldeias e lugarejos e, claro, da música onde se destacava a portuguesa.
Havia também outro programa as 17 horas que começou por ser o "Marque 232 e peça um disco" com publicidade à Toyota. O 232 era o antigo número telefónico da RA.
A esta distância como vês a importância e as características dos "discos pedidos"? Como era a audiência?
Entendo que, embora preenchendo uma grande parte da programação da tarde, eram elos íntimos entre as pessoas com a rádio, onde o povo participava na sua rádio através dos discos pedidos, fazia, se assim se pode dizer, o seu programa.
E curioso, era um programa transversal na audiência e uma marca. Os "Discos Pedidos " agarravam as pessoas a rádio até, diga-se, pela vaidade íntima dos ouvintes em escutarem seu nome ou da sua terrinha
Quais os colegas com que trabalhavas na altura? E como era o ambiente vivido na rádio?
Era um ambiente familiar. Por tudo, faziam-se convívios, festas, lanches. Lembro os lanches com os bolos da Ti Ritinha, os "Enfarta brutos", as conservas, quando alguém fazia aniversário, os magustos, as sardinhas assadas junto à garagem, os passeios ou excursões, os ralis automóveis onde o Sucena e o Celínio eram os organizadores, com o João Oliveira Lopes.
Trabalhei naquela época com vários colegas, muitos deles que já partiram: Alberto Antunes Ferreira, António Santos, Clavier Bernardo Alves, Elias Xastre, Vitorino Coelho, Luís Matias de Almeida, Joaquim Fonseca, António Pinheiro, Luis Celínio, Manuel Vaz Júnior (a quem chamávamos amigavelmente de "pena parda"), Luis Coito, Luis Coutinho, António Arede, Abílio Curto, Emílio Aragonês, Lopes Craveiro; mas também com o Carlos Martins, Helder Sequeira, Manuel Madeira Grilo (Língua e Linguagem e de que eu era colaborador também), João Gomes (Reflexões Políticas), António José Amaro, Aguinaldo Nave, Joana Paula, Margarida Andrade. Como correspondentes o Manta Luís (Gouveia), Amílcar Chéu e António Lourenço (Foz Côa), Carlos Fidalgo (Trancoso).
Uma pessoa que devo recordar: Manuel Pires Daniel, pessoa calma, culta e sensata, poeta e escritor, natural de Meda, mas residente em Foz Côa.
Fausto Coutinho, José Domingos, Helder Sequeira e João Falcão Lucas (da esq. para a direita)
Que episódios te deixariam melhores recordações? E piores?
0 falecimento de António Pinheiro e Manuel Vaz Júnior foram momentos dolorosos dada a amizade que nutríamos reciprocamente. Não recordo momentos que me tenham deixado más recordações.
Momentos bons foram muitos. Sobretudo daquele programa que eu tanto amava de que fui um pouco de tudo desde produtor, realizador, locutor, animador, etc.: o clube GIROFLÉ dedicado às crianças, onde criei bases e mobilizei pessoas para a fundação da CERCIG.
Era necessário arranjar dinheiro para o então Centro Educacional e Recuperador de Crianças Inadaptadas da Guarda. Organizei então vários espetáculos com o apoio da Casa Cogumelo (de Eduardo e Filomena Espírito Santo e Armando Gil) e do Cine Teatro da Guarda dirigido por Abílio Curto.
Aqui vieram vários artistas de que destaco José Barata Moura, Paco Bandeira, Frei Vicente da Câmara, Vicente do Nascimento, Odette de Saint Maurice (poetisa e escritora), Orlando Dantés (palhaço), Serip (ilusionista) e outros. Com a Casa Cogumelo organizei Festas de Natal no Cine-Teatro da Guarda e no Auditório do Ex-sanatório Sousa Martins. O Pai Natal chegou a vir de Helicóptero e quem era? O Sr. Humberto, da Câmara Municipal.
Todas as crianças tinham seus brinquedos e lembranças, o seu lanche convívio e iogurtes com apoio de empresas da Guarda e outras nacionais como a Yoplait e Regina. Além disso promovi peditórios e campanhas, sobretudo no Natal, para angariação de géneros alimentícios, roupas, brinquedos para ajuda aos mais necessitados. Os "sócios" do GIROFLÉ tinham um cartão identificativo que lhes dava descontos em casas comerciais que aderiram e publicitavam seus produtos, mas o exclusivo era a Casa Cogumelo.
Foram os melhores tempos de alegria que tive na Rádio. Quando, por motivos profissionais, deixei a Altitude, o GIROFLÉ...acabou.
Outro momento marcante que vivi na RA foi o espetáculo único, singular que em 1975, se realizou na Guarda com a participação de Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Francisco Fanhais e Fausto. Outro programa de que guardo boas recordações era o "Rádio e Informação" realizado por mim na Guarda e o António Arede. Tinha música, informação, recreação, novidades. Mas na generalidade foram bons momentos de rádio, camaradagem e convívio.
O Giroflé foi um programa para crianças, emblemático. Como surgiu e que impacto teve?
Como atrás disse, o GIROFLÉ foi um pouco de mim. A este programa me dediquei de alma e coração.
Se bem que havia uma lacuna na programação dirigida a crianças, o GIROFLÉ começou na sequência de uma ação de angariação de géneros para os mais necessitados que organizei creio que no programa da tarde. Surgiu então a ideia do programa a que inicialmente aderiram Abílio Curto e Margarida Andrade. Acabei por ficar sozinho. Mas consegui colocar as crianças a apresentar o seu programa em direto. Era lindo vê-los chegar até às Rádio antes das 18 horas de sexta-feira, a hora do programa. Uma "passarada" como dizia o meu saudoso amigo e ex-professor Manuel Madeira Grilo.
Hoje essas crianças cresceram, já são pais e alguns mesmo avós e é reconfortante abordarem-me por vezes e recordarem o GIROFLÉ. Mas a grande realização foi a CERCIG. Quero aqui sublinhar a sempre pronta ajuda e colaboração dos também fundadores daquela organização de que destaco Alcino Bispo, D. Lisdália, António Melo, Júlio Antunes e ainda do Centro de Assistência Social da Guarda e das irmãs da instituição e educadoras de infância, sobretudo Olívia Rodrigues, Teresa Cardoso, Cristina Correia, a Lurdes e outras.
Que achas do trabalho do jornalista em terras do interior do país? Há mais dificuldades ou desafios diferentes?
O jornalismo tem grandes tradições no interior desde já muito. Panfletos, boletins, magazines, jornais e até rádio como é o caso da Altitude da Guarda surgiram como emanações da sociedade, uns com matriz religiosa, outros política, outros social.
Claro que não há Comunicação Social sem jornalistas e estes mesmo com raízes no interior projetaram-se a nível nacional e internacional, mas beberam aqui a sua essência. Jornais como A Guarda, Amigo da Verdade, Jornal do Fundão, Notícias da Covilhã, são órgãos que desde tempos recuados se afirmaram como referência na sua dimensão.
O jornalista no interior teve e tem, aqui, um papel importante. Ele é o elemento-chave para mostrar e motivar a vitalidade deste interior, lutando contra desvantagens acrescidas, desde os meios de trabalho, a economia e suporte, as comunicações sobretudo com órgãos da administração central que, no caso das suas representações regionais, só com autorização da tutela podem pronunciar-se.
Para ultrapassar as dificuldades, o jornalista no interior tem de ser atento, perspicaz, ser bom auditor e simultaneamente provocador, criar uma rede de fontes fidedignas e posicionar-se na neutralidade, quero dizer, isento. A pressão social quer política quer económica, sempre teve tendência para limitar a função do jornalista e no interior ainda mais por se tratar de um território com menos gente e como consequência um conhecimento mais próximo com os agentes dos diversos sectores e daí a tal pressão onde muitas vezes ocorre o "se não és por mim és contra mim".
Se bem que este facto ainda exista, o jornalista tem hoje outros meios ao dispor pois que a técnica evoluiu em todos os sectores – jornais, rádio, TV , bloggers, redes sociais – , criaram-se gabinetes de imprensa ou imagem muitos deles com jornalistas ou equiparados.
Alguns anos depois de teres entrado para a Rádio Altitude ocorreu a tua ligação a agência de notícias ANOP. O que representou para ti esse novo trabalho, e como surgiu?
Entrei para a ANOP- Agência Noticiosa Portuguesa em 1977 e no quadro em 1 de julho de 1978.
Para mim foi uma mudança radical em termos profissionais e adoção de regras. A ANOP ia abrir uma delegação na Guarda, dirigida pelo malogrado vê amigo Armando de Sousa Fontes. Um dia à tarde estava eu a fazer a emissão na RA apareceu nos estúdios o Fontes a perguntar por mim. Eu não o conhecia pessoalmente então a não ser por referências no jornal O Século e Diário Popular.
Fez-me então a proposta de ir para a ANOP por indicação de João Tito de Morais, presidente vida Agência Noticiosa que eu conhecia via o pai, Tito de Morais que foi Presidente da Assembleia da República e este através do também ex-Presidente do Parlamento, Teófilo Carvalho dos Santos, natural de Almeida. Deixei então a Rádio Altitude mantendo ainda o GIROFLÉ até a minha integração no quadro da ANOP.
