Alojamento: SAPO Blogs
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Notícias da Guarda e região | Reportagem | Crónicas | Entrevistas | Apontamentos | Registos
“A Guarda e a sua Gente” é o título de uma pequena antologia, editada em 1988, baseada nas obras de Augusto Gil. Uma publicação que resultou do empenho de José Carreira Amarelo em contribuir para incrementar o interesse dos guardenses pela produção literária do autor da “Balada da Neve”.
“Os grandes homens enobrecem o berço em que nasceram pelas suas obras e agigantam-se nas cinzas em que repousam pela memória do seu povo. Augusto Gil é uma memória da Guarda.” Palavras que José Careira Amarelo deixou na introdução do referido livro, onde sublinhou o “preito de homenagem ao trovador sem escola”. No ano seguinte, e numa edição do Museu da Guarda anotou “Augusto Gil – cartas de amor”, missivas “nem breves nem secas como as que Camilo escreveu, mas manifesto clarão do lirismo e do estilo” do poeta que a cidade mais alta tem na galeria das suas personalidades mais ilustres.
Neste breve apontamento não é nosso objetivo falar de Augusto Gil, mas de José Miguel Carreira Amarelo; um distinto sacerdote, excecional professor, incansável investigador, dedicado estudioso da cultura regional, cidadão solidário, observador atento da comunidade onde exerceu a sua atividade. José Carreira Amarelo nasceu na aldeia de Marmeleiro (concelho da Guarda) em 22 de outubro de 1934 e faleceu no dia 12 de dezembro de 2000, em Coimbra. Para além da sua, reconhecida e apreciada atividade como sacerdote – cidadão simples, com uma grande humanidade e uma permanente disponibilidade para o próximo – sobressaiu também como docente e como homem de cultura.
Sempre discreto, declinava os protagonismos mediáticos ou as luzes da ribalta, optando antes pela entrega ao trabalho quotidiano, nas várias frentes do seu labor. “O Padre Amarelo era um homem excecional – e por qualidades de humildade e amor. Não lhe faltava perspicácia e sentido do dever e da responsabilidade, que, afinal, integravam o perfil de equilíbrio e de alguém principalmente atento aos outros. No entanto – eis a sua riqueza – desequilibrava-se. Não imitava os homens comuns – nem podia. Tímido, escrupuloso, vocacionado – chamado pela vocação de ser inteiro e bom”, como referiu o escritor Manuel Poppe, num dos seus livros.
Na área do ensino a presença de José Miguel Amarelo ficou bem marcada, como podem confirmar múltiplos e insuspeitos testemunhos; aliás, ao longo do seu percurso académico deixou indeléveis marcas da sua forma de ser e outrossim do seu saber, entregando-se à descoberta constante dos valores e expoentes culturais desta região. “O Dr. Amarelo estava interiormente convencido de que a Igreja só foi aceite quando se voltou para a cultura que constituiu a sua riqueza e atração. A história o confirma desde os seus começos, com a fundação das escolas paroquiais e episcopais e as primeiras universidades. Talvez por isso e por outros motivos aliou a sua missão eclesial a um trabalho honesto de intelectual persistente e inovador”, realçava Júlio Pinheiro (seu amigo, docente e também sacerdote) na publicação de homenagem editado pela (à altura) Escola Superior de Educação (ESE) do IPG, em dezembro de 2003.
O teatro popular foi uma das temáticas que o entusiasmou, com particular incidência nas tradições de Pousade, freguesia do concelho da Guarda; nos dois volumes editados sobre o teatro popular, procurou, (como escreveu na apresentação do primeiro dos dois volumes) “salvar do naufrágio do esquecimento e da perda uma pequena parcela da nossa cultura popular e regional.”
