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Na Guarda decorreu ontem a apresentação de três livros e uma coletânea, no âmbito das comemorações dos 50 anos de abril, e teve ainda lugar uma homenagem a João José Gomes.
“A Guarda e os 25 de Abril: Memória(s) e Desafios”- coletânea; “Uma Porta para a Liberdade, o Ser e o Agir: breve Biografia de Luís Erse Baeta de Campos”, “Cândido da Conceição Pimenta: O Resistente” e “Augusto José Monteiro Valente, Major-General do Exército Português (1944-2012), Capitão de Abril: Republicano, Cidadão e Historiador” foram as obras apresentadas na sessão que decorreu na ExpoEcclesia, a partir das 16 horas.
“A Guarda e os 25 de Abril: Memória(s) e Desafios” é apresentada como “pretexto para ouvir vozes de abril na sua diversidade e complexidade. São vozes da Guarda de várias décadas, de idades e formações muito variadas”, sendo salientado que “os que escreveram representam todos os outros, quiseram dizer que estão cá e que a Guarda merece ser pensada, sem ter que aceitar os acasos e os destinos da vida. O destino escreve-se com vontade, verdade, confronto e persistência. A Guarda, sob o manto do cinzentismo”.
“Uma Porta para a Liberdade, o Ser e o Agir: breve Biografia de Luís Erse Baeta de Campos”, de Luísa Campos, evoca o “médico, humanista, democrata e um lutador incansável pela justiça e pela dignidade” que se tornou “uma voz da resistência e de mudança, defendendo valores de liberdade e democracia, mesmo quando isso implicava enfrentar o regime autoritário”.
O livro “Cândido da Conceição Pimenta: O Resistente”, da autoria de Leandro Pragana Pimenta, fala de “um homem cuja vida é profundamente marcada pela resistência antifascista em Portugal”, aludindo a um percurso que não é “apenas uma crónica de sofrimento, mas também um testemunho de profunda humanidade e resiliência”. Cândido Pimenta, como escreve o seu neto, é “um resistente cuja vida é um exemplo eterno da luta pelo que há de mais valioso: a dignidade humana”.
Anabela Nunes Monteiro é autora da publicação “Augusto José Monteiro Valente, Major-General do Exército Português (1944-2012), Capitão de abril: Republicano, Cidadão e Historiador”.
Na introdução é sublinhado que Monteiro Valente se afirmou como “um homem firme nas suas convicções e justo nas suas ações, respeitado e admirado por camaradas e superiores”, cuja “humildade despontava, nunca assumindo atitudes de exaltação pela sua participação na Revolução dos Cravos ou qualquer outro êxito inerente ao seu percurso militar e académico”.
Nos parágrafos iniciais é anotado que Augusto Monteiro Valente “não se limitou a ser apenas um militar distinto. Tornou-se também historiador, investigador atento e cidadão empenhado nas suas causas culturais e sociais”.
Nesta sessão foi ainda feita uma homenagem a João José Gomes, com a exibição de um documentário que incluiu diversos testemunhos sobre esta personalidade guardense, para quem foi sugerida a perpetuação da sua memória através da estatuária citadina.
João Gomes é um nome que bem se pode traduzir por grande e exemplar democrata, homem de vasta cultura e humanidade, advogado brilhante, orador apreciado, socialista distinto; um homem sempre fiel aos valores que constituíram a sua ideologia democrática; tutelou uma enorme atividade política, bateu-se pela liberdade, por princípios e ideias; esteve sempre na linha da frente dos interesses desta cidade, do distrito, do interior.
Em entrevista publicada no primeiro número do quinzenário “Notícias da Guarda” comentava, a propósito das suas funções como Governador Civil que “a maior parte das pessoas vêm para estes lugares para se servirem e terem naturalmente de dizer sim ao Governo. Eu sou capaz de dizer não, se o Governo, para além de certos limites, ofender certos princípios que possam ofender não só a minha dignidade, mas também os interesses da gente da minha terra”. João Gomes faleceu, em Lisboa, a 23 de maio de 2003.
“A liberdade – dizia João Gomes – é sempre a liberdade daquele que pensa de uma maneira diferente do que nós pensamos”. Veja mais informação aqui.
A poucos dias da comemoração dos cinquenta anos da revolução de abril é dever de memória evocarmos uma figura incontornável da luta pela liberdade e democracia.