A Agência tinha regras de redação estritas, era o único órgão de comunicação social que tinha Livro de Estilo. Estive em Lisboa, Coimbra (onde trabalhei com Marinho Pinto e Fausto Correia), depois Porto e depois regressei à Guarda. Entretanto o Armando Fontes regressou à sede por razões de saúde e fiquei sozinho na Delegação da Rua Pedro Álvares Cabral. Tinha a meu cargo a zona da Beira Interior e parte do distrito de Viseu. Criei uma rede de correspondentes.
Foi, entretanto, designado delegado o Mimoso de Freitas e eu voltei a Lisboa e daqui fui a Israel, Timor, Madrid e Brasil. Foi uma ausência prolongada da Guarda. Voltei a Lisboa e vim substituir o Mimoso de Freitas, que, entretanto, se reformara. Mas mesmo neste período ainda estive noutros locais deixando temporariamente os correspondentes ligados a Coimbra ou Lisboa. Foi uma caminhada grande.
Que balanço fazes do trabalho na ANOP e mais tarde Lusa?
Confesso que, como diz o povo, "ia a todas" em busca da notícia, visitando autarcas, serviços públicos e privados, associações empresariais, instituições sociais e religiosas, etc.
A ANOP e a LUSA conseguiriam ser referência e com imagem em toda a região
Olhando para trás, foi um trabalho positivo, com altos e baixos naturalmente, nunca tive desmentidos, ouvi sempre as partes em caso de conflito, participei em várias iniciativas (integrei a Comissão Organizadora das primeiras Jornadas da Beira Interior, por exemplo), não utilizava as fontes e depois as deixava sem criar laços de amizade, ou seja, construí amizades, fui interventivo na área social e cultural, sobretudo nos Bombeiros.
José Domingos com o pintor guardense Luis Rebello
Qual o acontecimento, notícia, que mais te marcou enquanto jornalista da agência?
Foram vários os acontecimentos. O que mais me marcou foi o acidente Ferroviário de Alcafache onde fui jornalista, bombeiro, socorrista...tudo, perante um espetáculo dantesco, de morte.
Outro foi o julgamento do caso de alegada violação na Guarda, com a destruição e violência que gerou e onde levei com uma bala de raspão à porta do Hotel Turismo onde fui socorrido pelo Dr. Raul Gil Saraiva; também o julgamento do caso Raia Seca não tanto pelos factos, mas pelos nomes dos arguidos e suas alcunhas que faziam rir.
Curioso trabalho que fiz foi nos Foios, Sabugal, onde a população se revoltou contra o pároco, este levou (há quem diga que comeu) as hóstias e o sacrário ficou vazio; o pároco deixou os Foios e as missas eram celebradas pelo povo, por um dos seus membros com mais respeito. Faleceu na ocasião um familiar de um padre e o funeral foi civil. O assunto só foi resolvido com a visita do Bispo da Guarda, D. António dos Santos.
Como vês hoje o jornalismo em Portugal?
O jornalismo em Portugal evoluiu bem todos os sectores e novas formas de jornalismo surgiram assim como vás fontes, algumas perigosas por não credíveis principalmente nas redes sociais.
Eu comecei por uma máquina de escrever e uma folha, o "linguado" como lhe chamávamos, também com regras de linhas e batidas, depois o corfac, o telex e mais tarde os computadores. Não havia telemóveis, os gravadores eram grandes, hoje são por vezes minúsculos.
A revolução informática e novas tecnologias de informação conferiram novas realidades em que, no caso da imprensa escrita, migrou para o digital em detrimento do suporte papel. O aparecimento de vários canais TV e estações de rádio dão ao espectador uma variada possibilidade de escolha.
O jornalismo tem de adaptar-se às novas realidades. O mercado de emprego é restrito na área da Comunicação Social e as escolas continuam a formar potenciais jornalistas. E porquê? A crise económica tem impacto nos órgãos de comunicação social e muitos, sobretudo no Interior, lutam com enormes dificuldades de sobrevivência. Por outro lado, acho que o jornalista deve ter um mínimo de cultura e saber onde está, saber escrever e bem falar português para não se ouvirem calinadas como as que vemos e ouvimos por vezes.
Essa cultura pode ser nas áreas social, económica, geográfica, política, jurídica etc. Isto ajuda ao jornalista identificar-se com o meio em que se insere. Contudo acredito no jornalismo de qualidade em Portugal
Em simultâneo com a atividade jornalística teve lugar a atenção para com as questões judaicas, mormente para as marcas dos judeus neste território do interior. Fala-nos desta atividade.
É antiga a minha ligação a assuntos judaicos. A minha família vem de raiz judaica. Ainda no Liceu, embora pouco se falasse de Judeus a não ser sobre Inquisição e não muito e praticamente nada sobre o Holocausto, eu comecei a investigar. Era "cliente" habitual da Biblioteca Municipal ou da Biblioteca do Liceu e mesmo da Gulbenkian.
Mas o meu interesse efetivo começou sobretudo a partir de 1978 quando pela primeira vez visitei Israel onde passei núpcias.
Em alguns locais visitados escutei um português antigo, não o Ladino, e falei mesmo com pessoas que o falavam sobretudo na Galiléia, em Tiberíades , Rosh Pinah e Safed. Eram descendentes de portugueses que um dia fugiram as garras da Inquisição, á tortura e ou morte.
Isto despertou-me interesse. Contudo meu primo, o historiador Adriano Vasco Rodrigues e também Carlos Oliveira nos seus "Apontamentos para a Monografia da Guarda" já tinham abordado a presença dos Judeus na Guarda. Também Lopes Correia, em Trancoso e mais recente, José Guerrinha, em Gouveia.
Eu nasci na Judiaria. Ali fui criado pelos meus avós. O conhecimento das marcas nos umbrais das portas e seu significado eram conhecidas e eu bebi nesse conhecimento empírico das pessoas. Por outro lado, também meus avós me transmitiram esse conhecimento. De regresso desenvolvi estudos, organizei colóquios, mostras e a exposição itinerante " Crianças de Todo Mundo Pintam Jerusalém", patente no Museu da Guarda, entre outras.
Decidi então criar a Associação de Amizade Portugal-Israel (AAPI). Convidei Adriano Vasco Rodrigues, Sam Levy, Álvaro Estevão, Madeira Grilo, Itzhak Sarfaty (conselheiro da Embaixada de Israel em Lisboa, recém-criada), José Luis Nunes (deputado do PS, já falecido) para comigo assinarem a ata de constituição da AAPI e fazer-se o registo notarial que paguei de meu bolso. Os Estatutos foram feitos pelo Dr. Inácio Vilar.
Antes porém, em 1980, organizei na Guarda com Shifra Horn o Encontro Europeu de Jovens Judeus com representações de Portugal, Espanha, França, Bélgica e Inglaterra. Entretanto, vários Embaixadores de Israel com quem trabalhei próximo visitaram a Guarda e região com frequência, designadamente o primeiro Embaixador de Israel em Portugal, Ephraim Eldar, o seu sucessor Dov Halevy Milman, Gideon Ben-Ami, o conselheiro Itzak Sarfaty, entre outros. Realizaram-se vários encontros e conferências uma das quais com o professor Reis Torgal que encheu o salão dos antigos Paços do Concelho onde foi focada a participação dos cristãos-novos na Revolução de 1640.
Seguiu-se depois 17 fevereiro 1982 a assinatura do Acordo de Geminação entre os Municípios de Guarda presidido por Abílio Curto e Safed, presidido por Aaron Nahmias. Foi uma iniciativa minha que propus à Câmara Municipal da Guarda que prontamente aceitou a proposta.
Este foi também o primeiro Acordo de Geminação ou de cidades irmãs entre Portugal e Israel. Esta iniciativa teve incidência no intercâmbio de experiências, turismo, cultura, sobretudo. E de facto a Guarda foi então pioneira no Turismo Judaico que ao longo dos anos aumentou até este surto de pandemia.
Razões várias basearam este acordo: ambas cidades são as mais altas nos respetivos países, o facto de Safed ser cidade de acolhimento de judeus portugueses sobretudo da Guarda e região em tempo de perseguições, expulsão e conversão forçada dos judeus e de Inquisição. Em Safed é possível escutar o português antigo ou arcaico, Ladino e memórias de judeus portugueses que aqui construíram a linda Sinagoga Abuhav, um dos ícones de Safed, em funcionamento. É a cidade dos Cabalistas. Sugiro a leitura do relato da visita de Frei Pantaleão que testemunha a presença da comunidade judaica portuguesa.
O primeiro grupo de israelitas teve a minha colaboração com Jordan (Yarden) Horn como guia, tendo eu sido o guia em Portugal e principalmente na Guarda e região. Recordo ainda a recepção no Hotel Turismo da Guarda onde Abílio Curto esteve presente. Aliás este Hotel chegou a ficar lotado de turistas de Israel, por várias centenas de vezes. Era seu administrador o Sr. Nogueira.
A visita foi depois retribuída com uma deslocação à Guarda de uma delegação de Safed integrada pelo Presidente do Município de Safed, Aaron Nahmias e o vice-Presidente e conselheiro, Samuel Arouch. Delegação da Guarda que se deslocou a Safed: Abílio Curto (Presidente da Câmara da Guarda), Deolindo dos Santos (em representação da Assembleia Municipal da Guarda), José Domingos (Secretário-Geral da Associação de Amizade Portugal - Israel) e Almiro Lopes (representante dos serviços técnicos e administrativos do Município da Guarda).
Seguiram-se outras geminações: Celorico da Beira com Affula, Tomar com Hadera, Belmonte com Rosh Pinah, Fogueira da Foz com Ashdod.
