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Notícias da Guarda e região | Reportagem | Crónicas | Entrevistas | Apontamentos | Registos
O despovoamento do interior do nosso país é um drama. Realidade em relação à qual não tem havido estratégias adequadas, contínuas e consequentes de modo a evitar o contraste profundo com os territórios do litoral e grandes centros urbanos.
Os fenómenos resultantes do despovoamento conduzem a graves consequências para as populações (sobretudo para as mais envelhecidas) que continuam a viver afastadas dos centros com maiores índices demográficos. Diminui, progressivamente, a população ativa; acentua-se o decréscimo da natalidade e o número de jovens; desaparecem profissões e atividades ligadas à agricultura.
Nas últimas décadas, a tragédia dos incêndios na nossa região tem tornado ainda mais percetível o silêncio sepulcral de muitos povoados, o abandono de terrenos outrora cuidadosamente cultivados e rentabilizados, onde havia o colorido dos ciclos agrícolas e a policromia provocada pelas estações do ano.
Defrontamo-nos, atualmente, com a completa obliteração de antigos espaços de vida e trabalho, com uma progressiva e preocupante degradação ambiental, diminuição da qualidade de vida, com o aumento de pessoas solitárias nos espaços rurais, com a saída de gente para outros lugares, com cenários de ausências definitivas…
E o que vemos por montes e vales do interior, pelos caminhos esquecidos? Desolação, habitações à venda, casas vazias, degradadas, portas encerradas ou esventradas pela destruição do tempo e pelo instinto de vandalismo de alguns forasteiros; muros derrubados, janelas quebradas, telhados caídos, interiores habitacionais transformados em montes de escombros…imagens cruéis de um presente transformado em tristeza e solidão. “O nosso passado como que se amesquinha na indiferença do presente”, escrevia Miguel Torga.
Importa, pois, que saibamos assumir o nosso papel enquanto cidadãos ativos e protagonistas permanentes de uma intervenção cívica, sem tibiezas, em prol de uma luta pelo equilíbrio entre meios rurais e urbanos, num caminho orientado para a sustentabilidade dos nossos territórios.
Hélder Sequeira
É um título e uma presença diária com dezasseis anos consecutivos. Para os próximos tempos há novos projetos e ideias. Gratos a todos quantos têm acompanhado este percurso. Pode seguir-nos também no Instagram (correioguarda) ou no Facebook em:
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Os desafios que se colocam atualmente à comunicação social, mormente às estações de rádio, são imensos. Desde logo os resultantes de drástica redução das receitas e da insuficiência financeira.
Quando centramos a nossa atenção no interior do país a realidade é ainda mais preocupante e os cenários que se desenham para o futuro não são animadores.
Uma certa euforia em torno das plataformas digitais, as crises económicas, o desinvestimento publicitário por parte das empresas bem como do pequeno e médio comércio, a necessidade de reapetrechamento técnico, a redução do número de profissionais e a aplicação de estratégias editoriais erradas conduziram a uma situação dramática.
Como tem sido sublinhado, a escassez de recursos financeiros vai agravando, progressivamente, a vida dos órgãos de informação. Aliás é significativo o número de estações emissoras que desapareceram ou foram absorvidas por grandes grupos, convertendo-as em simples retransmissores.
O que não deixa de ser trágico, contrariando o espírito que esteve subjacente à legalização das rádios locais e à preocupação em servirem as suas comunidades; incrementando a informação, o debate, a valorização do seu património e costumes, a salvaguarda do pluralismo, a defesa da democracia, o exercício responsável do jornalismo.
Foram sendo, ao longo dos últimos anos adiadas soluções como ainda na passada quinta-feira dizia o Presidente da República na sessão de abertura do V Congresso dos Jornalistas. É na perceção da realidade atual que a comunicação social, o jornalismo tem de ter o foco.
Como disse António Borga, Presidente da Casa da Imprensa, no início do V Congresso dos Jornalistas, a decorrer por estes dias, “o jornalismo não é um negócio. O jornalismo é uma atividade de utilidade social e interesse público”.
Na mesma linha, e na mensagem dirigida aos jornalistas portugueses, esteve a Vice-Presidente da Comissão Europeia ao considerar que a “informação é um bem público, cabendo às democracias proteger os jornalistas”. Por outro lado, defendeu que é necessário “encontrar soluções a nível europeu e internacional” para a crise do jornalismo, acrescentando a necessidade de serem e incentivar investimentos públicos, que “respeitem a independência e o pluralismo” da atividade.
A própria classe jornalística não rejeita a autocrítica e a análise serena da questão dos financiamentos. O que pode passar, como tem sido defendido, por um papel mais interventivo do estado no sentido da salvaguarda do jornalismo, de um jornalismo pautado pela seriedade, ética, deontologia e qualidade.
E a qualidade dos conteúdos informativos aliada à independência e isenção é fundamental para a reaproximação dos públicos que, é importante notar, não podem ter uma atitude de indiferença perante os media.
O apoio passa, desde logo, por se assumirem com leitores e ouvintes regulares, ativos e críticos, sem se acomodarem na passividade do dia a dia ou se uniformizarem no domínio do anonimato.
Será com o empenho e contributo de todos – jornalistas, instituições, estado, cidadãos, empresas – que o cenário hoje existente poderá ser alterado. Acentuando também a informação de proximidade, uma mais ampla cobertura do que mais diz e interessa às comunidades locais e regionais.
E isto não pode ser esquecido.
Hélder Sequeira
Avelãs da Ribeira. Guarda.
“A feminização do jornalismo regional em contexto português: o caso dos jornais centenários” é o título da tese de doutoramento que a jornalista Liliana Carona defendeu recentemente na universidade de Coimbra. A investigação contemplou a análise documental dos 40 jornais regionais centenários (localizados maioritariamente no norte do país) a aplicação de um inquérito a profissionais da imprensa regional, e a realização de entrevistas em profundidade.
Este trabalho permitiu concluir que a composição destes jornais reflete “uma evidente desigualdade de género, nomeadamente no que diz respeito ao número de mulheres a desempenhar cargos de chefia”.
Como foi sublinhado, “apenas 6 jornais têm diretoras mulheres (15%); 40% dos jornais são editados unicamente em papel, ou seja, a maioria tem presença no digital, mas com evidentes dificuldades de modernização tecnológica. Plataformas obsoletas ou não atualizadas”. De referir que 40% destes jornais são semanários e 11 (27,5%) são associados da AIC - Associação de Imprensa de Inspiração Cristã.
No que diz respeito aos resultados do Inquérito feito a profissionais da imprensa regional, “olhando ao total de respostas do inquérito realizado a profissionais da imprensa regional, concluímos que cerca de metade da amostra (44,3%) em análise, é a favor da inclusão de uma alínea/diretriz, dedicada exclusivamente à igualdade de género, no Código Deontológico dos jornalistas”, adiantou Liliana Carona.