“A Paixão”, “Acto de Adão e Eva”, “O Nascimento de Jesus Cristo”, “A Morte de Antípatro”, “A Vingança de Enoe” e “Mártires da Germânia” são elucidativos exemplos dessas representações populares que sustentaram o seu objetivo de revelar “a perenidade e prevalência do teatro de cariz popular a par de outro de carácter institucional”, convicto da subsistência, no país, de “representações populares dramáticas de carácter didático e formativo, de índole religiosa e profana, ora com objetivos apenas recreativos, ora com fins satíricos e moralizadores.”
Carreira Amarelo “ficará sempre como um exemplo, um homem de exceção, pelo seu desejo de saber, pela sua capacidade de ação, pelo seu espírito de serviço, pela sua procura de unificação, pela irradiação de uma bondade sem limites”, anotou Júlio Pinheiro. “Ele defendia os desprotegidos, ajudava os humildes em pequenas coisas que para eles eram cheias de dificuldades, quase intransponíveis, como ir às repartições, ou escrever cartas para o estrangeiro em várias línguas”. Um exemplo “de inteireza, de bondade e verdade”, considerou, por seu turno, Manuel Poppe.
Nestas breves notas , aproveitamos para relembrar que depois de ter deixado a Direção da Escola Superior de Educação, do Instituto Politécnico da Guarda, onde lecionou, desenvolvia uma cuidada investigação sobre “As Pastorais dos Bispos da Guarda”; tema da tese de doutoramento que se preparava – antes da sua morte – para discutir.
Este trabalho (que constitui um importante documento histórico-cultural da região, mormente sobre o período temporal escolhido) não deve ficar esquecido; é importante que mereça (como defendemos já há duas décadas…) a adequada e merecida divulgação, pois, para além do seu valor específico, perpetuará a memória do seu autor e será um ato de justiça perante o demorado e meticuloso trabalho que precedeu a sua redação.
Naturalmente que não cabe nestas despretensiosas notas, nem é esse o intuito, a descrição do perfil de José Carreira Amarelo; todos quantos com ele conviveram, trabalharam ou se cruzaram certamente que não o esquecem, mas é igualmente importante que, coletivamente, valorizemos o seu exemplo, o seu contributo cívico e cultural. É um dever de memória…
Hélder Sequeira
“Na atualidade, a Escola é vista em termos sociais como um prolongamento da creche e por isso alguns encaram-na como “depósito dos filhos”. A preocupação com a aprendizagem mantém-se, mas com outra perspetiva”. Afirmou José Manuel Monteiro ao Correio da Guarda.
Este docente, que deixou recentemente as atividades letivas, cuja envolvência com as atividades cultuais tem sido notória ao longo dos anos, não deixa de notar que “os agentes educativos vivem um pouco alheados da cultura.”.
José Manuel Gonçalves Monteiro (1957) nasceu em Quinta dos Prados, Panóias e estudou nos Seminários da Guarda. Licenciado em Estudos Clássicos e Portugueses pela Universidade Clássica de Lisboa, foi professor nas Escolas Preparatória Gaspar Correia, Preparatória Vasco da Gama, Secundária nº1 da Venteira – todas na área metropolitana de Lisboa – secundária da Sé e Afonso de Albuquerque, na Guarda. Escreveu textos para jornais e revistas da cidade e publicou um livro de poesia em 2015, “A (im)perfeição dos dias” na editora Lua de Marfim; fez ainda a biografia de “Nuno de Montemor (Alma Brava, Meiga)”, para a Câmara Municipal da Guarda. Enquanto professor lecionou essencialmente turmas de português, mas também de Literatura Portuguesa, Latim e Clássicos da Literatura.
Como foi o seu percurso profissional?
Comecei a dar aulas, no dia 16 de março de 1981, na Escola Preparatória Gaspar Correia, na Portela de Sacavém, em Moscavide, arredores de Lisboa. Passei depois pela Escola Preparatória Vasco da Gama, também na Portela, e depois fui para a Escola Secundária nº 1 da Venteira, na Amadora. Em 1985, concorri a estágio para a Escola Secundária da Sé, na Guarda onde fiz estágio profissional e tive como orientador esse grande homem das letras guardenses, Prof. José Carreira Amarelo, e onde fiquei até ao ano letivo de 1998/99.