Na Guarda organizei em 1981, com o Dr Adriano Vasco Rodrigues o "Primeiro Encontro para a História das Beiras e dos Judeus Peninsulares". Estiveram presentes vários estudiosos e professores universitários de Coimbra, Braga, Lisboa e Évora. As Atas foram publicadas na Revista Altitude, propriedade da Junta e depois Assembleia Distrital da Guarda de que eu era um dos responsáveis. Seguiram-se idênticas iniciativas em Trancoso, Gouveia, Santarém, Lisboa, Torre de Moncorvo, Castelo de Vide, entre outros locais. Face à minha ausência da Guarda a Associação de Amizade Portugal-Israel foi transferida para Lisboa.
Quero sublinhar, aqui e agora, o apoio sempre prestado pela Câmara Municipal da Guarda, presidida por Abílio Curto. Depois nada ou praticamente nada se fez sendo apenas de realçar a sinalização dos cruciformes das casas da antiga Judiaria particularmente e elaboração do respetivo catálogo de autoria da malograda professora da Universidade de Évora, Carmen Ballesteros. E a Guarda foi e contínua a serem ultrapassada nesta área.
As geminações da guarda com cidades israelitas tiveram a tua intervenção. O que representa para ti essa aproximação entre Portugal e Israel? Esses contactos foram frutíferos?
Para mim significa um reencontro. Os Judeus tiveram um papel importante desde o nascimento de Portugal onde já viviam e coabitavam com os muçulmanos. O primeiro Rabi-mor de Portugal e do Rei Afonso Henriques foi Yahia Ben Yahia que lutou vão lado do rei e teve papel importante na conquista de Lisboa e Santarém
Os Judeus e mais tarde os cristãos-novos foram dinamizadores da economia, artes e ofícios, ciências, política, literatura e artes, imprensa etc. Os Judeus já estavam na Guarda quando em 1199 lhe foi atribuído o Foral. Vejam- se os "Costumes da Guarda" tão referenciados por historiadores entre os quais Alexandre Herculano.
Mas também em outras cidades e vilas da região e do país. A Inquisição ou Santo Ofício que de "santo" só tinha o nome provocou uma fuga elevada e o abandono da terra natal e os Judeus batizados á força passaram a ser conhecidos por cristãos-novos. Cidades como a Guarda ou Pinhel por exemplo nunca mais recuperam. As perseguições inquisitoriais motivaram essa fuga, frequentemente com novas identidades já que os nomes judeus não vieram permitidos.
E foram construir outras pátrias "com seus saberes e cabedais" no dizer do padre António Vieira, ele também perseguido. Foi o caso do território do hoje Israel, sobretudo na Galileia onde se situa Safed. Ora essas geminações tiveram resultados sobretudo no Turismo Cultural Judaico.
Houve contactos comerciais na Guarda com a empresa Menitrade sobre painéis solares de que Israel é expoente máximo e os primeiros painéis instalados na Guarda eram israelitas. Mas foi o turismo o principal beneficiado com as geminações e um pouco também a cultura. Estive também envolvido na geminação com a cidade espanhola de Béjar, onde existiu uma importante Comunidade Judaica ligada aos têxteis e lanifícios.
Achas que a presença judaica na Guarda devia ser mais estudada e divulgada? Esse legado é suficientemente conhecido?
Creio que sim apesar de existirem já alguns estudos. A presença Judaica na Guarda primeiro deveria ser conhecida pelos guardenses para que valorizassem o seu património.
Era importante que não se fizessem aberrações e não se cobrissem inscrições com cimento ou cabos elétricos ou de telefone.
Considero que esse legado é já um pouco conhecido. Vários grupos, famílias, individuais, vêm a Guarda em busca desse património, mas considero que deveria ser mais divulgado. Não há um panfleto ou desdobrável sobre a Judiaria que eu sinalizei em 1980 no sítio das "Quatro Quinas" com uma placa feita por Alberto Carreto. Mas, francamente, o estado em que se encontra a zona da Judiaria que não é só a zona adjacente à Igreja de São Vicente, é reprovável. Não é cativante. Mas há lugares que deveriam ser transformados bem Centro de Interpretação Judaica como é o caso da antiga Sinagoga ou Sinagogas. Neste particular a Guarda foi ultrapassada por outras terras.
Eu que sou da Guarda reconheço que todos sabem de tudo e depois choram sobre o leite derramado. É o caso das Casas de Memória Judaica ou Centros Interpretativos ou museus que surgiram em Belmonte (as peças expostas no Museu Judaico foram depositadas por Adriano Vasco Rodrigues e pelo José Domingos, aquando da sua abertura em 2005), Trancoso (onde fui o ideólogo com o ex-Presidente da Câmara de Trancoso, Júlio Sarmento e para onde ofereci vários objetos de família, livros religiosos , candelabros), Sabugal, recentemente Gouveia mas também Castelo Branco, Torre de Moncorvo, Bragança, Carção, Vila Nova de Paiva e, imponente, Vilar Formoso.
E a Guarda? Os outros lucram com as visitas e iniciativas culturais relativas a presença Judaica, dos cristãos-novos e mais recentemente, em 1940, os refugiados Judeus quer por aqui passaram depois de entrarem em Vilar Formoso, sobretudo os salvos por Aristides de Sousa Mendes, Cônsul de Portugal em Bordéus (França) em plena Segunda Guerra Mundial. E na Guarda?
Ainda foi assinado no tempo do ex-Presidente do Município da Guarda, Joaquim Valente, com pompa, um protocolo para ser instalado no Solar Teles Vasconcelos um memorial sobre e dedicado a esses refugiados assim como a obra do Cônsul Aristides de Sousa Mendes. Houve lanche e tudo, discursos que apenas por aí se ficaram.
O que tens feito nos últimos anos em termos de preservação desse património?
Acabei de doar peças minhas, pessoais, para integrarem o Centro de Estudos Judaicos Adriano Vasco Rodrigues e Maria da Assunção Carqueija, meus primos, em Torre de Moncorvo.
Estou também a desenvolver estudos sobre a presença Judaica em Torres Novas, fiz com o Dr Alberto Martinho um estudo e levantamento das marcas judaicas, entenda-se cruciformes, no Concelho de Seia depois editado em livro que já esgotou a primeira edição patrocinada pelo Município senense. Estou apostado no estudo da presença Judaica em Viseu e Meda. Queria fazer também uma publicação na Guarda que espero concretizar, generalista sobre os Judeus no Concelho da Guarda.
Desde que se registe, estude, publique, divulgue os resultados vem a seguir de certeza.
Quais os centros ou locais que aconselhas no interior para uma visita ao património ou tradições judaicas?
Desde logo a Guarda, Trancoso (que na minha opinião tem das mais belas judiarias a par de Castelo Branco Belmonte, Gouveia, Santa Marinha-Seia, Covilhã, Foz Côa, Torre de Moncorvo, Penamacor, Castelo Rodrigo, Linhares da Beira, Monsanto, Pinhel, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, a norte Bragança, Vilarinho dos Galegos, Carção, Mogadouro, Freixo de Espada à Cinta, Lagoaça, Vila Flor, Alfândega da Fé, Miranda do Douro, Vimioso, entre outras e a sul sobretudo Castelo de Vide, Marvão, Tomar, Extremoz
A pandemia interrompeu os circuitos turísticos que estavam a ser implementados com a presença de visitantes israelitas?
Sim, a pandemia interrompeu praticamente e numa percentagem elevada que estimo em mais de 95 por cento, a vinda de visitantes israelitas e não só, porque a Herança Judaica é já procurada por muitos brasileiros, franceses, espanhóis, argentinos, norte-americanos, e outras nacionalidades.
Que papel atribuis às autarquias na dinamização e divulgação do património histórico-cultural e preservação dos sinais da presença judaica?
As Autarquias e seus quadros técnicos ou os gabinetes que contratam são os mais importantes na preservação da Herança Judaica. Deveria haver sensibilidade idêntica a Trancoso ou Castelo de Vide na preservação e divulgação das Judiarias.
Confesso que me considero pioneiro neste domínio a partir da Guarda. Valorizar significa reabilitar e reabilitar significa conservar e não construir aberrações ou intervenções torpes justificadas com a "marca" do nosso tempo. Se temos casas do século XVI ou XVII ou XVIII foi porque foram preservadas, conservadas. Preservar também significa dar vida ao espaço
A divulgação deve ser também uma das prioridades. Existe ou existia, sei lá, a Rede de Judiarias de Portugal que tinha esse propósito. Não se ouve falar sequer dela.
Que projetos tens em curso? E para o futuro?
Como atrás disse, realizar os estudos e investigação sobre Judeus e cristãos-novos em algumas localidades e publicar o livro sobre personalidades judaicas ou cristãs-novas sobre rostos pouco conhecidos como Antonio Carvajal, judeu do Fundão que recebeu de Cromwell a permissão para que os judeus se fixassem em Londres e construíssem a sua Sinagoga; comunidade esta que é das mais importantes e representativas do mundo.
Gostaria de ver vê impulsionar a construção de um Centro de Interpretação da Cultura Judaica na Guarda. Não sou de desistir.
Como vês hoje a guarda e o distrito? E o que desejas para esta região?