Relativamente aos profissionais da imprensa regional, verifica-se uma população maioritariamente feminina (58,8%), com predomínio dos que possuem 41-50 anos (36,1%), havendo mais mulheres com grau de escolaridade de ensino superior (licenciatura, mestrado, doutoramento): 48,3% homens com licenciatura, 66,1% mulheres.
A autora desta tese de doutoramento destaca ainda que “em comparação com as mulheres, um maior número de homens afirma refletir sobre igualdade de género no jornalismo, sendo que do total de respostas, 7% admite nunca ter pensado no tema. 6,7% de homens garantem pensar ‘sempre’ sobre o tema, por oposto a 6,3% de mulheres a indicarem a mesma resposta”.
Os homens ‘concordam totalmente’ (8%) que jornalistas mulheres, em geral, têm mais aptidão para escrever assuntos relacionados com mulheres. As mulheres ‘concordam totalmente’ nessa afirmação, numa percentagem inferior (7%); já 28% dos homens desempenham o cargo de direção editorial, número superior às profissionais do género feminino na função de diretora da publicação (16% de mulheres).
A propósito desta investigação, Liliana Carona acrescentou que as mulheres consideram ter sido mais vezes alvo de discriminação de género, constatando-se uma média mais elevada para as mulheres. Nenhum homem referiu ter sido ‘muitas vezes’ alvo de discriminação por causa do género. 5% das mulheres indica ter sido alvo de discriminação ‘muitas vezes’. De salientar, e de acordo com o estudo em referência, que as mulheres são mais afetadas pela precariedade no jornalismo (24,2% das mulheres afirma ter contrato temporário de trabalho, face a 7% de homens).
Nesta tese é recomendada a definição, no âmbito da Carteira Profissional de Jornalista, do título de jornalista de imprensa regional, apresentando-se também a necessidade de inclusão de alínea específica e exclusiva, no Código Deontológico dos Jornalistas, dedicada à igualdade de género, no que diz respeito às fontes ouvidas.
Nas sugestões apresentadas pela jornalista autora deste trabalho académico, está ainda acentuada a necessidade urgente de “debater e analisar o tratamento desigual nas redações da imprensa regional, que é ocultado e negado”, bem como a importância da aposta na formação e redefinição e clarificação das normas de acesso à profissão.
A implementação de planos para a igualdade de género adaptados ao contexto dos media e jornalismo e o investimento na digitalização dos arquivos dos jornais centenários são outras medidas defendidas.
Liliana Carona, integra o grupo R/COM (Renascença) há 13 anos, enquanto jornalista correspondente na região interior centro, sendo também diretora do jornal Notícias de Gouveia (desde 2015); exerce ainda funções docentes Escola Superior de Educação de Viseu e na Escola Superior de Educação, Comunicação e Desporto da Guarda.
HS/CGuarda
O jornalista José Domingos faleceu esta madrugada (30 de agosto 2023). A sua atividade na comunicação social começou na Rádio Altitude, prosseguindo mais tarde na ANOP e na LUSA, a par de outros trabalhos na área da cultura e da investigação.
Recordamos, a propósito, a entrevista que José Domingos deu ao CORREIO DA GUARDA, em 8 de fevereiro do passado ano.
Com uma vida dedicada à comunicação social, José Domingos afirma ao CORREIO DA GUARDA que “o jornalista no interior teve e tem, aqui, um papel importante. Ele é o elemento-chave para mostrar e motivar a vitalidade deste interior, lutando contra desvantagens acrescidas”.
Natural da Guarda, onde nasceu em 1957, José Domingos fez o seu percurso académico na Guarda em Coimbra. Para o nosso entrevistado, “o jornalista deve ter um mínimo de cultura e saber onde está, saber escrever e bem falar português”, acreditando ainda em “jornalismo de qualidade em Portugal. Um país onde continua, de forma apaixonada, a estudar e a divulgar a presença da cultura judaica.
Como aconteceu a tua ligação à rádio?
Tudo aconteceu ainda jovem, muito jovem. Era amigo - e sou- pessoal do Emílio Aragonez e do Dr. Joaquim Lopes Craveiro. Frequentava amiúde a ótica Aragonez, onde trabalhava também um antigo colaborador da Rádio Altitude (RA), o Pedro Claro, pessoa bem-humorada e antigo doente do Sanatório.
Certo dia, o Emílio Aragonez e o Dr. Lopes Craveiro, que ali se encontravam frequentemente em amena cavaqueira, acharam por bem sugerir que experimentasse qualquer coisa na RA porque, diziam, "o rapaz até tem uma voz jeitosa".
Andava eu no 7° ano do Liceu. Comecei a ir até à RA; era administrador o Sr. Carvalhinho e o saudoso Alberto Antunes Ferreira o encarregado geral. O diretor era o Dr. Martins Queirós, homem de alta estatura, conhecedor da técnica de "fazer uma rádio" de que foi obreiro o seu emissor Onda Média. Os técnicos eram o Clavier Bernardo Alves e o António Santos.
Comecei por preencher os boletins fase Felicitações com o Luís Matias de Almeida e o Elias Xastre. Por vezes aparecia o António Cardoso. Depois aprendi a mexer nas máquinas, montar equipamentos, fazer gravações, acompanhar as reportagens dentro e fora do estúdio com o António Pinheiro, o Aragonez, por vezes o desporto com o Vítor Santos, o Rebelo de Oliveira e Luís Coutinho.
E chegou a altura de, numa tarde de junho, começar a falar ao microfone em estúdio, em direto. Recordo que nesse dia e me enganei a dizer as horas e o primeiro disco que passei foi "Yo y la Rosa" de Hector Cabreira. Fazia-se publicidade ao Omega 300 oferecido pelo Emílio Aragonez.
Quais os trabalhos iniciais da rádio? Os discos pedidos foram uma presença obrigatória?
Como disse, os primeiros trabalhos foram mais de secretariado, preenchendo boletins para o programa das Felicitações. Depois foi mais a aprendizagem.
Comecei a fazer as Felicitações que eram imagem da Rádio, programa que ligava a RA as pessoas e entre elas mesmo. Era, diga-se, um espelho de uma rádio do povo para o povo, elemento de aproximação, mas também de divulgação das vilas, aldeias e lugarejos e, claro, da música onde se destacava a portuguesa.
Havia também outro programa as 17 horas que começou por ser o "Marque 232 e peça um disco" com publicidade à Toyota. O 232 era o antigo número telefónico da RA.
A esta distância como vês a importância e as características dos "discos pedidos"? Como era a audiência?
Entendo que, embora preenchendo uma grande parte da programação da tarde, eram elos íntimos entre as pessoas com a rádio, onde o povo participava na sua rádio através dos discos pedidos, fazia, se assim se pode dizer, o seu programa.
E curioso, era um programa transversal na audiência e uma marca. Os "Discos Pedidos " agarravam as pessoas a rádio até, diga-se, pela vaidade íntima dos ouvintes em escutarem seu nome ou da sua terrinha
Quais os colegas com que trabalhavas na altura? E como era o ambiente vivido na rádio?