Falamos do Dr. João Gomes, um nome que bem se pode traduzir por grande e exemplar democrata, homem de vasta cultura e humanidade, advogado brilhante, orador apreciado, socialista distinto; um homem sempre fiel aos valores que constituíram a sua ideologia democrática. “Grande advogado, orador inflamado e eloquente, João Gomes, foi até à sua morte indefetivelmente fiel às suas convicções republicanas de sempre”, escreveu Mário Soares numa publicação editada, em 2009 pela Câmara Municipal da Guarda.
João Gomes tutelou uma enorme atividade política, bateu-se pela liberdade, por princípios e ideias; esteve sempre na linha da frente dos interesses desta cidade, do distrito, do interior.
Mesmo quando exerceu as funções de Governador Civil do Distrito não hesitava em discordar – sempre que a sua consciência e o seu amor pela Guarda assim o exigiam – das diretrizes políticas ou opções estratégicas que, na sua opinião, não serviam ou não eram as melhores para a Beira Serra, terminologia que gostava de usar e à qual dava relevo mediático no programa radiofónico “Reflexões Políticas”, emitido, durante alguns anos, na Rádio Altitude.
Em entrevista publicada no primeiro número do quinzenário “Notícias da Guarda” comentava, a propósito das suas funções como Governador Civil que “a maior parte das pessoas vêm para estes lugares para se servirem e terem naturalmente de dizer sim ao Governo. Eu sou capaz de dizer não, se o Governo, para além de certos limites, ofender certos princípios que possam ofender não só a minha dignidade, mas também os interesses da gente da minha terra”.
O Dr. João Gomes em entrevista ao jornal Notícias da Guarda, publicada no primeiro número.
João Gomes nasceu a 26 de julho de 1912 na freguesia de Avelãs da Ribeira (concelho da Guarda), onde frequentou a instrução primária. Estudou, depois, no Liceu da Guarda e completou o curso liceal em Viseu, no ano letivo de 1928/29; no ano seguinte foi estudar Direito na Universidade de Coimbra, curso que concluiu em 1934.
A sua atividade profissional iniciou-se na Comarca de Celorico da Beira, como subdelegado do Procurador da República e no final do ano de 1935 vem trabalhar para o Cartório Notarial da Guarda, exercendo a partir do início de 1936 as funções de Conservador do Registo Predial da Guarda. A sua atividade como advogado inicia-se em novembro de 1937; no ano seguinte passou a estar ligado, como redator principal, ao “Distrito da Guarda”, semanário republicano regionalista.
Em 1945, João Gomes aderiu ao Movimento de Unidade Democrática (MUD); no ano de 1958 apoiou a candidatura do general Humberto Delgado à Presidência da República, presidindo à comissão distrital e dinamizando diversas ações e sessões eleitorais; nesse mesmo ano foi nomeado Delegado, na Guarda, da Ordem dos Advogados.
Nos anos seguintes desenvolveu uma determinada e notável ação política, no contexto da Oposição Democrática e como candidato, nas listas pelo distrito, à Assembleia Nacional.
Em abril de 1974 está na linha da frente do apoio ao Movimento das Forças Armadas, que saúda no decorrer da manifestação realizada a 26 desse mês junto ao Regimento de Infantaria 12, na Guarda; dois dias depois, juntamente com outras figuras políticas vai esperar Mário Soares na fronteira de Vilar Formoso.
Exerceu, no pós-25 de abril, funções docentes no Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, lecionando a disciplina de “Introdução à Política”. A partir de finais de 1975, foi o primeiro presidente da Delegação Distrital da Guarda da Cruz Vermelha Portuguesa.
Em 1977, como presidente da Comissão Executiva da Subcomissão Regional, João Gomes é o responsável pelo programa das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, realizadas na Guarda. No ano seguinte foi nomeado Diretor Distrital da Segurança Social do Distrito; em julho de 1983 tomou posse do cargo de Governador Civil do Distrito da Guarda, onde esteve até dezembro de 1985.
O Dr. João Gomes, Governador Civil da Guarda, nas I Jornadas de Imprensa Regional Organizadas pelo Notícias da Guarda.
“Esse lugar foi-me oferecido e quero acentuar que foi por uma questão moral que aceitei. Eu posso ser ainda útil ao meu distrito e essa foi uma das razões que me levaram a aceitar o cargo”. Afirmava, em janeiro de 1984 ao Notícias da Guarda. “Para mim, a política é, acima de tudo, um ato de honra, de carácter e dignidade. Isso é que não vejo em muita gente. Há muitas pessoas que aproveitam a política para outros fins, prejudicando realmente as verdadeiras posições doutrinárias e ideológicas”, acrescentava na entrevista que nos deu para esse jornal, deixando vincadas outras preocupações sobre a cidade e o distrito da Guarda, cuja unidade sempre defendeu.