No ano letivo seguinte, transitei para a Escola Secundária Afonso de Albuquerque onde terminei o meu percurso profissional. Gostei de trabalhar em todas elas e aí convivi com bons profissionais da educação que me ajudaram a aperfeiçoar a “arte de ensinar”.
Como surgiu a sua vocação pelo ensino?
Tendo frequentado os seminários diocesanos, enquanto estudante, tive a sorte de ter bons professores, por isso, foi uma decisão natural.
Além disso, sempre tive uma empatia com os jovens e gostava do modo como eles procuravam aprender sempre mais. Enveredar pelo ensino foi, portanto, uma decisão que surgiu naturalmente e, quando me foi proposto começar a lidar com crianças, na Escola pública, aceitei imediatamente o desafio.
Fui trabalhador-estudante nos quatro primeiros anos de lecionação sendo difícil conciliar os estudos com as aulas, mas acabei por tomar o gosto pelo ensino e fiquei durante 43 anos seis meses e quinze dias.
E como foi a adaptação/integração nas atividades letivas?
Como acabei de referir os primeiros anos foram muito difíceis, mas a vontade de superar as dificuldades venceu tudo. Recordo que no primeiro ano tinha aulas alguns dias às 8.30 e tinha de sair de casa às 6.00 da manhã. Depois das aulas na escola, havia ainda a Universidade e, às vezes, chegava a casa após as 22.00 horas.
A integração decorreu relativamente bem já que tive bons colegas e nunca houve problemas com ninguém nas várias escolas por onde passei. A ajuda dos colegas, nos primeiros anos, foi muito importante. A formação que ia realizando também ajudou a adquirir conhecimentos no processo de ensino aprendizagem.
Relativamente aos alunos, com que idades gostou mais de trabalhar/lecionar?
Ao princípio, comecei com o 5º e 6º anos e a inocência deles e a avidez de aprender eram motivos para trabalhar com mais entusiasmo. Mais tarde, lecionei o 3º ciclo e secundário e também nessas idades via vontade de aprender.
Confesso que, nos últimos anos, só lecionei secundário e, por isso, sentia maior realização na transmissão de conhecimentos. Embora os programas fossem um pouco redutores, quer em relação ao português, quer na disciplina de Literatura, o interesse por outros autores era uma curiosidade que os levava a quererem alargar os seus conhecimentos.
Notou, ao longo dos anos, diferenças no comportamento dos alunos na aula e no interesse pelas matérias lecionadas?
Obviamente que, ao longo de 43 anos, muitas coisas mudaram em termos de ensino e de sociedade. Como referi, comecei em 1981, poucos anos após abril, e, apesar da revolução ainda estar fresca, os alunos iam para a escola motivados e gostavam de aprender.
A liberdade conquistada não impedia os alunos de respeitarem o professor dentro da sala de aula. Nesses primeiros anos tive alunos do Prior Velho, em Sacavém, e da Venteira, na Amadora, que eram zonas bastante problemáticas, mas nunca tive qualquer falta de respeito. Após a primeira década do século XXI, a desmotivação tornou-se maior entre os alunos já que os meios digitais foram paulatinamente tomando conte das mentes e a atenção em sala de aula diminuiu consideravelmente.
A seguir à pandemia esta situação tornou-se banal em sala de aula e, se não existisse uma imposição quase autoritária para deixar o telemóvel de lado, haveria sempre alguns alunos online durante todo o dia. Claro que, paralelamente ao comportamento, o desinteresse aumentou e, mesmo recorrendo a material da net ou utilizando outros meios digitais de informação, a atenção perdeu-se numa percentagem elevada.
Os professores viram aumentada a sobrecarga de trabalho ao longos dos anos e das várias reformas/alterações introduzidas? Quais as principais dificuldades?