Era um ambiente familiar. Por tudo, faziam-se convívios, festas, lanches. Lembro os lanches com os bolos da Ti Ritinha, os "Enfarta brutos", as conservas, quando alguém fazia aniversário, os magustos, as sardinhas assadas junto à garagem, os passeios ou excursões, os ralis automóveis onde o Sucena e o Celínio eram os organizadores, com o João Oliveira Lopes.
Trabalhei naquela época com vários colegas, muitos deles que já partiram: Alberto Antunes Ferreira, António Santos, Clavier Bernardo Alves, Elias Xastre, Vitorino Coelho, Luís Matias de Almeida, Joaquim Fonseca, António Pinheiro, Luis Celínio, Manuel Vaz Júnior (a quem chamávamos amigavelmente de "pena parda"), Luis Coito, Luis Coutinho, António Arede, Abílio Curto, Emílio Aragonês, Lopes Craveiro; mas também com o Carlos Martins, Helder Sequeira, Manuel Madeira Grilo (Língua e Linguagem e de que eu era colaborador também), João Gomes (Reflexões Políticas), António José Amaro, Aguinaldo Nave, Joana Paula, Margarida Andrade.
Como correspondentes o Manta Luís (Gouveia), Amílcar Chéu e António Lourenço (Foz Côa), Carlos Fidalgo (Trancoso).
Uma pessoa que devo recordar: Manuel Pires Daniel, pessoa calma, culta e sensata, poeta e escritor, natural de Meda, mas residente em Foz Côa.
Que episódios te deixariam melhores recordações? E piores?
0 falecimento de António Pinheiro e Manuel Vaz Júnior foram momentos dolorosos dada a amizade que nutríamos reciprocamente. Não recordo momentos que me tenham deixado más recordações.
Momentos bons foram muitos. Sobretudo daquele programa que eu tanto amava de que fui um pouco de tudo desde produtor, realizador, locutor, animador, etc.: o clube GIROFLÉ dedicado às crianças, onde criei bases e mobilizei pessoas para a fundação da CERCIG.
Era necessário arranjar dinheiro para o então Centro Educacional e Recuperador de Crianças Inadaptadas da Guarda. Organizei então vários espetáculos com o apoio da Casa Cogumelo (de Eduardo e Filomena Espírito Santo e Armando Gil) e do Cine Teatro da Guarda dirigido por Abílio Curto.
Aqui vieram vários artistas de que destaco José Barata Moura, Paco Bandeira, Frei Vicente da Câmara, Vicente do Nascimento, Odette de Saint Maurice (poetisa e escritora), Orlando Dantés (palhaço), Serip (ilusionista) e outros. Com a Casa Cogumelo organizei Festas de Natal no Cine-Teatro da Guarda e no Auditório do Ex-sanatório Sousa Martins. O Pai Natal chegou a vir de Helicóptero e quem era? O Sr. Humberto, da Câmara Municipal.
Todas as crianças tinham seus brinquedos e lembranças, o seu lanche convívio e iogurtes com apoio de empresas da Guarda e outras nacionais como a Yoplait e Regina.
Além disso promovi peditórios e campanhas, sobretudo no Natal, para angariação de géneros alimentícios, roupas, brinquedos para ajuda aos mais necessitados.
Os "sócios" do GIROFLÉ tinham um cartão identificativo que lhes dava descontos em casas comerciais que aderiram e publicitavam seus produtos, mas o exclusivo era a Casa Cogumelo.
Foram os melhores tempos de alegria que tive na Rádio. Quando, por motivos profissionais, deixei a Altitude, o GIROFLÉ...acabou.
Outro momento marcante que vivi na RA foi o espetáculo único, singular que em 1975, se realizou na Guarda com a participação de Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Francisco Fanhais e Fausto.
Outro programa de que guardo boas recordações era o "Rádio e Informação" realizado por mim na Guarda e o António Arede. Tinha música, informação, recreação, novidades. Mas na generalidade foram bons momentos de rádio, camaradagem e convívio.
O Giroflé foi um programa para crianças, emblemático. Como surgiu e que impacto teve?
Como atrás disse, o GIROFLÉ foi um pouco de mim. A este programa me dediquei de alma e coração.
Se bem que havia uma lacuna na programação dirigida a crianças, o GIROFLÉ começou na sequência de uma ação de angariação de géneros para os mais necessitados que organizei creio que no programa da tarde. Surgiu então a ideia do programa a que inicialmente aderiram Abílio Curto e Margarida Andrade.
Acabei por ficar sozinho. Mas consegui colocar as crianças a apresentar o seu programa em direto. Era lindo vê-los chegar até às Rádio antes das 18 horas de sexta-feira, a hora do programa. Uma "passarada" como dizia o meu saudoso amigo e ex-professor Manuel Madeira Grilo.
Hoje essas crianças cresceram, já são pais e alguns mesmo avós e é reconfortante abordarem-me por vezes e recordarem o GIROFLÉ.
Mas a grande realização foi a CERCIG. Quero aqui sublinhar a sempre pronta ajuda e colaboração dos também fundadores daquela organização de que destaco Alcino Bispo, D. Lisdália, António Melo, Júlio Antunes e ainda do Centro de Assistência Social da Guarda e das irmãs da instituição e educadoras de infância, sobretudo Olívia Rodrigues, Teresa Cardoso, Cristina Correia, a Lurdes e outras.
Que achas do trabalho do jornalista em terras do interior do país? Há mais dificuldades ou desafios diferentes?
O jornalismo tem grandes tradições no interior desde já muito. Panfletos, boletins, magazines, jornais e até rádio como é o caso da Altitude da Guarda surgiram como emanações da sociedade, uns com matriz religiosa, outros política, outros social.
Claro que não há Comunicação Social sem jornalistas e estes mesmo com raízes no interior projetaram-se a nível nacional e internacional, mas beberam aqui a sua essência.
Jornais como A Guarda, Amigo da Verdade, Jornal do Fundão, Notícias da Covilhã, são órgãos que desde tempos recuados se afirmaram como referência na sua dimensão.
O jornalista no interior teve e tem, aqui, um papel importante. Ele é o elemento-chave para mostrar e motivar a vitalidade deste interior, lutando contra desvantagens acrescidas, desde os meios de trabalho, a economia e suporte, as comunicações sobretudo com órgãos da administração central que, no caso das suas representações regionais, só com autorização da tutela podem pronunciar-se.
Para ultrapassar as dificuldades, o jornalista no interior tem de ser atento, perspicaz, ser bom auditor e simultaneamente provocador, criar uma rede de fontes fidedignas e posicionar-se na neutralidade, quero dizer, isento.