Em novembro de 1985 foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade, pelo então Presidente da República. Ramalho Eanes considerou-o, num texto publicado em 2009, “um homem bom, que bem quis e soube render os seus talentos”, destacando também ser merecedor do epíteto de “Homem histórico”, “pela sua ação coerente, pela sua ação de uma vida, dedicada aos portugueses.”
Este ilustre guardense foi distinguido em várias ocasiões e lugares, nomeadamente pela Região Militar do Centro (em 1994) com a medalha de brasão de armas e pela Câmara Municipal da Guarda de quem recebeu, em 1988, a Medalha de Prata.
João Gomes faleceu, em Lisboa, a 23 de maio de 2003.
Aquando da comemoração dos 99 anos da implantação da República, a Guarda prestou-lhe uma justificada homenagem e a autarquia fez o lançamento do livro “João José Gomes – Homem do pensamento e da cultura / Homem da palavra e da acção”, que permite um melhor conhecimento do guardense que hoje recordamos; “advogado das liberdades e dos mais necessitados, mas sobretudo o intelectual que, sem desistência de qualquer tipo, sempre procurou estar totalmente atualizado com as grandes questões do nosso tempo”. Anotou Jorge Sampaio.
O seu nome passou está inscrito toponímia da Guarda, da sua cidade, numa rua da zona urbana do Torrão. Como lembrou a sua filha, João Gomes “serviu a Guarda desinteressadamente. Tinha a sua profissão e viveu dela. Nunca se serviu da política. Infelizmente, nem sempre foi compreendido. São, às vezes, ambições desmedidas e invejas mal contidas que provocam determinadas situações”. Escreveu Maria Isabel Gomes no livro atrás referenciado, onde Monteiro Valente (capitão de abril e o rosto da revolução na Guarda) sublinhou que preservar a memória de João Gomes “é fundamental para que as novas gerações compreendam melhor o que foi a ditadura e quanto custou a liberdade. Para que percebam também que o regime democrático em que vivem não foi o resultado de um acaso da história, de uma simples e normal mutação política, mas expressão culminante das aspirações de liberdade dos Portugueses”.
Honrar a memória de João Gomes passa por refletir sobre o seu exemplo, sobre sua vida e atividade política, sobre o seu pensamento, sobre o seu constante empenho no desenvolvimento social e cultural, sobre o seu contributo em prol das verdadeiras causas da cidade e do distrito, sobre o seu amor à Guarda e à liberdade.
“A liberdade – dizia João Gomes – é sempre a liberdade daquele que pensa de uma maneira diferente do que nós pensamos”.
Hélder Sequeira
Na toponímia guardense continuam ausentes nomes que deixaram marcas indeléveis na cidade. É o caso de Ernesto Pereira.
Jornalista, advogado e jurista, Ernesto Pereira – nascido na Guarda a 9 de Fevereiro de 1903 – deixou múltiplos, quanto dispersos, testemunhos das suas observações, análises, de uma inteligência lúcida e brilhante, de um trabalho determinado em prol do desenvolvimento da cidade.
Embora o seu espólio não seja substancial, legou-nos textos de excelente recorte literário, a par de outros onde emergem as suas convicções, a postura moral, uma personalidade forte, uma cultura vasta.
Licenciado em Direito, a paixão pelo jornalismo cresceu progressivamente, e em paralelo, com a sua dedicação à causa da Guarda; no início de 1926, fundou o jornal a Actualidade, projeto que prosseguiu um ano depois em Pinhel, onde se radicou por motivos de ordem profissional.
Naquela cidade integrou a Comissão Orientadora da Frente Única Republicana, empenhando-se, por outro lado, na revitalização da corporação dos Bombeiros Voluntários. Fundou, na cidade falcão, o Colégio, do qual não pôde ser Diretor porque o Ministério da tutela o considerava da oposição ao sistema político vigente.