A Guarda de hoje é completamente diferente da cidadezinha do passado. Cresceu urbanisticamente, de forma desordenada, projetou-se no Mundo como um centro de cultura a que se deve muito a alguns dos seus naturais, entre os quais Américo Rodrigues, pela sua centralidade e infraestruturas viárias, rodo e ferroviárias, um local ótimo para o investimento nas áreas da logística e empreendedorismo, um centro de saber e fazer através do Instituto Politécnico nas suas valências de escolas superiores de Educação, Tecnologia e Gestão e de Saúde.
Tem potencialidades para de facto ser uma Cidade da Saúde em vez de assistirmos por vezes a esvaziamentos e guerrinhas.
A Guarda deve afirmar-se pela diferença positiva apesar de ser uma cidade de serviços e comercio essencialmente.
O seu tecido empresarial deve apostar nas pequenas e medias empresas e naturalmente nas de maior dimensão se bem que, como foi no caso vida Delphi, quando fechou arrastou o desemprego, existe esse perigo, mas são riscos da atual economia.
Acredito no Interior e na região e sua dinamização. Mas isto se houver cooperação efetiva das autarquias em projetos conjuntos de desenvolvimento e não haver políticas de capelinhas.
O Governo deve olhar para o interior com outros olhos e outros objetivos. O interior tem mais potencialidades do que o Lítio. A discriminação positiva deve favorecer o investimento. As portagens, o preço da energia, os transportes, os fatores de produção e até a água são caros.
O interior e a região da Guarda têm potencialidades únicas nos domínios da Cultura, Desporto, Localização empresarial, Ambiente, Turismo de qualidade. Aqui se situam as Aldeias Históricas de Portugal, há magníficos Centros Históricos, paisagens únicas, gastronomia tradicional rica, o vinho Generoso ou Fino que depois é em Gaia vem tornar-se em Vinho do Porto, Estâncias Termais, tradições singulares como a Capeia Raiana.
Temos a Serra-mãe, a Estrela bela com ou sem neve, mas também a Marofa, a Malcata, os vales do Mondego, Zêzere, Côa, Alva, a norte o Douro Vinhateiro e, a sul, a Estrela e seu afamado queijo, produtos agropecuários e vinhos de qualidade que ombreiam com os melhores do Mundo, ali ao lado fica a Espanha, mas...falta gente! É necessário e urgente a captação de pessoas, sobretudo jovens que desenvolvam com suas ideias e obra essas potencialidades onde a saúde é um dos vetores principais.
Acredito no Interior e na região da Guarda.
CORREIO DA GUARDA
Sandra Ferreira iniciou bem cedo, na Guarda, a sua ligação à comunicação social. Como jornalista, o seu percurso profissional tem passado por vários órgãos de informação. Licenciada em Jornalismo pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, trabalhou na Rádio Altitude, Rádio F, Rádio Vaticano, jornal Público, JN-Jornal de Notícias.
Natural da Guarda, onde estudou e de onde saiu com 21 anos, Sandra Ferreira é, atualmente formadora de jornalismo em Díli, Timor-Leste. Apesar da distância não esquece a sua terra natal e diz-nos que gostaria de ver a Guarda “com menos complexos de interioridade”, acrescentando que “esse é um espírito que não ajuda a crescer, mas antes a realçar que se é pequeno e inconsequente”.
Ao CORREIO DA GUARDA esta jornalista guardense diz que os “portugueses são muito bem vistos e respeitados pelos timorenses”, referindo, por outro lado, ser “muito interessante perceber a cultura, que é muito diferente da nossa, apesar da forte e prolongada influência portuguesa”
Como começou a sua ligação à comunicação social?
A minha ligação à comunicação social começou quando tinha cerca de 16 anos, na Rádio Altitude que, na altura, abriu um concurso para recrutar novas vozes e decidi concorrer.
Acabei por ser selecionada como animadora de emissão.
O que significou a sua passagem pela Rádio Altitude?
Foi na Rádio Altitude que dei os primeiros passos que me conduziriam à profissão de jornalista, embora nessa época tencionasse formar-me em Psicologia.
Comecei a despertar para a informação, após ter acompanhado, em termos informativos, uma comitiva de Aldeia Viçosa a uma localidade da Normandia, em França, com a qual a Junta de Freguesia tinha um acordo de geminação
Nos tempos iniciais o que mais a seduziu na atividade radiofónica?
Eu adorava música e a Rádio Altitude tinha à época uma discoteca impressionante, com mais de 20 mil discos.
Era muito interessante passar horas a descobrir êxitos de várias gerações, saber mais sobre os artistas e partilhá-los.
A rádio tinha aquele lado encantador de sermos identificados apenas pela voz, sem sites na internet a revelarem-nos o rosto. Por outro lado, era muito estimulante trabalhar junto de profissionais, como o histórico António Aragonês, com uma magnífica voz e um excelente contador de estórias.
Após a sua saída da Guarda o que fez, em termos profissionais?
Antes de sair da Guarda, passei pela Rádio F e poucos meses depois, o dono, o Dr. Virgílio Ardérius, que tinha comprado a Rádio Noar, em Viseu, que estava encerrada, desafiou-me a fazer parte da equipa que a iria reativar.
Foi uma luta enorme, deu muito trabalho, mas foi uma grande escola e um sucesso até a frequência ter sido vendida, em 2011, à Rádio Renascença.
Pelo meio, quando estava a tirar a licenciatura em Jornalismo, na Universidade de Coimbra, fiz uma interrupção e fui para a capital italiana, estudar na Universidade Roma Tre, no âmbito do programa Erasmus. Ao mesmo tempo, enviei o currículo para a rádio Vaticano, onde fui aceite para trabalhar na rádio que agrega quase 40 nacionalidades.
Fiz também algumas dobragens de documentários e filmes no estúdio Cine-Cità. Já depois de regressar a Portugal, trabalhei para o Jornal Público e para o Jornal de Notícias.
Atualmente sou formadora de jornalismo em Díli, Timor-Leste, no Consultório da Língua para Jornalistas.
E o que mais gostou de fazer?
Sempre gostei de vestir a camisola dos sítios por onde passei e para mim só faz sentido enquanto assim for.
É difícil dizer o que mais gostei porque cada projeto implicou desafios distintos, mas diria que o que algo em comum que sempre me agradou foi somar conhecimento com ótimos profissionais, refletir sobre o conhecimento que fui adquirindo e que hoje me permite partilhá-lo com quem quer seguir a profissão.
A sua preferência, hoje, vai mais para a Rádio ou para a Imprensa?
Nunca consegui fazer essa escolha, cada meio tem a sua especificidade.
Enquanto a rádio é muito desafiante por tudo o que consegue transmitir com som, por trabalhar para o ouvido, a imprensa explica e permite acrescentar detalhes, nem sempre possíveis em rádio.
A Rádio ontem e hoje? Que diferenças? Hoje é mais fácil fazer rádio?
A rádio hoje já não é só som, também é imagem. Graças à internet também dá texto a ler, exibe vídeos e fotos nos respetivos sites e redes sociais.
Também já não é tão efémera porque, através dos podcasts, podemos ouvir programas quando e onde quisermos.
No entanto, não sei se é mais fácil fazer rádio nos dias que correm porque a pressão aumentou uma vez que este meio concorre diretamente com as plataformas online.
A internet e os telemóveis facilitam muito a chegada dos conteúdos aos ouvintes, fazer diretos, mas também é preciso ser muito mais veloz para não ser ultrapassado, o que também proporciona muitas falhas de rigor. Evitar essas falhas é hoje um dos maiores desafios do jornalismo em nome da sua credibilidade.
Atualmente está em Timor. O que está a fazer e como surgiu esta mudança na sua vida profissional?
Em abril deste ano, venci um concurso público lançado pela Secretaria de Estado da Comunicação Social de Timor-Leste, para formadora de jornalismo no Consultório da Língua para Jornalistas.
Aceitei o cargo, tive um mês para fazer as malas e todas as mudanças e mudar-me para Díli.
Na prática deixei de fazer jornalismo, mas passei a partilhar o conhecimento que adquiri ao longo dos anos.
Como é o seu dia a dia?
Este trabalho tem obrigado a um grande foco, de manhã à noite, por vezes até ao fim de semana.
Antes da formação de Jornalismo propriamente dita, foi necessário fazer um estudo sobre as necessidades formativas dos jornalistas de Timor-Leste, onde está quase tudo por fazer na área.
Tratou-se de um estudo inédito, que implicou analisar centenas de notícias à lupa de dezenas de critérios, realizar inquéritos junto dos formados, perceber onde sentiam dificuldades, entrevistar responsáveis pela comunicação social, observar o modo de atuação dos jornalistas. O relatório deste estudo, que já foi concluído, será publicado em livro. Identificadas as necessidades formativas traçou-se um plano de formação e elaboraram-se manuais destinados aos formandos.
Fora do trabalho, em Díli não há muito para fazer, mas quando há tempo gosto de aproveitar o mar com água muito quente ou conhecer outras zonas de Timor-Leste. Ainda não foi possível conhecer muito por causa da pandemia que colocou Díli sob cerca sanitária até há dois ou três meses.
O que mais lhe tem agradado em Timor?
Os timorenses são pessoas muito tímidas, mas muito afáveis.
Tem sido muito interessante perceber a cultura, que é muito diferente da nossa, apesar da forte e prolongada influência portuguesa.
É curioso perceber que está a surgir uma geração com um grande espírito crítico e a falta de massa crítica é um dos graves problemas do país.
A presença portuguesa como é vista hoje, em Timor?
Os portugueses são muito bem vistos e respeitados pelos timorenses.