Para ser sincero, acho que o trabalho de Professor sempre foi bastante “duro” porque, além das aulas, há sempre as atividades burocráticas que também é necessário realizar, mas que nunca me seduziram tanto como o estar na sala de aula frente aos jovens.
Essas atividades é que foram criando um esforço suplementar nos docentes pois, especialmente nestes últimos anos, lidar com Pais e Encarregados de Educação tornou-se uma tarefa difícil.
Quanto às atividades letivas, se a formação exigida foi realizada com empenho e honestidade, as dificuldades não eram tão prementes.
Pessoalmente, fui acompanhando a evolução do mundo digital quer por autoaprendizagem, quer por ações de formação realizadas e isso permitiu-me acompanhar sempre os alunos recorrendo a materiais novos que a cada ano iam surgindo.
Como viu a relação professor/aluno, ao longo dos anos?
Se a relação em sala de aula for complementada com uma relação de proximidade fora da mesma sala, acho que os problemas serão sanados com certa facilidade. Quando os pontos de vista se extremam, é que surgem os problemas. Nos meus anos de serviço, recorri à “expulsão” da sala de aula três ou quatro vezes e posso afirmar que esses alunos/as são hoje meus amigos pois perceberam que a minha atuação tinha sido justificada e educativa, não penalizadora.
Logicamente, e acho que já referi isso em questões anteriores, durante as quatro décadas a sociedade mudou e os valores que eram referenciados pela Escola mudaram muito.
Nos anos oitenta, havia um respeito temeroso na Escola e aluno e professor pertenciam a realidades diferentes. Hoje, há que criar um respeito baseado na confiança mútua e é bom que os alunos sintam que o Professor está lá como um orientador e como alguém cuja experiência lhe permite lidar com a situação de aprendizagem de maneira diferente já que tem uma cultura que o adolescente não tem. Se essa confiança se estabelecer, haverá menos problemas em contexto de sala de aula.
Que projetos ou atividades mais gostou de desenvolver?
Sempre me senti bem dentro da Escola e participei pouco em atividades extraescola, como visitas de estudo de um dia ou dois, como se faziam antigamente.
De qualquer modo sempre que havia a possibilidade de os alunos participarem quer em palestras, quer em representações teatrais ou de outra índole na cidade, fazia questão de os meus alunos estarem presentes.
Como nos últimos anos lecionei as disciplinas de Literatura Portuguesa e Clássicos da Literatura promovi conversas com escritores não só por convite pessoal, mas também em colaboração com o TMG, BMEL e Museu. Privilegiei escritores e autores da cidade ou distrito, pois normalmente são pouco conhecidos dos jovens. Lembro que as publicações de autores da Guarda, até há pouco tempo, eram quase inexistentes e não tinham visibilidade.
Quais os momentos ou acontecimentos ocorridos na sua vida profissional que lhe trazem melhores recordações? E os piores?
Foram anos de realização profissional bastante gratos. As melhores recordações que me ficaram no coração foi o reconhecimento que, em cada ano, os alunos me foram fazendo e os agradecimentos recebidos deles.
As lágrimas nos olhos, os abraços recebidos no final de cada ano letivo foram a “medalha” mais genuína que como professor pude receber.
Há uma recordação que ficará sempre na memória que foi a publicação do livrinho “Para sempre … talvez não”, realizado na disciplina de Área Escola e publicado pelo TMG, no ano letivo de 2007/2008. Foi escrito, nas aulas, por um grupo de 5 alunas, mas só foi possível a sua execução pelo apoio que a turma toda deu. O 12º C era uma turma incrível! Ia dizer que não houve momentos maus, mas já que falei na turma, na riqueza dos trabalhos realizados e na rebeldia dos jovens que não quis prejudicar cortando-lhe as asas, houve uma entidade da cidade que achou exagerada a liberdade dada aos alunos nos seus trabalhos de investigação. Assim, data desse ano a única mancha no meu currículo profissional: uma repreensão escrita que me foi dada pela Direção da Escola. Aliás essa mancha para mim foi mais um louvor, mas que custa, custa!