A pressão social quer política quer económica, sempre teve tendência para limitar a função do jornalista e no interior ainda mais por se tratar de um território com menos gente e como consequência um conhecimento mais próximo com os agentes dos diversos sectores e daí a tal pressão onde muitas vezes ocorre o "se não és por mim és contra mim".
Se bem que este facto ainda exista, o jornalista tem hoje outros meios ao dispor pois que a técnica evoluiu em todos os sectores – jornais, rádio, TV , bloggers, redes sociais – , criaram-se gabinetes de imprensa ou imagem muitos deles com jornalistas ou equiparados.
Alguns anos depois de teres entrado para a Rádio Altitude ocorreu a tua ligação a agência de notícias ANOP. O que representou para ti esse novo trabalho, e como surgiu?
Entrei para a ANOP- Agência Noticiosa Portuguesa em 1977 e no quadro em 1 de julho de 1978.
Para mim foi uma mudança radical em termos profissionais e adoção de regras.
A ANOP ia abrir uma delegação na Guarda, dirigida pelo malogrado vê amigo Armando de Sousa Fontes. Um dia à tarde estava eu a fazer a emissão na RA apareceu nos estúdios o Fontes a perguntar por mim. Eu não o conhecia pessoalmente então a não ser por referências no jornal O Século e Diário Popular.
Fez-me então a proposta de ir para a ANOP por indicação de João Tito de Morais, presidente vida Agência Noticiosa que eu conhecia via o pai, Tito de Morais que foi Presidente da Assembleia da República e este através do também ex-Presidente do Parlamento, Teófilo Carvalho dos Santos, natural de Almeida.
Deixei então a Rádio Altitude mantendo ainda o GIROFLÉ até a minha integração no quadro da ANOP.
A Agência tinha regras de redação estritas, era o único órgão de comunicação social que tinha Livro de Estilo. Estive em Lisboa, Coimbra (onde trabalhei com Marinho Pinto e Fausto Correia), depois Porto e depois regressei à Guarda.
Entretanto o Armando Fontes regressou à sede por razões de saúde e fiquei sozinho na Delegação da Rua Pedro Álvares Cabral. Tinha a meu cargo a zona da Beira Interior e parte do distrito de Viseu. Criei uma rede de correspondentes.
Foi, entretanto, designado delegado o Mimoso de Freitas e eu voltei a Lisboa e daqui fui a Israel, Timor, Madrid e Brasil. Foi uma ausência prolongada da Guarda. Voltei a Lisboa e vim substituir o Mimoso de Freitas, que, entretanto, se reformara.
Mas mesmo neste período ainda estive noutros locais deixando temporariamente os correspondentes ligados a Coimbra ou Lisboa. Foi uma caminhada grande.
Que balanço fazes do trabalho na ANOP e mais tarde Lusa?
Confesso que, como diz o povo, "ia a todas" em busca da notícia, visitando autarcas, serviços públicos e privados, associações empresariais, instituições sociais e religiosas, etc.
A ANOP e a LUSA conseguiriam ser referência e com imagem em toda a região
Olhando para trás, foi um trabalho positivo, com altos e baixos naturalmente, nunca tive desmentidos, ouvi sempre as partes em caso de conflito, participei em várias iniciativas (integrei a Comissão Organizadora das primeiras Jornadas da Beira Interior, por exemplo), não utilizava as fontes e depois as deixava sem criar laços de amizade, ou seja, construí amizades, fui interventivo na área social e cultural, sobretudo nos Bombeiros.
Qual o acontecimento, notícia, que mais te marcou enquanto jornalista da agência?
Foram vários os acontecimentos. O que mais me marcou foi o acidente Ferroviário de Alcafache onde fui jornalista, bombeiro, socorrista...tudo, perante um espetáculo dantesco, de morte.
Outro foi o julgamento do caso de alegada violação na Guarda, com a destruição e violência que gerou e onde levei com uma bala de raspão à porta do Hotel Turismo onde fui socorrido pelo Dr. Raul Gil Saraiva; também o julgamento do caso Raia Seca não tanto pelos factos, mas pelos nomes dos arguidos e suas alcunhas que faziam rir.
Curioso trabalho que fiz foi nos Foios, Sabugal, onde a população se revoltou contra o pároco, este levou (há quem diga que comeu) as hóstias e o sacrário ficou vazio; o pároco deixou os Foios e as missas eram celebradas pelo povo, por um dos seus membros com mais respeito. Faleceu na ocasião um familiar de um padre e o funeral foi civil. O assunto só foi resolvido com a visita do Bispo da Guarda, D. António dos Santos.
Como vês hoje o jornalismo em Portugal?
O jornalismo em Portugal evoluiu bem todos os sectores e novas formas de jornalismo surgiram assim como vás fontes, algumas perigosas por não credíveis principalmente nas redes sociais.
Eu comecei por uma máquina de escrever e uma folha, o "linguado" como lhe chamávamos, também com regras de linhas e batidas, depois o corfac, o telex e mais tarde os computadores. Não havia telemóveis, os gravadores eram grandes, hoje são por vezes minúsculos.
A revolução informática e novas tecnologias de informação conferiram novas realidades em que, no caso da imprensa escrita, migrou para o digital em detrimento do suporte papel.
O aparecimento de vários canais TV e estações de rádio dão ao espectador uma variada possibilidade de escolha.
O jornalismo tem de adaptar-se às novas realidades. O mercado de emprego é restrito na área da Comunicação Social e as escolas continuam a formar potenciais jornalistas. E porquê? A crise económica tem impacto nos órgãos de comunicação social e muitos, sobretudo no Interior, lutam com enormes dificuldades de sobrevivência.
Por outro lado, acho que o jornalista deve ter um mínimo de cultura e saber onde está, saber escrever e bem falar português para não se ouvirem calinadas como as que vemos e ouvimos por vezes.
Essa cultura pode ser nas áreas social, económica, geográfica, política, jurídica etc. Isto ajuda ao jornalista identificar-se com o meio em que se insere. Contudo acredito no jornalismo de qualidade em Portugal
Em simultâneo com a atividade jornalística teve lugar a atenção para com as questões judaicas, mormente para as marcas dos judeus neste território do interior. Fala-nos desta atividade.
É antiga a minha ligação a assuntos judaicos. A minha família vem de raiz judaica. Ainda no Liceu, embora pouco se falasse de Judeus a não ser sobre Inquisição e não muito e praticamente nada sobre o Holocausto, eu comecei a investigar. Era "cliente" habitual da Biblioteca Municipal ou da Biblioteca do Liceu e mesmo da Gulbenkian.
Mas o meu interesse efetivo começou sobretudo a partir de 1978 quando pela primeira vez visitei Israel onde passei núpcias.
Em alguns locais visitados escutei um português antigo, não o Ladino, e falei mesmo com pessoas que o falavam sobretudo na Galiléia, em Tiberíades , Rosh Pinah e Safed.
Eram descendentes de portugueses que um dia fugiram as garras da Inquisição, á tortura e ou morte.