Existem muitos projetos ligados ao ensino executado por centenas de professores portugueses, que exercem a profissão muitas vezes em condições muito difíceis, sobretudo nos municípios distantes da capital.
A educação é um dos problemas graves de Timor-Leste, pelo que os timorenses respeitam muito quem os quer ajudar nua educação melhor.
Até quando vai ficar?
Esta fase do projeto do Consultório da Língua para Jornalistas tem uma duração de três anos, mas não sei quanto tempo irei ficar.
Quais são os seus projetos para o futuro?
Depois deste projeto está tudo em aberto, mas julgo que será sempre no âmbito do jornalismo e/ou na área da formação. Em Díli ou noutra parte do mundo.
Continua a seguir o que se passa na Guarda?
Sim, continuo a seguir, dentro do tempo que tenho disponível.
O que representa para si a Guarda? Que memórias?
É onde nasci, é onde estão os meus pais e as minhas duas irmãs.
Foi onde vivi até aos 21 anos, por isso tenho na Guarda toda a minha infância e adolescência.
A maior memória que tenho da Guarda, além do frio, é de a cidade ter um grande espírito de acolhimento e convívio.
Como gostaria de ver a Guarda do futuro?
Gostava de ver a cidade com mais oportunidades de emprego, de a ver evoluir a todos os níveis e também com menos complexos de interioridade.
Julgo que esse é um espírito que não ajuda a crescer, mas antes a realçar que se é pequeno e inconsequente.
António Arede nasceu para a rádio (por quem continua a nutrir uma grande paixão) na Guarda; precisamente na estação emissora que em 1948 começou a emitir oficialmente na cidade mais alta de Portugal.
A sua atividade radiofónica começou em 1973/74 na Rádio Altitude, tendo passado depois pela Rádio Renascença entre 1975 e 1990. No tempo das rádios-piratas iniciou a colaboração no RCI desde a sua criação, projeto que acompanhou nas diversas fases de expansão até à passagem para as instalações atuais.
Respeitado no meio rádio e do jornalismo pela sua larga experiência e pela sua exigência em termos de rigor e qualidade dos trabalhos que produz, António Arede é igual a si próprio, com inquestionável competência e saber, elevado sentido de humanidade e grande cordialidade.
Do seu percurso profissional destaca-se ainda a passagem pela RDP/Centro (Antena 1) e, mais recentemente pelo grupo Media Capital Rádios - Rádio Clube Português, Rádio Clube e pela M80 Rádio.
Com 65 anos, António Arede continua a fazer e a viver a rádio, sempre com a mesma entrega e paixão, abrindo igualmente porta para outra atividade que o tem entusiasmado, de que fala ao CORREIO DA GUARDA. “Hoje passo música dos anos 80 em todo o lado. Cada noite é um sucesso!...”
Quem é o António Arede?
Jornalista, 65 anos de idade, apaixonado pela rádio e comunicação, tendo também a atividade de Dj como complemento.
És um apaixonado pela rádio e pelo jornalismo. Quando começou essa vocação?
Em finais de 1973, então pela mão do correspondente da RTP em Viseu, José Ayres, que pelos seus conhecimentos no meio conseguiu a minha entrada como colaborador da Rádio Altitude para a área da animação, na altura locução.
Nos tempos do liceu o som e a música envolveram-te em atividades. Que recordações gostarias de deixar aqui?
A criação, em 1973, de um núcleo de rádio no liceu, que transmitia música nos intervalos das aulas, através de um sistema interno de som, com colunas instaladas nos recreios e sala dos professores.
Tratava-se do grupo Geração de 60, que também implementou no liceu um grupo de Teatro e um jornal com o mesmo nome (Geração de 60), que na época era impresso em tipografia.
Ainda fiz parte do grupo de Teatro como ator e mais tarde como sonoplasta, uma vez que sentia queda para essa área.
Nessa época a inclinação era mais para a Rádio ou para o Jornalismo?
Na época a inclinação era mais para a área da rádio (animação), visto que o conceito de jornalista de rádio ainda não estava criado, as notícias eram lidas de recortes de jornais por alguém que tivesse a melhor voz.
A imprensa não suscitou tanto a tua atenção? Porquê?
Na altura não sentia interessa pela imprensa escrita, também porque nunca pensei vir a ser jornalista, e mesmo como jornalista sempre privilegiei o sector rádio, tirando uma pequena experiência na imprensa (jornal Notícias da Tarde, do Grupo JN) e a Agência de Noticias ANOP.
Desde cedo tiveste o teu próprio estúdio, com equipamento diversificado, e já distinto na época. Fala-nos dessa época e do trabalho que foi desenvolvido.
Em 1973 estava mais virado para a locução em rádio…era um mundo para mim; depois com o avançar dos anos, em 1975/76, tornei-me correspondente da Rádio Altitude em Viseu.
Foi a partir daí que desenvolvi as minhas próprias instalações criando um sistema para envio do som para a rádio via telefone com mais qualidade, facto que veio a evidenciar-se mais tarde também com a minha entrada para a Rádio Renascença, em 1976; estação que viria a abraçar através da influência do Antunes Ferreira (da Rádio Altitude) e do José Ayres de Viseu.
Há algum equipamento, adquirido, que te tenha deixado um entusiamo especial? Gravadores de bobines…?
Tenho ainda alguns gravadores de cassetes da época… uns funcionam, outros não; um pequeno OB (como se chamava na altura) para tratamento do som no envio pelo telefone e uma máquina de bobines, que pouco usava na altura, tirando a TANDBERG de fita, portátil, da Rádio Altitude ou a UHER da Rádio Renascença.
Recordas-te dos teus primeiros vinis? Quais eram os cantores ou grupos preferidos?
Tudo o que tocava na altura. Eu comprava muita música de vinil, singles e Lps…todo o dinheiro que os meus pais me davam eu investia em música…ainda hoje possuo uma discoteca de milhares de exemplares em vinil e também agora em Cds
Quanto aos grupos preferidos da época, não posso deixar de referenciar os Beatles, os Rolling Stones, Creedence Clearwater Revival, Led Zeepllin, Pink Floyd,entre outros .
Ainda conservas os teus primeiros vinis? E cassetes?
Conservo tanto os vinis como as cassetes. Aliás no estúdio de radiodifusão que possuo atualmente, embora seja um estúdio moderno já com equipamento digital, também tem gravadores de cassetes a funcionarem, de onde destaco os velhinhos Marantz profissionais portáteis PM222.
Por essa altura acompanhavas, com frequência o José Ayres (que além de distinto fotógrafo trabalhava para a RTP). Qual foi a influência dele na tua atividade no campo da comunicação social?
Teve toda a influência. Aliás foi através dele que entrei no mundo da rádio e da comunicação…Foi a sua influência que conseguiu a abertura de portas na Rádio Altitude, a minha porta de entrada na Comunicação Social.
Outro homem muito importante para a minha integração foi o Antunes Ferreira que, desde o primeiro momento, me deu a mão e me ensinou bastante, tendo sido a influência para a minha entrada na Rádio Renascença.
Como surgiu, e quando, a tua ligação com a Rádio Altitude?
Como já expliquei a minha ligação com a Rádio Altitude surge em finais de 1973 princípios de 1974… recordo-me que o meu programa que era gravado, começou ainda no tempo da censura.
Na altura a RA tinha dois administradores, o Antunes Ferreira e o Carvalhinho que era quem censurava os textos dos programas, e as notícias que iam ao microfone, pela voz do Vaz Júnior
Quais foram os teus primeiros trabalhos informativos para a Rádio Altitude?
Não me recorda já bem do ano, mas talvez em 1976. Eu ficava fascinado com a forma como se trabalhava... as gravações dos RMs (registos magnéticos) na “Ferrograph” (máquina profissional de fita magnética), onde se inseriam sem qualquer critério de importância de alinhamento as gravações a incluir nos noticiários do RA.
Foi reformada a redação talvez pelo ano de 1977/78 e foi criada uma redação em Viseu. Na altura tomávamos conta das notícias o Helder Sequeira, o Francisco Carvalho, o Emílio Aragonez, o António Jose Teixeira e eu.
Viseu enviava um pequeno noticiário com notícias da região que era inserido no noticiário das 12h30. Como a Rádio emitia em Onda Média, ouvia-se bem na região de Viseu, o que justificou a criação de uma segunda redação.
Eu gravava em minha casa as intervenções dos correspondentes da região de Viseu e inseria nos noticiários da Guarda, com outras noticias de Viseu ....depois a redação da Guarda prosseguia o noticiário
Asseguravas a cobertura informativa, quase diária, para os noticiários da Rádio Altitude. Como tinhas estruturada a tua rede de correspondentes e as tuas fontes de informação?
Criei então uma rede, que contemplava um correspondente em cada concelho, embora na prática só intervinham com a sua voz gravada os correspondentes de zonas onde a rádio entrava e era ouvida.
Os correspondentes eram a minha fonte de informação...depois havia a imprensa regional da época e os contactos na polícia e no hospital…tudo era tido em conta.
Que equipamentos utilizavas e como era feito o envio para os estúdios na Guarda?
O envio era feito pelo telefone através de um OB, muito rudimentar, construído por mim, embora mais tarde utilizasse o Shure da Rádio Renascença, uma vez que estava a trabalhar também com eles na área da informação.