Como por várias vezes deixou claro, o causídico guardense não era pessoa para desistir perante as contrariedades. “Por mil vezes que a pedra se despenhe, voltarei, com muitos esforços, canseiras e sacrifícios, a empurrá-la. E nunca desistirei – porque nunca desiste o homem verdadeiramente digno desse nome”; uma predisposição que demonstrava também na barra do Tribunal, independentemente da complexidade dos processos, servindo-se das suas qualidades oratórias, em tantas ocasiões postas ao serviço de casos que sabia, à partida, dificilmente seriam remunerados.
Num processo julgado no Tribunal da Guarda, em que eram acusados alguns estudantes por desrespeito a um agente da autoridade, Ernesto Pereira assumiu a defesa dos jovens, sem indagar ou avaliar as possibilidades económicas dos mesmos; tendo-se, dirigindo ao Juiz, sustentou que “tão digna é a toga que V. Exª usa como a capa negra de um estudante”.
Depois de uma passagem, profissional, pelo Porto voltou à Guarda onde, a partir de 1942, foi editor da Revista Altitude. Lutou pela criação do Museu da Guarda onde viria a assumir funções diretivas.
Empossado no cargo de Presidente da Câmara Municipal da Guarda em 1946, empenhou-se, desde logo, na construção do Hotel de Turismo, na linha dos argumentos que há muito vinha divulgando acerca da urgência de a cidade se desenvolver do ponto de vista turístico. Por certo seria a pensar nos potenciais visitantes que, junto da Direcção Geral da Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses, defendeu a “justa regalia de que a Guarda sempre gozou por poder dispor de uma carruagem directa Guarda/Lisboa – regalia que certamente não lhe será negada”.
Os problemas urbanísticos estiveram, igualmente, no rol das preocupações do edil guardense. A localização do Colégio Feminino, o novo Cine Teatro, a regularização do Bairro do Bonfim (e da entrada da cidade por esse lado), a abertura dos arruamentos de acesso à Sé, bem como a urbanização da Guarda-Gare foram assuntos devidamente equacionados junto das entidades por quem passava a sua resolução.
No ano seguinte foi nomeado Governador Civil da Guarda, cargo no decorrer do qual procurou afirmar o distrito e incrementar o seu desenvolvimento através de eixos rodoviários e ferroviários; neste último plano, para além das atenções que dedicou às linhas da Beira Alta e Beira Baixa, defendeu a “necessidade urgente de prolongar até Barca de Alva a marcha do comboio diário que sai do Porto, cerca das 15.55 até ao Tua (...). Levar tal comboio até Barca de Alva representa um valioso benefício para as populações do Douro, tanto do lado da Beira e distrito da Guarda, como do lado de Trás-os-Montes e distrito de Bragança”.
Ao longo do período em que desempenhou a as funções de Governador Civil, o relacionamento com as autoridades espanholas da província de Salamanca inscreveu-se nas suas prioridades de atuação, procurando incrementar contactos oficiais e pessoais, certo de que seria um excelente fórmula para resolver muitas questões resultantes da convivência fronteiriça.
Na cidade, o seu círculo íntimo de amigos integrava o Dr. João de Almeida e o Dr. João Gomes (advogado, democrata convicto, opositor ao regime e que foi, como é do domínio público, uma das mais prestigiadas e consideradas personalidades políticas guardenses).
Em 1952, Ernesto Pereira deixou a Guarda para tomar posse como Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, passando a residir em Lisboa, onde, com frequência, recebia os amigos mais chegados, como António Andrade, Ladislau Patrício, e José Domingues Paulo (uma das grandes amizades dos seus últimos anos).
O seu irmão Abel Pereira (conhecido jornalista do Diário Popular) era outra das presenças, frequentes, na sua casa, onde viria a falecer em 23 de Julho de 1966.
A figura deste guardense não se pode analisar fora do contexto da sua época, e desarticulada de um conjunto de determinantes pessoais e familiares. Ernesto Pereira é, sem dúvida, um nome grande da Guarda, cidade onde deixou obra feita ou definida; os regulares contactos ou o convívio com personalidades politicamente posicionadas, não significaram, necessariamente, o partilhar de ideias e objetivos, sobretudo quando se tinha um rigoroso conceito de amizade e um espírito de permanente defesa da liberdade de expressão e pensamento.
Era um homem que procurou sempre a verdade, “essa doce miragem que perpetuamente fascina”, como escreveu em 1926.
A cidade de Pinhel tem o seu nome consagrado na toponímia local. A Guarda, por seu lado, continua a esquecer uma das suas figuras carismáticas do passado século (como advogado, como jornalista, como autarca, como Governador, como Juiz)…
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