Isto despertou-me interesse. Contudo meu primo, o historiador Adriano Vasco Rodrigues e também Carlos Oliveira nos seus "Apontamentos para a Monografia da Guarda" já tinham abordado a presença dos Judeus na Guarda. Também Lopes Correia, em Trancoso e mais recente, José Guerrinha, em Gouveia.
Eu nasci na Judiaria. Ali fui criado pelos meus avós. O conhecimento das marcas nos umbrais das portas e seu significado eram conhecidas e eu bebi nesse conhecimento empírico das pessoas. Por outro lado, também meus avós me transmitiram esse conhecimento.
De regresso desenvolvi estudos, organizei colóquios, mostras e a exposição itinerante " Crianças de Todo Mundo Pintam Jerusalém", patente no Museu da Guarda, entre outras.
Decidi então criar a Associação de Amizade Portugal-Israel (AAPI). Convidei Adriano Vasco Rodrigues, Sam Levy, Álvaro Estevão, Madeira Grilo, Itzhak Sarfaty (conselheiro da Embaixada de Israel em Lisboa, recém-criada), José Luis Nunes (deputado do PS, já falecido) para comigo assinarem a ata de constituição da AAPI e fazer-se o registo notarial que paguei de meu bolso. Os Estatutos foram feitos pelo Dr. Inácio Vilar.
Antes porém, em 1980, organizei na Guarda com Shifra Horn o Encontro Europeu de Jovens Judeus com representações de Portugal, Espanha, França, Bélgica e Inglaterra.
Entretanto, vários Embaixadores de Israel com quem trabalhei próximo visitaram a Guarda e região com frequência, designadamente o primeiro Embaixador de Israel em Portugal, Ephraim Eldar, o seu sucessor Dov Halevy Milman, Gideon Ben-Ami, o conselheiro Itzak Sarfaty, entre outros.
Realizaram-se vários encontros e conferências uma das quais com o professor Reis Torgal que encheu o salão dos antigos Paços do Concelho onde foi focada a participação dos cristãos-novos na Revolução de 1640.
Seguiu-se depois 17 fevereiro 1982 a assinatura do Acordo de Geminação entre os Municípios de Guarda presidido por Abílio Curto e Safed, presidido por Aaron Nahmias.
Foi uma iniciativa minha que propus à Câmara Municipal da Guarda que prontamente aceitou a proposta.
Este foi também o primeiro Acordo de Geminação ou de cidades irmãs entre Portugal e Israel.
Esta iniciativa teve incidência no intercâmbio de experiências, turismo, cultura, sobretudo. E de facto a Guarda foi então pioneira no Turismo Judaico que ao longo dos anos aumentou até este surto de pandemia.
Razões várias basearam este acordo: ambas cidades são as mais altas nos respetivos países, o facto de Safed ser cidade de acolhimento de judeus portugueses sobretudo da Guarda e região em tempo de perseguições, expulsão e conversão forçada dos judeus e de Inquisição. Em Safed é possível escutar o português antigo ou arcaico, Ladino e memórias de judeus portugueses que aqui construíram a linda Sinagoga Abuhav, um dos ícones de Safed, em funcionamento. É a cidade dos Cabalistas. Sugiro a leitura do relato da visita de Frei Pantaleão que testemunha a presença da comunidade judaica portuguesa.
O primeiro grupo de israelitas teve a minha colaboração com Jordan (Yarden) Horn como guia, tendo eu sido o guia em Portugal e principalmente na Guarda e região.
Recordo ainda a recepção no Hotel Turismo da Guarda onde Abílio Curto esteve presente. Aliás este Hotel chegou a ficar lotado de turistas de Israel, por várias centenas de vezes. Era seu administrador o Sr. Nogueira.
A visita foi depois retribuída com uma deslocação à Guarda de uma delegação de Safed integrada pelo Presidente do Município de Safed, Aaron Nahmias e o vice-Presidente e conselheiro, Samuel Arouch.
Delegação da Guarda que se deslocou a Safed: Abílio Curto (Presidente da Câmara da Guarda), Deolindo dos Santos (em representação da Assembleia Municipal da Guarda), José Domingos (Secretário-Geral da Associação de Amizade Portugal - Israel) e Almiro Lopes (representante dos serviços técnicos e administrativos do Município da Guarda).
Seguiram-se outras geminações: Celorico da Beira com Affula, Tomar com Hadera, Belmonte com Rosh Pinah, Fogueira da Foz com Ashdod.
Na Guarda organizei em 1981, com o Dr Adriano Vasco Rodrigues o "Primeiro Encontro para a História das Beiras e dos Judeus Peninsulares". Estiveram presentes vários estudiosos e professores universitários de Coimbra, Braga, Lisboa e Évora.
As Atas foram publicadas na Revista Altitude, propriedade da Junta e depois Assembleia Distrital da Guarda de que eu era um dos responsáveis.
Seguiram-se idênticas iniciativas em Trancoso, Gouveia, Santarém, Lisboa, Torre de Moncorvo, Castelo de Vide, entre outros locais.
Face à minha ausência da Guarda a Associação de Amizade Portugal-Israel foi transferida para Lisboa.
Quero sublinhar, aqui e agora, o apoio sempre prestado pela Câmara Municipal da Guarda, presidida por Abílio Curto.
Depois nada ou praticamente nada se fez sendo apenas de realçar a sinalização dos cruciformes das casas da antiga Judiaria particularmente e elaboração do respetivo catálogo de autoria da malograda professora da Universidade de Évora, Carmen Ballesteros. E a Guarda foi e contínua a serem ultrapassada nesta área.
As geminações da guarda com cidades israelitas tiveram a tua intervenção. O que representa para ti essa aproximação entre Portugal e Israel? Esses contactos foram frutíferos?
Para mim significa um reencontro. Os Judeus tiveram um papel importante desde o nascimento de Portugal onde já viviam e coabitavam com os muçulmanos.
O primeiro Rabi-mor de Portugal e do Rei Afonso Henriques foi Yahia Ben Yahia que lutou vão lado do rei e teve papel importante na conquista de Lisboa e Santarém
Os Judeus e mais tarde os cristãos-novos foram dinamizadores da economia, artes e ofícios, ciências, política, literatura e artes, imprensa etc.
Os Judeus já estavam na Guarda quando em 1199 lhe foi atribuído o Foral. Vejam- se os "Costumes da Guarda" tão referenciados por historiadores entre os quais Alexandre Herculano.
Mas também em outras cidades e vilas da região e do país.
A Inquisição ou Santo Ofício que de "santo" só tinha o nome provocou uma fuga elevada e o abandono da terra natal e os Judeus batizados á força passaram a ser conhecidos por cristãos-novos. Cidades como a Guarda ou Pinhel por exemplo nunca mais recuperam. As perseguições inquisitoriais motivaram essa fuga, frequentemente com novas identidades já que os nomes judeus não vieram permitidos.