Aquilo era uma pequena caixinha que se ligava através de duas pinças à caixa do telefone…depois punha-se o gravador em formato de gravação para amplificar a voz e o som lá saia com qualidade, muito diferente do som normal de telefone…(também servia para gravar os correspondentes) porque recebia e enviava pelo mesmo modo …mais tarde vieram os híbridos telefónicos e tudo ficou mais simples
Asseguravas também a cobertura do desporto?
Penso também que sim, embora só as notícias…que eram depois escrutinadas pela equipa do desporto do RA, mas não fazia relatos
Em Viseu a tua atividade dinamizou várias iniciativas, que tiveram como palco o Rossio e a Feira de São Mateus. O que recordas desse período?
O aniversario do meu programa de rádio no Altitude…o “Tempo de Juventude” que era gravado em Viseu nos estúdios da Electro Carmo, que a empresa criou para eu poder gravar em Viseu as emissões.
Na festa da aniversário que decorreu no Pavilhão da Feira de S Mateus foram envolvidas várias associações de Viseu e contou com teatro, folclore e grupos musicais.
A Rádio Altitude decidiu, então, vir a Viseu nesse dia com o Antunes Ferreira e o Luís Coito para me entregarem pessoalmente nesse espetáculo a medalha dos 25 anos do RA.
Quais os/as colegas que recordas dessa época, em Viseu e na Guarda?
Na Guarda o Abel Vergílio, o Vaz Júnior, o António Pinheiro, o Emílio Aragonez, o Antunes Ferreira, o Luís Coito, o Luís Coutinho, o Padre Vergílio Arderius, o Francisco Carvalho e o Helder Sequeira, entre outros.
As pessoas identificavam-no no exterior, reconheciam a tua voz? Como era a reação das pessoas?
Tinha uma voz que era agradável, e as pessoas identificam-me pela voz …eu era o magrinho da voz forte
O teu percurso na Rádio passa também pela Guarda onde tiveste funções diretivas no Altitude. Era a época das novas estações de rádio e de novos desafios. O que significou para ti esse tempo?
Foi uma grande experiência para mim ter vindo da RDP para a direção da Rádio Altitude, a convite da então Governadora Civil da Guarda, Marília Raimundo e do Helder Sequeira… Na altura ainda funcionava a onda média, mas já tinham o FM, e eu criei duas programações distintas, uma para FM outra para Onda Média.
Vim também a dirigir a informação da rádio, criando uma agenda de serviços para cobertura de acontecimentos, mas os tempos eram outros… havia outras ferramentas…surgiram os primeiros computadores então oferecidos pela Governadora Civil que vieram facilitar em muito a missão.
Os jornalistas escreviam as notícias à mão, mais tarde na máquina de escrever e por fim nos computadores onde se podia guardar tudo…foi a revolução; na técnica também deixamos de gravar em fita para passar a gravar em computador o que simplificou as coisas.
Como vias a relação entre a Rádio e a Cidade/Região? Há algum episódio que te tenha marcado?
A Rádio Altitude tinha muito prestígio na cidade e na região. A voz do Altitude era respeitada por todos.
As pessoas ligavam para a rádio para dar a conhecer este ou aquele acontecimento…até nos acidentes era para nós que as vezes ligavam primeiro.
Para além do Altitude há também uma ligação profissional a outras estações, nomeadamente à Rádio Renascença? Fala-nos dessa atividade e das estações onde ocorreu o teu trabalho como jornalista.
Como já referi anteriormente a minha ligação à RR passa pelo Altitude…fui indicado pelo Antunes Ferreira, quando a RR criou a equipa nacional de correspondentes distritais.
A RA era o correspondente na Guarda da Rádio Renascença e eu era o Correspondente de Viseu.
Até agora qual foi a tua experiência mais positiva na rádio?
A mais positiva foi o ter de assegurar a direção geral de uma rádio em Viseu (Rádio No Ar) e reformatar toda a programação, criando tipologias de programas de acordo com o publico alvo /ouvintes do segmento rádio.
Ao organizar a equipa, consegui aperceber-me das vocações de cada um e todos foram colocados no lugar certo, executando as funções para as quais estavam vocacionados (animação, jornalismo/noticiários/ reportagem de rua, e entrevista em estúdio), pelo que o resultado final foi fabuloso. A rádio subiu as audiências e começou a faturar em publicidade.
A rádio do passado e do presente: diferenças, semelhanças, desafios?
Eu penso que no meio rádio no passado havia mais criatividade.
Os programas eram de autor, pensados e idealizados com muito cuidado. Escolhia-se criteriosamente a música a passar e os textos para complementar a produção dos conteúdos. Hoje as rádios passaram a ser playlists musicais...e são quase todas iguais nos conteúdos, o que é mau…faltam os programas de autor
Hoje é mais fácil o acesso à produção de programas de rádio?
É tudo mais fácil, devido às ferramentas existentes… as novas tecnologias. Hoje pode fazer-se rádio na Web a partir de casa, com pouco equipamento e muita qualidade. A informática veio revolucionar o meio rádio.
Atualmente, e sem perderes a tua ligação à música dos anos da tua geração, tens também trabalhado como DJ. Como surge esta faceta?
A atividade de DJ surge numa altura em que entro para o Grupo Media capital rádios, - Rádio Clube Português – Rádio Clube (projeto de rádio informativa) e M80 Rádio. Foi aqui que despertei a vocação de DJ ao ver os colegas de Lisboa a passarem música em festas da Rádio.
Aproveitei a minha passagem por Lisboa e tirei lá o curso de Dj no Centro de Formação para DJs da Pioneer (i4DJ). Tirei dois cursos e hoje passo música dos anos 80 em todo o lado. Cada noite é um sucesso!... Sou requisitado para muitas atuações, tendo os meses quase sempre fechados com datas para tocar, aos fins de semana.
É um trabalho que gostas de fazer?
Adoro pelo contacto com as pessoas, …depois é o tipo de música que faz mexer toda a gente.
Que outras coisas gostas de fazer nos teus tempos livres?
Oiço muito rádios estrangeiras temáticas, para ver as tendências e os estilos, gosto muito de ler, procuro estar ao par das inovações tecnológicas do meio rádio, e ver televisão, noticias, filmes e música.
Como vês hoje a Guarda? Acompanhas o que se passa aqui?
Não estou muito a par do que passa na Guarda atualmente, mas devo confessar que gosto muito das pessoas da Guarda… sempre me trataram muito bem e souberam respeitar o meu valor.
Achas que as cidades da Guarda e Viseu estão mais próximas?
Acho que sim, mas no campo político a aproximação devia traduzir-se em cooperações mais alargadas que fomentassem mais valias para ambas as cidades.
H.S.
Em 1973 Francisco Carvalho entrou para a Rádio Altitude (RA) e, desde então, tornou-se uma voz inconfundível da atividade radiofónica construída a partir da mais alta cidade de Portugal.
Juntamente com Luís Celínio, produziu a partir desse ano o programa “Escape Livre” o programa de com mais longevidade em Portugal. Francisco Carvalho entrou para os quadros da Rádio Altitude em 1978, “primeiro como animador de emissão e depois como jornalista”.
Saiu da RA 1990, “para integrar a equipa fundadora da Rádio F”, onde trabalhou quatro anos, após o que ocorreu o regresso à Rádio Altitude, onde esteve até há algumas semanas atrás.
Iniciado que está um novo ciclo na sua vida, não vai por de parte a sua voz, num tempo onde cabe também espaço para a escrita e memórias, como disse ao CORREIO DA GUARDA.
Sobre a cidade onde continua a residir, Francisco Carvalho considera que é preciso “menos invejas e mais gente empreendedora”, acrescentando que, na região, “houve uma evolução desorganizada. Tem faltado planeamento e visão de futuro. Diria que na grande maioria dos casos falta aos autarcas preparação adequada para o exercício dos cargos.”
Como e quando ocorreu a tua entrada para a rádio?
Como profissional aconteceu por mero acaso.
Tinha regressado de Lisboa, onde estudei no ISLA, e na altura dava aulas de geografia na Escola Secundária Afonso de Albuquerque quando fui convidado para fazer algumas horas de locução, como se dizia na altura.
Comecei, naturalmente, pelos discos pedidos que naquela altura preenchiam grande parte da programação.
Depois fui passando aos poucos para a informação e para os noticiários regionais.
Que nomes recordas dessa época?
Alguns dos que me convidaram e incentivaram na altura.
Antunes Ferreira, Emílio Aragonez, Luís Coutinho, Virgílio Ardérius, Luís Coito e José Domingos, entre outros.
Na Redação da Rádio Altitude, com Emílio Aragonez, início da década de oitenta
Nessa época o que havia de diferente na programação da(s) rádio(os)?
Era tudo muito diferente!
A informação era de certa forma “artesanal", feita sobretudo por colaboradores que iam à rádio algumas horas por dia fazer os noticiários e o resto da programação que era, em maioria, preenchida com discos pedidos.
Lembro que naquela época (década de 70) ainda não tinha acontecido o “boom" das rádios locais e não havia jornalistas profissionais no mercado – nem sequer possibilidade de os contratar porque o quadro da rádio só comportava três profissionais: o encarregado-geral, um locutor e um administrativo).
Hoje há mais gente profissional, mais rigor e o telefone foi substituído pelo computador.
Que música ou músicas estiveram/estão na tua preferência?
Pink Floyd, Genesis, Queen, Bruce Springsteen John Legend, Joe Cocker, Alicia Keyes, entre outros.
