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112: Sanatório em agonia...

por Correio da Guarda, em 18.05.19

 

Sanatório Sousa Martins - 1.jpg

     Em 2018 o Ano Europeu do Património Cultural foi celebrado pela primeira vez, por iniciativa da União Europeia, balizado pelos objetivos da promoção da diversidade e do diálogo interculturais e da coesão social.

  Foram, assim, pensadas “realização de iniciativas envolvendo as comunidades, os cidadãos, as organizações, as entidades públicas e privadas, contribuindo para uma maior visibilidade da cultura e do património e para o reconhecimento da sua importância e do seu caráter transversal em todos os setores da sociedade.”

   Se atentarmos numa especificação mais pormenorizada desse objetivos, verificamos que eles apontaram para incentivar uma abordagem centrada nos cidadãos, inclusiva, prospetiva, integrada e transectorial; incentivando modelos inovadores de governação e de gestão a vários níveis do património cultural capazes de envolverem diferentes partes interessadas; realçando o contributo positivo do património cultural para a sociedade e para a economia; promovendo estratégias de desenvolvimento local na perspetiva da exploração do potencial do património cultural através da promoção do turismo cultural sustentável.

   O conceito de património não se circunscreve, atualmente, à conceção que prevalecia há algumas décadas anos atrás, resumindo-o a monumentos, às coleções de pintura, às esculturas e a palácios. “A memória coletiva de uma determinada população estende-se aos territórios onde vive, aos seus monumentos, aos vestígios do passado e do presente, aos seus problemas, à cultura material e imaterial e às pessoas”.

   Assim, o património edificado é uma das várias abordagens que podem ser efetuadas de entre a definição mais lata de património cultural. É, aliás, a este nível que têm sido cometidos os maiores atentados, perante a indiferença e a impunidade de quem, por direito, tinha obrigação de atuar.

   Essa apatia começa, como tivemos já a oportunidade de escrever anteriormente, no próprio cidadão comum, conquistado por um doentio comodismo que orienta os seus padrões culturais no limitado horizonte do quotidiano profissional ou dos amenos diálogos e discursos (convenientes) dos círculos de convívio e lazer. Escasseia a sensibilidade cívica…

   Na Guarda, os pavilhões que outrora pertenceram ao Sanatório Sousa Martins são um exemplo dessa falta de sensibilidade cívica e outrossim do desleixo continuado de entidades oficiais ou da incapacidade reivindicativa (de sucessivas administrações) para contrariarem o caminho da ruína e destruição conducente a “um túmulo de memória”.

   Uma atitude tanto mais criticável quanto o Sanatório foi uma instituição que marcou – temos repetido esta nota em inúmeras ocasiões – o desenvolvimento da cidade durante a primeira metade do passado século.

   A passagem, hoje dia 18 de maio de 2019, de mais um aniversário da sua inauguração é um bom pretexto para voltarmos a sublinhar o estado de ruína deste património citadino.

   A inauguração (inicialmente prevista para 28 de abril e depois para 11 de Maio) dos três pavilhões que integravam o Sanatório ocorreu a 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia que materializou nesta instituição de tratamento da tuberculose a homenagem a Sousa Martins, atribuindo-lhe o nome daquele clínico, cuja ação e dinamismo ela tinha já evocado numa intervenção pública, no seio da Associação Nacional aos Tuberculosos, realizada em 1889.

   “Aos dezoito dias do mês de Maio de mil novecentos e sete, num dos edifícios recentemente construídos no reduto da antiga Quinta do Chafariz, situada à beira da estrada número cinquenta e cinco, nos subúrbios da cidade da Guarda, estando presentes Sua Majestade a Rainha Senhora Dona Amélia (...), procedeu-se à solenidade da abertura da primeira parte dos edifícios do Sanatório Sousa Martins e da inauguração deste estabelecimento da Assistência Nacional aos Tuberculosos, fundada e presidida pela mesma Augusta Senhora (...)”.

   Assim ficou escrito no auto que certificou a cerimónia inaugural da referida estância de saúde, da qual, por muitos e diversos motivos, resta hoje uma pálida imagem.

  O Sanatório foi, durante décadas, o grande cartaz de propaganda da Guarda, “a cidade da saúde”; hoje, o que resta, está com péssimo prognóstico e certamente nem os “ares” do Ano Europeu do Património Cultural, nem os objetivos anteriormente mencionados vão minorar a “doença” ainda com cura…

Pavilhão D. Amélia - SANATÓRIO .jpg

     Na Guarda do património e da cultura o estado de degradação dos Pavilhões D. António de Lencastre e Rainha D. Amélia exige e merece medidas concretas e eficazes de defesa e salvaguarda, pois fazem parte da história da cidade e da história da saúde em Portugal.

    Esperemos que o número de emergência, 112, associado a este aniversário da inauguração do Sanatório Sousa Martins desencadeie decisões e medidas, a par da uma intervenção cívica esclarecida e reivindicativa!

 

    Helder Sequeira

 

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