E foram construir outras pátrias "com seus saberes e cabedais" no dizer do padre António Vieira, ele também perseguido. Foi o caso do território do hoje Israel, sobretudo na Galileia onde se situa Safed.
Ora essas geminações tiveram resultados sobretudo no Turismo Cultural Judaico.
Houve contactos comerciais na Guarda com a empresa Menitrade sobre painéis solares de que Israel é expoente máximo e os primeiros painéis instalados na Guarda eram israelitas.
Mas foi o turismo o principal beneficiado com as geminações e um pouco também a cultura.
Estive também envolvido na geminação com a cidade espanhola de Béjar, onde existiu uma importante Comunidade Judaica ligada aos têxteis e lanifícios.
Achas que a presença judaica na Guarda devia ser mais estudada e divulgada? Esse legado é suficientemente conhecido?
Creio que sim apesar de existirem já alguns estudos. A presença Judaica na Guarda primeiro deveria ser conhecida pelos guardenses para que valorizassem o seu património.
Era importante que não se fizessem aberrações e não se cobrissem inscrições com cimento ou cabos elétricos ou de telefone.
Considero que esse legado é já um pouco conhecido. Vários grupos, famílias, individuais, vêm a Guarda em busca desse património, mas considero que deveria ser mais divulgado. Não há um panfleto ou desdobrável sobre a Judiaria que eu sinalizei em 1980 no sítio das "Quatro Quinas" com uma placa feita por Alberto Carreto.
Mas, francamente, o estado em que se encontra a zona da Judiaria que não é só a zona adjacente à Igreja de São Vicente, é reprovável. Não é cativante.
Mas há lugares que deveriam ser transformados bem Centro de Interpretação Judaica como é o caso da antiga Sinagoga ou Sinagogas. Neste particular a Guarda foi ultrapassada por outras terras.
Eu que sou da Guarda reconheço que todos sabem de tudo e depois choram sobre o leite derramado. É o caso das Casas de Memória Judaica ou Centros Interpretativos ou museus que surgiram em Belmonte (as peças expostas no Museu Judaico foram depositadas por Adriano Vasco Rodrigues e pelo José Domingos, aquando da sua abertura em 2005), Trancoso (onde fui o ideólogo com o ex-Presidente da Câmara de Trancoso, Júlio Sarmento e para onde ofereci vários objetos de família, livros religiosos , candelabros), Sabugal, recentemente Gouveia mas também Castelo Branco, Torre de Moncorvo, Bragança, Carção, Vila Nova de Paiva e, imponente, Vilar Formoso.
E a Guarda? Os outros lucram com as visitas e iniciativas culturais relativas a presença Judaica, dos cristãos-novos e mais recentemente, em 1940, os refugiados Judeus quer por aqui passaram depois de entrarem em Vilar Formoso, sobretudo os salvos por Aristides de Sousa Mendes, Cônsul de Portugal em Bordéus (França) em plena Segunda Guerra Mundial. E na Guarda?
Ainda foi assinado no tempo do ex-Presidente do Município da Guarda, Joaquim Valente, com pompa, um protocolo para ser instalado no Solar Teles Vasconcelos um memorial sobre e dedicado a esses refugiados assim como a obra do Cônsul Aristides de Sousa Mendes. Houve lanche e tudo, discursos que apenas por aí se ficaram.
O que tens feito nos últimos anos em termos de preservação desse património?
Acabei de doar peças minhas, pessoais, para integrarem o Centro de Estudos Judaicos Adriano Vasco Rodrigues e Maria da Assunção Carqueija, meus primos, em Torre de Moncorvo.
Estou também a desenvolver estudos sobre a presença Judaica em Torres Novas, fiz com o Dr Alberto Martinho um estudo e levantamento das marcas judaicas, entenda-se cruciformes, no Concelho de Seia depois editado em livro que já esgotou a primeira edição patrocinada pelo Município senense.
Estou também apostado no estudo da presença Judaica em Viseu e Meda. Queria fazer também uma publicação na Guarda que espero concretizar, generalista sobre os Judeus no Concelho da Guarda.
Desde que se registe, estude, publique, divulgue os resultados vem a seguir de certeza.
Quais os centros ou locais que aconselhas no interior para uma visita ao património ou tradições judaicas?
Desde logo a Guarda, Trancoso (que na minha opinião tem das mais belas judiarias a par de Castelo Branco Belmonte, Gouveia, Santa Marinha-Seia, Covilhã, Foz Côa, Torre de Moncorvo, Penamacor, Castelo Rodrigo, Linhares da Beira, Monsanto, Pinhel, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, a norte Bragança, Vilarinho dos Galegos, Carção, Mogadouro, Freixo de Espada à Cinta, Lagoaça, Vila Flor, Alfândega da Fé, Miranda do Douro, Vimioso, entre outras e a sul sobretudo Castelo de Vide, Marvão, Tomar, Extremoz
A pandemia interrompeu os circuitos turísticos que estavam a ser implementados com a presença de visitantes israelitas?
Sim, a pandemia interrompeu praticamente e numa percentagem elevada que estimo em mais de 95 por cento, a vinda de visitantes israelitas e não só, porque a Herança Judaica é já procurada por muitos brasileiros, franceses, espanhóis, argentinos, norte-americanos, e outras nacionalidades.
Que papel atribuis às autarquias na dinamização e divulgação do património histórico-cultural e preservação dos sinais da presença judaica?
As Autarquias e seus quadros técnicos ou os gabinetes que contratam são os mais importantes na preservação da Herança Judaica. Deveria haver sensibilidade idêntica a Trancoso ou Castelo de Vide na preservação e divulgação das Judiarias.
Confesso que me considero pioneiro neste domínio a partir da Guarda. Valorizar significa reabilitar e reabilitar significa conservar e não construir aberrações ou intervenções torpes justificadas com a "marca" do nosso tempo. Se temos casas do século XVI ou XVII ou XVIII foi porque foram preservadas, conservadas. Preservar também significa dar vida ao espaço
A divulgação deve ser também uma das prioridades. Existe ou existia, sei lá, a Rede de Judiarias de Portugal que tinha esse propósito. Não se ouve falar sequer dela.
Que projetos tens em curso? E para o futuro?
Como atrás disse, realizar os estudos e investigação sobre Judeus e cristãos-novos em algumas localidades e publicar o livro sobre personalidades judaicas ou cristãs-novas sobre rostos pouco conhecidos como Antonio Carvajal, judeu do Fundão que recebeu de Cromwell a permissão para que os judeus se fixassem em Londres e construíssem a sua Sinagoga; comunidade esta que é das mais importantes e representativas do mundo.
Gostaria de ver vê impulsionar a construção de um Centro de Interpretação da Cultura Judaica na Guarda. Não sou de desistir.
Como vês hoje a Guarda e o distrito? E o que desejas para esta região?