Por muitos motivos – e não apenas pela música – valeu a pena ter vivido intensamente os anos 80. Nunca mais haverá uma década assim (digo eu !!)
Continuas a ouvir mais música ou notícias?
Música de vez em quando. Notícias sempre.
Quando começou a tua ligação ao jornalismo?
Como já disse, fui incentivado por alguns colegas mais velhos que na altura faziam a informação regional.
Aos poucos fui deixando a música e comecei a escrever e a apresentar noticiários
Qual foi notícia sobre a cidade que mais prazer te deu em transmitires aos ouvintes? E a pior?
No primeiro caso talvez tenha sido o anúncio da presidência aberta de Mário Soares na Guarda – que tive oportunidade de entrevistar em Belém, juntamente com o António José Teixeira.
Achei que poderia ser uma grande oportunidade para a Guarda começar a aparecer no mapa com o mediatismo de uma visita presidencial de vários dias.
As piores notícias tiveram naturalmente a ver com a morte de pessoas.
Por dever de ofício acorri a vários acidentes no antigo IP5 e cada vez que lá fui raramente trouxe boas histórias para contar. Tantas mortes que podiam ter sido evitadas se tivessem construído logo a auto estrada!
O grande acidente ferroviário de Alcafache (Mangualde) que cobri também a nível nacional (RR), com a ajuda do Carlos Martins, foi outro acontecimento que me marcou bastante assim como, mais recentemente, os incêndios de 2017 que fizeram várias vítimas mortais no distrito.
Que diferenças notas ao nível do jornalismo em Portugal, confrontando o passado com o presente?
Agora é mais rigoroso e interventivo.
Há profissionais muito mais qualificados e as novas ferramentas tecnológicas que temos à disposição também ajudam muito.
Hoje o jornalista passa demasiado tempo na redação?
Talvez sim. Mas é preciso dizer que em relação por exemplo à investigação, com os meios disponíveis em redações geralmente pequenas, não há grande possibilidade de ter um ou dois jornalistas dedicados em exclusividade.
No resto acho que poderia haver mais sensibilidade para procurar histórias que interessem à generalidade das pessoas.
Mas lá está, se somos imprescindíveis na redação ou no estúdio não podemos estar noutras tarefas.
O Desporto foi uma das áreas da tua preferência? Porquê?
Pratiquei desporto no liceu e essa área sempre me interessou, mais do que a política por exemplo.
Primeiro foi o automobilismo por via do programa Escape Livre – chegámos a ir ao rally de Monte Carlo e às 24 horas de Le Mans – e depois comecei a interessar-me mais pelo futebol.
Tiveste, também, uma colaboração com a imprensa desportiva. Fala-nos desse período?
Foi na altura em que a saudosa Associação Cultural e Desportiva da Guarda era um dos postais da cidade e o clube mais importante do distrito, com participações regulares no então Campeonato Nacional da Segunda Divisão.
Para além dos trabalhos para a rádio comecei nessa altura uma colaboração com o jornal O Jogo, com comentários e reportagens sempre que a equipa jogava em casa.
Mais tarde, a convite do Fernando Paulouro, iniciei uma colaboração com o Jornal do Fundão na altura em que começaram a editar um suplemento semanal de desporto.
O meu trabalho era coordenar e editar o trabalho de uma série de correspondentes desportivos que faziam o resumo dos jogos do campeonato distrital de futebol.
Sem as tecnologias que temos hoje era um funcionário do jornal que ao domingo à noite vinha do Fundão recolher o material à Guarda!
A recolha dos resultados desportivos era muito diferente do que acontece na atualidade. Era um trabalho difícil?
Não era fácil. Quando os campos de futebol não tinham telefone (e geralmente não tinham…) era preciso encontrar uma pessoa de confiança que ligava para a redação a dar o resultado final do jogo, ou então tínhamos de ligar para o café mais próximo!
Que confronto fazes entre o panorama desportivo de algumas décadas atrás e o de hoje?
Apesar de todas as limitações antigamente julgo que era mais saudável. Hoje já não tenho paciência para ver grande parte dos programas televisivos sobre futebol.
Pouco se discute o jogo e o que interessa são as polémicas.
Já nem falo dos critérios jornalísticos e das regras deontológicas!
O que te levou a optares pela Guarda, em termos profissionais?
Não foi uma questão de opção foi uma questão de oportunidade.
Atualmente tomarias a mesma opção?
Se tivesse alternativa pensaria duas vezes.
O que pensas da evolução da Guarda, cidade e região, ao longo da tua vida de jornalista?
Houve uma evolução desorganizada. Tem faltado planeamento e visão de futuro.
Diria que na grande maioria dos casos falta aos autarcas preparação adequada para o exercício dos cargos.
Isto não vai lá só com os cartões partidários!
E também é evidente que os governos de Lisboa estão-se nas tintas para o resto do país.
O que falta na Guarda?
Menos invejas e mais gente empreendedora.
O problema é que somos cada vez menos!...
Achas que as pessoas conhecem ou valorizam a dimensão radiofónica que a Guarda teve, sobretudo antes do alargamento do espetro radioelétrico?
De uma vez por todas a cidade – e os decisores – tem de saber valorizar essa importância. Cada vez que passo pelos pavilhões em ruínas do antigo sanatório não deixo de pensar que bem ali ficaria o museu da saúde e da rádio.
A Guarda tem a rádio local mais antiga do país e uma história importante para contar concentrada no atual Parque da Saúde.
A história da rádio, na Guarda, está ainda por fazer?
Já foi feita em boa parte graças também ao autor deste blogue (Hélder Sequeira). Mas sim, ainda há gente pouco informada sobre a importância da rádio no passado e no presente da cidade e da região.
Afinal temos a rádio local mais antiga do país e isso tem de ser valorizado, até para não deixar cair no esquecimento os pioneiros da Rádio Altitude com Martins Queirós, à cabeça.
Tens projetos em mente para este novo ciclo da tua vida?
Continuar a aproveitar a voz que Deus me deu, escrever, viajar e começar a organizar o baú das memórias.
Na Guarda falta “ambição e união entre os agentes locais que reivindiquem e pressionem mais o poder central”, diz-nos Paula Pinto.
Natural da Guarda, 53 anos, dedicou cerca de trinta anos da sua vida profissional à Comunicação, Jornalismo e Assessoria de Imprensa.
A sua carreira profissional desenrolou-se na rádio, imprensa escrita e televisão, intercalando com a assessoria de imprensa, sempre em territórios das Beiras; região em que continua a ter grande esperança. “Acredito plenamente no interior, nas suas potencialidades e no seu repovoamento. Acredito que o interior pode vir a ser o grande vencedor desta pandemia e consequente crise.”
Há cinco anos, por imperativos familiares, mudou-se para a cidade alentejana de Évora, onde reside e trabalha atualmente.
Por opção, em 2019 reconverteu a sua vida profissional. Após qualificação com formação na área da cozinha ingressou novamente no mercado de trabalho.
O que é feito de si? O que faz atualmente?
Resido há cinco anos em Évora, no Alentejo. Após reconversão profissional voltei à vida ativa e sou, desde há dois anos, um dos elementos da brigada de cozinha do Hotel de 5 estrelas M’Ar de Ar Aqueduto nesta cidade alentejana.
Que comparação ou diferenças acentua entre a Guarda e a cidade onde vive atualmente?
São territórios completamente diferentes. Há diferenças vertiginosas em vários aspetos. Não obstante tratar-se de uma cidade Património Mundial, Évora é, lamento dizer, uma cidade suja, sem educação ambiental, com muitas lacunas urbanísticas e com investimento público muito deficitário.
É detentora de um vasto património monumental incrível, de enorme beleza, todavia o que transpõe essa monumentalidade é, na minha opinião, lamentável.
Já não estava habituada a ver pacotes de sumo, garrafas de água, caixas de cigarros, embalagens de tudo e mais alguma coisa atirados ao chão. Nem a ter que estacionar, em pleno perímetro urbano, em parques de terra batida, nem a ver rotundas repletas de erva.
São estas diferenças que me fazem constatar que a Guarda é exemplar e deve orgulhar-se de si própria pelas qualidades sociais, culturais, geográficas, etc, que possui.
Guarda boas memórias do jornalismo?
Sim guardo. Imensas!
Rádio ou televisão? Em qual destas áreas gostou mais de trabalhar?
Ambas! Fui muito feliz nas duas e cada uma teve o seu papel determinante na consolidação da minha carreira. Ambas foram duas boas “escolas”.
Que episódios positivos ou negativos regista do seu trabalho como jornalista?
Genericamente são mais os episódios positivos do que negativos aqueles que sobressaem.
Sou do tempo anterior às novas tecnologias e isso, por si só, representou/desencadeou outra formação e outras exigências no exercício da profissão.
Paralelamente havia e honravam-se valores que hoje estão extintos ao nível do trabalho de equipa. Também tive a felicidade de ter trabalhado sempre em redações do interior, nos territórios de baixa densidade, que obriga a desenvolver a polivalência desejável para as múltiplas abordagens jornalísticas.
Qual a mais-valia da Guarda?
Várias. A Guarda tem muito potencial! Tem grandes argumentos acrescidos ao epíteto dos 5 efes.
Tem património arquitetónico, geográfico, social, cultural, endógeno, tem belíssima acessibilidade, tem o melhor ar, gente maravilhosa, mas tem os problemas transversais a todos os territórios do interior.
E o que falta na Guarda?