A Guarda de hoje é completamente diferente da cidadezinha do passado. Cresceu urbanisticamente, de forma desordenada, projetou-se no Mundo como um centro de cultura a que se deve muito a alguns dos seus naturais, entre os quais Américo Rodrigues, pela sua centralidade e infraestruturas viárias, rodo e ferroviárias, um local ótimo para o investimento nas áreas da logística e empreendedorismo, um centro de saber e fazer através do Instituto Politécnico nas suas valências de escolas superiores de Educação, Tecnologia e Gestão e de Saúde.
Tem potencialidades para de facto ser uma Cidade da Saúde em vez de assistirmos por vezes a esvaziamentos e guerrinhas.
A Guarda deve afirmar-se pela diferença positiva apesar de ser uma cidade de serviços e comercio essencialmente.
O seu tecido empresarial deve apostar nas pequenas e medias empresas e naturalmente nas de maior dimensão se bem que, como foi no caso vida Delphi, quando fechou arrastou o desemprego, existe esse perigo, mas são riscos da atual economia.
Acredito no Interior e na região e sua dinamização. Mas isto se houver cooperação efetiva das autarquias em projetos conjuntos de desenvolvimento e não haver políticas de capelinhas.
O Governo deve olhar para o interior com outros olhos e outros objetivos. O interior tem mais potencialidades do que o Lítio. A discriminação positiva deve favorecer o investimento. As portagens, o preço da energia, os transportes, os fatores de produção e até a água são caros.
O interior e a região da Guarda têm potencialidades únicas nos domínios da Cultura, Desporto, Localização empresarial, Ambiente, Turismo de qualidade.
Aqui se situam as Aldeias Históricas de Portugal, há magníficos Centros Históricos, paisagens únicas, gastronomia tradicional rica, o vinho Generoso ou Fino que depois é em Gaia vem tornar-se em Vinho do Porto, Estâncias Termais, tradições singulares como a Capeia Raiana.
Temos a Serra-mãe, a Estrela bela com ou sem neve, mas também a Marofa, a Malcata, os vales do Mondego, Zêzere, Côa, Alva, a norte o Douro Vinhateiro e, a sul, a Estrela e seu afamado queijo, produtos agropecuários e vinhos de qualidade que ombreiam com os melhores do Mundo, ali ao lado fica a Espanha, mas...falta gente!
É necessário e urgente a captação de pessoas, sobretudo jovens que desenvolvam com suas ideias e obra essas potencialidades onde a saúde é um dos vetores principais.
Acredito no Interior e na região da Guarda.
(Entrevista: Helder Sequeira)
No dia 29 de julho de 1948 começaram na Guarda as emissões oficiais da Rádio Altitude, uma das mais antigas estações portuguesas que tem mantido a mesma designação e emissões contínuas a partir dessa data.
Esta emissora “iniciou a sua sessão e, com ela, a sua vida oficial transmitindo depois do disco indicativo da estação, a saudação Salvé Rádio Altitude! proferida pela menina Aurora da Cruz, que foi escolhida para madrinha do Posto Emissor. Falou, em primeiro lugar, o Sr. Carlos Alberto Pereira, Vice-Presidente da Caixa Recreativa, que – anunciado pelo locutor de serviço com palavras de justa homenagem e consagração – começou por dizer: Rádio Altitude, posto emissor deste Sanatório, vai ser inaugurado oficialmente, depois de um período em regime experimental”. Assim noticiou o Bola de Neve, um jornal editado no Sanatório Sousa Martins.
Como escrevemos no livro “O Dever da Memória – Uma Rádio no Sanatório da Montanha” (publicado em 2003), a Rádio Altitude é uma emissora com interessantes particularidades, originada no seio das experiências radiofónicas que ocorreram no Sanatório Sousa Martins, cerca de 1946. Nessa altura, as rudimentares emissões circunscreviam-se ao pavilhão do Sanatório onde estava concentrado o grupo de doentes (de tuberculose) pioneiros deste projeto; apenas com a construção de novo emissor foi ganhando dimensão a aventura radiofónica.
No ano de 1947, o médico Ladislau Patrício (segundo diretor do Sanatório Sousa Martins), aprovou (a 21 de outubro) o primeiro regulamento da emissora, onde estavam definidas algumas orientações muito claras sobre o seu funcionamento; em finais desse ano as emissões já eram escutadas na malha urbana da Guarda. O início oficial das emissões regulares ocorreu, como atrás foi dito, em 29 de julho de 1948; um ano depois (1949) foi-lhe atribuído o indicativo CSB 21, identidade difundida por várias décadas.
Luis Coutinho num dos estúdios iniciais da Rádio Altitude.
A propriedade do primeiro emissor pertenceu, inicialmente, à Caixa Recreativa dos Internados no Sanatório Sousa Martins e mais tarde ao Centro Educacional e Recuperador dos Internados no Sanatório Sousa Martins (CERISSM). Com a criação do CERISSM pretendeu-se auxiliar os doentes, especialmente no que dizia respeito “à sua promoção social e ocupação dos tempos livres”. Aliás, foi no seio dos sanatórios que surgiram originais projetos radiofónicos – como seja a Rádio Pólo Norte (maio de 1939) no Sanatório do Caramulo, e a Rádio Pinóquio, no Sanatório das Penhas da Saúde (Covilhã), para referirmos os mais próximos. Noutros contextos, nomeadamente geográficos, foram instituídas outras emissoras, de âmbito regional ou local; em maio de 1948 o Posto Emissor do Funchal tinha iniciado as suas emissões e já no ano anterior, mês de outubro, tinha começado a emitir oficialmente a Rádio Clube Asas do Atlântico (com o indicativo CSB-81).
Na Guarda, o CERISSM foi uma autêntica instituição de solidariedade; para além de viabilizar a afirmação e implantação da Rádio Altitude, desenvolveu uma vasta obra assistencial, sobretudo sob o impulso do médico Martins de Queirós, (o quarto e último diretor do Sanatório guardense).
Em 1961, mediante autorização oficial, a Rádio Altitude passou a ter como suporte económico-financeiro as receitas publicitárias, que em muito contribuiriam para o auxílio dos doentes mais carenciados. As emissões da rádio guardense evoluíram, ao longo das primeiras décadas em função das disponibilidades técnicas, dos recursos humanos e financeiros, mas encontrando sempre no, crescente auditório, uma grande simpatia e um apoio incondicional.
Até 1980 a Rádio Altitude emitiu na frequência de 1495 Khz, em onda média (abrangendo não só o distrito da Guarda, mas igualmente os distritos de Viseu e Castelo Branco e algumas das suas áreas limítrofes), altura em que a sua sintonia passou a ser feita no quadrante dos 1584 khz. Após 1986, e com a liberalização do espectro radioelétrico passou a emitir também em frequência modulada (FM), em 107.7 Mhz, alterada, em 1991, para os 90.9 Mhz, que mantém na atualidade.
No ano de 1998, depois de ter sido determinada a extinção do Centro Educacional e Recuperador dos Internados no Sanatório Sousa Martins, foi decidida a realização de uma consulta pública, com vista à “transmissão da universalidade designada Rádio Altitude”, considerada a “única estrutura em funcionamento do ex-CERISSM”. A estação emissora entrou assim, com a sua aquisição por parte da Radialtitude–Sociedade de Comunicação da Guarda, num capítulo novo da sua existência, mantendo a ligação física ao antigo espaço do Sanatório Sousa Martins, hoje designado Parque da Saúde.
Celebrar o 75º aniversário das emissões regulares da RA é lembrar que estamos perante uma rádio muito especial para a Guarda e região da beira serra, sendo uma inquestionável referência na história da radiodifusão sonora em Portugal. Uma rádio de afetos, memórias, vivências, dedicação, serviço público, criatividade, formação, espírito solidário. Uma rádio que, sem sombra de dúvidas, permanece na memória coletiva das gentes beirãs.
Esta é uma emissora associada a muitas vozes e rostos, a sonhos, diferenciados contributos, afetos, ideias, originalidades, presenças e solidariedade. A sua génese, a longevidade, o percurso ímpar e a matriz beirã conferem-lhe um estatuto especial, transformando-a num ex-libris da Guarda.
Este é o tempo de honrarmos os múltiplos contributos pessoais e institucionais que foram engrandecendo a RA, sem cairmos em atitudes derrotistas ou de confronto estéril; privilegiando, obviamente, uma postura de crítica construtiva, afirmada objetivamente e protagonizada sem tibiezas ou sob a capa do anonimato.
Escrevemos sobre uma rádio com um historial ímpar; uma estação por onde passaram muitos profissionais e colaboradores; uma emissora que foi uma autêntica escola de rádio e jornalismo, laboratório de muitos projetos radiofónicos, de que o Escape Livre (o mais antigo programa sobre automobilismo em Portugal) é um excelente exemplo.
É toda uma história que implica uma maior responsabilidade a quem faz, atualmente, esta rádio. Desejamos, muito sinceramente, que a efeméride assinalada seja um marco de reafirmação da rádio, uma celebração das suas potencialidades, a entrada numa fase de conquista do futuro, mantendo a essência da rádio, uma atitude profissional, pluralismo, qualidade de conteúdos programáticos e plena consciência da eminente função social
Parabéns à Rádio Altitude !
Helder Sequeira
No Café-Concerto do Teatro Municipal da Guarda está patente, desde o passado sábado, a exposição “100 gentes” composta por um conjunto de 19 fotografias que são mais um alerta para o cenário de muitos territórios.
O despovoamento do interior do nosso país é um drama. Realidade em relação à qual não tem havido estratégias adequadas, contínuas e consequentes de modo a evitar o contraste profundo com os territórios do litoral e grandes centros urbanos.
Os fenómenos resultantes do despovoamento conduzem a graves consequências para as populações (sobretudo para as mais envelhecidas) que continuam a viver afastadas dos centros com maiores índices demográficos. Diminui, progressivamente, a população ativa; acentua-se o decréscimo da natalidade e o número de jovens; desaparecem profissões e atividades ligadas à agricultura.
Nas últimas décadas, a tragédia dos incêndios (que este ano começaram mais cedo, como ainda se viu no dia de Páscoa) na nossa região tem tornado ainda mais percetível o silêncio sepulcral de muitos povoados, o abandono de terrenos outrora cuidadosamente cultivados e rentabilizados, onde havia o colorido dos ciclos agrícolas e a policromia provocada pelas estações do ano.
Defrontamo-nos, atualmente, com a completa obliteração de antigos espaços de vida e trabalho, com uma progressiva e preocupante degradação ambiental, diminuição da qualidade de vida, com o aumento de pessoas solitárias nos espaços rurais, com a saída de gente para outros lugares, com cenários de ausências definitivas…
E o que vemos por montes e vales do interior, pelos caminhos esquecidos? Desolação, habitações à venda, casas vazias, degradadas, portas encerradas ou esventradas pela destruição do tempo e pelo instinto de vandalismo de alguns forasteiros; muros derrubados, janelas quebradas, telhados caídos, interiores habitacionais transformados em montes de escombros…imagens cruéis de um presente transformado em tristeza e solidão.
“O nosso passado como que se amesquinha na indiferença do presente”, escrevia Miguel Torga. Contudo, há quem não fique indiferente.
Pedro Baltazar, com a sua atitude e experiência de fotojornalista (que já foi), confronta-nos com esta dura e fria realidade do despovoamento. Sebastião Salgado comentava que “fotografia são símbolos”; daí que, acrescentava, “ou você tem uma foto que conta uma história sem precisar de legenda, ou você não tem nada.” Com o seu saber fazer e através da sua sensibilidade, Pedro Baltazar lança-nos o repto de uma reflexão sobre este drama português. “O difícil em arte é criar-se emoção, sem se mostrar que está emocionado”, tal como escrevia Vergílio Ferreira.
Estamos perante arte e outrossim perante emoção. Alguém pode ficar indiferentes a estas imagens captadas por Pedro Baltazar? Achamos que não.
A nossa melhor resposta é recebermos e divulgarmos a mensagem que nos é transmitida, assumindo o nosso papel enquanto cidadãos ativos e protagonistas permanentes de uma intervenção cívica, sem tibiezas, em prol de uma luta pelo equilíbrio entre meios rurais e urbanos, num caminho orientado para a sustentabilidade dos nossos territórios.
Esta exposição materializa o desejo de Pedro Baltazar despertar uma maior atenção para a temática do despovoamento, sendo também um apelo a medidas e intervenções que alterem este lancinante panorama…
Numa entrevista que publicámos no passado ano, dizia-nos o autor desta exposição que “na área da fotografia temos que fazer cada vez mais exposições físicas, a fotografia tem de passar mais para o papel e não ficar apenas nos meios digitais”.
Acrescentava depois que “o público, em geral, ao ver mais fotografia em papel vai despertar mais para este tema, pois a fotografia em papel é muito mais apelativa.”
As excelentes fotos expostas – selecionadas entre as 100 que integram o projeto 100gentes, começado em 2019 e o qual se encontra em fase de conclusão – confirmam isso mesmo.
Na exposição, e como foi explicado no ato inaugural, a alternância entre as fotografias a cor e as fotos a preto e branco pretende sublinhar contrastes, despertar consciências e fazer convergir mais olhares atentos.
Olhares que devem representar – e como escreve Valentín Cabero Diéguez (Prémio Eduardo Lourenço) a propósito de uma outra interessante exposição de Victorino García Calderón, no Museu da Guarda – uma interrogação “sobre a nossa atitude perante os desastres do abandono e do despovoamento, perante a perda dos vínculos de solidariedade, e perante o esquecimento mais ingrato de modos de vida familiar e coletiva”.
Sem gentes não haverá futuro para o interior. Ficarão as fotos para memória…
Helder Sequeira
in O Interior, 19_04_2023
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