Ambição e união entre os agentes locais que reivindiquem e pressionem mais o poder central.
Também falta mais investimento privado que possa atrair gente de fora.
Vivemos um tempo incerto sim! Mas se há algo positivo nesta pandemia é o crescimento do turismo nacional. Os portugueses passaram a viajar por todos os recantos do país. Precisam é de argumentos para o fazer...
O seu futuro vai cruzar-se ainda com esta região?
Certamente que sim! A vida ensinou-me a não fazer projetos a longo prazo, mas o sonho contempla o regresso à região.
Tem pensado alguns novos projetos?
Como disse, não alimento projetos a longo prazo; apenas sonhos! De uma coisa tenho a certeza: acredito plenamente no interior, nas suas potencialidades e no seu repovoamento.
Acredito que o interior pode vir a ser o grande vencedor desta pandemia e consequente crise.
A Rádio Altitude (RA) vai passar a ser dirigida, a partir de amanhã, pelo jornalista Luís Batista Martins, diretor do semanário O Interior. O novo responsável, que substitui o jornalista Rui Isidro, acumulará as funções de diretor de informação e programas.
Recorde-se, e como tivemos já a oportunidade de escrever, que esta estação emissora tem interessantes particularidades, originada no seio das experiências radiofónicas que ocorreram no Sanatório Sousa Martins, cerca de 1946.
Nessa altura, as rudimentares emissões circunscreviam-se ao pavilhão onde estava concentrado o grupo de doentes pioneiros deste projeto e apenas com a construção de novo emissor foi ganhando dimensão a aventura radiofónica. Em 1947, Ladislau Patrício (cunhado do poeta Augusto Gil), diretor do Sanatório, assinou, a 21 de Outubro, o primeiro regulamento desta emissora, onde estavam definidas orientações muito objetivas sobre o seu funcionamento.
Em finais desse ano as suas emissões já eram escutadas na malha urbana da Guarda, que seguiu, com particular entusiasmo, o início oficial das emissões regulares, assinalado a 29 de Julho de 1948; um ano depois (1949) foi-lhe atribuído o indicativo CSB 21, identidade difundida por várias décadas, a partir do alto da serra, “eterna como o sol que alumia o mundo”, na expressão Nuno de Montemor. Este escritor, diga-se, fez parte do grupo inicial de ouvintes da rádio. Sobre a rádio deixou, aliás, as suas impressões nas páginas de outro pilar informativo do Sanatório: o jornal Bola de Neve.
A propriedade do primeiro emissor pertenceu, inicialmente, à Caixa Recreativa do Internados no Sanatório Sousa Martins e, mais tarde, com a sua extinção, ao Centro Educacional e Recuperador da unidade hospitalar vocacionada para o tratamento da tuberculose. Com a criação do Centro Educacional e Recuperador dos Internados no Sanatório Sousa Martins (CERISSM) pretendeu-se auxiliar os doentes, especialmente no que dizia respeito “à sua promoção social e ocupação dos tempos livres”.
Aliás, foi no seio dos sanatórios que surgiram interessantes projetos radiofónicos – como seja a Rádio Pólo Norte, no Sanatório do Caramulo, e a Rádio Pinóquio, no Sanatório das Penhas da Saúde, Covilhã, para referirmos os mais próximos.
O CERISSM foi uma autêntica instituição de solidariedade; para além de viabilizar a afirmação e implantação da Rádio Altitude desenvolveu uma vasta obra assistencial, sob o impulso do médico Martins de Queirós, o quarto e último diretor do Sanatório da Guarda.
Em 1961, mediante autorização oficial, o RA passou a ter como suporte económico-financeiro as receitas publicitárias que em muito contribuiriam para o auxílio dos doentes mais carenciados.
As emissões evoluíram, ao longo das primeiras décadas em função das disponibilidades técnicas, dos recursos humanos e financeiros mas encontrando sempre no, crescente auditório, uma grande simpatia e um apoio incondicional.
Até 1980 a Rádio Altitude emitiu na frequência de 1495 Khz, em onda média (abrangendo não só o distrito da Guarda mas igualmente os distritos de Viseu e Castelo Branco e algumas das suas áreas limítrofes), altura em que a sua sintonia passou a ser feita no quadrante dos 1584 khz.
Após 1986, e com a liberalização do espectro radioelétrico passou também a desenvolver as suas emissões em frequência modulada, em 107.7 Mhz, a qual foi alterada, em 1991, para os 90.9 Mhz.
Em 1998, e depois de ter sido determinada a extinção do Centro Educacional e Recuperador dos Internados no Sanatório Sousa Martins, foi decidida a realização de uma consulta pública, com vista à “transmissão da universalidade designada Rádio Altitude”, considerada a “única estrutura em funcionamento do ex-CERISSM”.
A estação emissora entrou assim, com a sua aquisição por parte da Radialtitude–Sociedade de Comunicação da Guarda, num capítulo novo da sua existência, mantendo a ligação física ao antigo espaço sanatorial.
Como dissemos, esta é uma rádio muito particular, de afetos, de memórias, vivências, amizades, dedicação, de serviço público, de criatividade, de formação, do interior das Beiras, hoje rádio global, de futuro.
As emissões radiofónicas passam hoje, em larga medida, pelo meio digital, num cada vez mais recorrente recurso às modernas aplicações e tecnologias.
A rádio, a sua forma de estar e responder, evoluiu e, felizmente, acaba por estar ainda mais perto e envolvendo de forma invisível o nosso quotidiano. Presença entendida como plena confirmação de que o meio rádio não pereceu perante o digital e as novas tecnologias, antes encontrou novos pilares de sustentabilidade e de maior interação com o seu público.
A generalidade dos equipamentos que usamos no dia-a-dia, desde logo o telemóvel, o tablet ou outras expressões da materialização do progresso tecnológico, facilitam-nos e proporcionam o encontro com a rádio; mas para além das emissões em direto não se podem esquecer as vantagens proporcionadas pelo podcast. Neste contexto, para além de acrescentarmos que esta é uma das novas virtualidades exploradas pela rádio, convém sublinhar a mudança de paradigma do perfil da rádio local. Ainda neste ponto, não será despropositado afirmar que a Rádio Altitude nunca esteve confinada a um figurino de rádio local, nem a um certo significado pejorativo que muitos gostam de associar.
Recordemos que, enquanto existiram as emissões em onda média – e mercê das condições de rentabilização do seu emissor, da localização geográfica – o raio de abrangência englobou zonas muito diferenciadas e mais ou menos distantes desta cidade. Posteriormente, e uma vez mais potencializando as vantagens de emitir a partir da cidade mais alta do país, a rádio projetou as suas emissões muito para além das fronteiras traçadas nas páginas dos diplomas regulamentadores da atividade radiofónica; ou seja a identificação como rádio local nunca foi a mais justa, e a dimensão de regional será, em qualquer análise, sempre mais adequada quando se escreve sobre a história da radiodifusão.
Hoje, para além do estatuto conseguido por mérito próprio e pela sua ímpar longevidade, enquanto rádio que se afirmou a partir do denominado interior do país o Altitude atingiu uma nova escala. Aqui está, objetivamente, o contributo dado pela tecnologia. Caiu, e retomando, a linha de análise atrás encetada, o conceito de rádio local.
Mesmo assim, a Rádio continua a ter um relevante papel como consciência e memória regional; tem, decorrente da sua função social, uma missão importante na gestão da mudança de mentalidades, do esclarecimento do público, do confronto de ideias e da salvaguarda da memória.
Esta função social da rádio deve continuar a prevalecer, mesmo face ao desenvolvimento das tecnologias da informação. A pluralidade de novos canais de informação criou cenários completamente novos, onde se torna fundamental uma atitude de inequívoco profissionalismo, objetivos claros, estratégias adequadas e uma consciência permanente dos desafios tecnológicos.
Esgotados muitos dos modelos tradicionais e modificados os graus de exigência por parte dos ouvintes, torna-se necessário aferir permanentemente os projetos e acentuar o espírito criativo.
Este, considerando o contexto económico e social, é fundamental para uma afirmação qualitativa no espectro radiofónico nacional, onde pereceram já muitas estações surgidas aquando do florescimento das rádios locais.
Os desafios da Rádio são imensos, no dia-a-dia; hoje não é apenas no plano das ondas hertzianas que tem de ser posicionada a proposta radiofónica; a rádio tem de assegurar uma estratégia rigorosa e clara no vasto horizonte da emissão on line. A rádio já não é, há muito, uma linha musical intercalada pela voz do animador de emissão, com a terminologia uniforme de muitas estações e reedição de programas que funcionavam como plataforma de troca de mensagens ou repositórios de modelos ultrapassados.
O fortalecimento da sua presença será sustentado, em larga medida, pela atenção à realidade social, económica, cultural e política da região onde a Rádio está sediada; as pessoas para além do entretenimento ou companhia que a rádio lhes proporciona querem uma informação rápida, sobre a hora ou o acontecimento que mais lhe diz respeito ou as afetam. E querem igualmente um interlocutor atento, objetivo e credível; querem uma rádio com gente dentro, de entrega a um serviço público, solidário, afetivo.
Uma rádio que questione, esclareça, atue pedagogicamente, aponte erros, noticie triunfos, sinta e transmita o pulsar da região, chame a si novos públicos.
Sabemos que não é um trabalho fácil mas o êxito constrói-se com competência. perseverança, criatividade e sentido de responsabilidade. ( Hélder Sequeira )
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