Acha que o trabalho e o papel dos professores têm sido desvalorizados?
Sim. A partir do “consulado” de Maria de Lurdes Rodrigues, a profissão foi bastante desvalorizada especialmente porque em vez de professores passámos a ser técnicos burocráticos. E de exercer a profissão com liberdade pedagógica, como muito bem expressou Sebastião da Gama na sua poesia, passámos a ser funcionários cansados, como se diz no poema de António Ramos Rosa. E a base dessa desvalorização é económica e política e não pedagógica. Infelizmente!
Como vê, atualmente, a relação dos professores com os pais? É diferente daquela que se verificava há décadas atrás?
Hoje, o relacionamento entre a Escola e os Pais/EE é diferente da que se verificava há anos. A preocupação maior dos Pais era que os filhos aprendessem e conseguissem superar as dificuldades.
Na atualidade, a Escola é vista em termos sociais como um prolongamento da creche e por isso alguns encaram-na como “depósito dos filhos”. A preocupação com a aprendizagem mantém-se, mas com outra perspetiva. Assim, a relação Pais / Professores tornou-se um pouco mais conflituosa já que a perspetiva como a Escola é encarada por ambas as partes é mais divergente.
As novas tecnologias trouxeram muitas transformações no processo ensino/aprendizagem?
Acho que deviam ter sido em maior número do que aquelas que se produziram. Nós, professores, não fomos capazes de acompanhar as novas tendências do processo e, por isso, ficámos algumas vezes parados no tempo (estou a generalizar obviamente).
A evolução foi muito rápida e nem sempre os Centros de Formação e as Escolas/Ministério ofereceram aos agentes educativos meios e instrumentos pedagógicos virados para as novas tecnologias. Especialmente o Ministério achou que os professores tinham obrigação de aprender sozinhos, como se isso não fosse um dever do próprio Ministério. Desta maneira, quando se deu o desenvolvimento rápido das novas tecnologias, ninguém estava preparado suficientemente para as aplicar nas escolas. Ainda hoje se nota esse desfasamento.
Como pessoa de cultura e atenta à cultura procurou sensibilizar e envolver os alunos em atividades externas desta área?
Uma das minhas preocupações, em termos de ensino, sempre foi que os alunos tivessem horizontes abertos mais além do que aquilo que a escola/programas lhes dava.
Daí que a abertura à cultura fosse um dos motivos impulsionadores da aprendizagem. Já referi atrás que procurei levar os alunos a participarem nas atividades desenvolvidas na cidade. Sempre que era possível lá estávamos ou como ouvintes, ou como intervenientes. Assim, foram várias as atividades em que participei com os meus alunos quer na BMEL, quer no TMG, quer no Museu. O livrinho, que referi acima, foi publicado pelo TMG, pois o Diretor daquela altura, Américo Rodrigues, fez todos os possíveis para que aquela atividade não ficasse apenas na escola, mas fosse divulgada à comunidade.
Lembro também, a título de exemplo, a participação dos alunos numa atividade do Museu em que foram “atores” ativos e uma outra mais recente, na BMEL, onde leram poemas na apresentação de uma poeta de Lisboa, Lília Tavares. Fica a noção de que poderia ter sido feito muito mais, mas muitas vezes os horários rígidos da Escola não permitiram uma maior presença.
Os professores são participativos nas atividades culturais, dentro e fora da escola?
Dentro da Escola tirando raras exceções os docentes participam de boa vontade nos acontecimentos programados. Nos últimos anos, o Ministério tenta implementar nos alunos o gosto pela leitura recorrendo aos Professores bibliotecários e a diversas atividades que foram bem recebidas pelo corpo docente. [No Agrupamento a que pertenço, o papel do Professor bibliotecário foi muito bem dinamizado pelos Professores Joaquim Igreja e Adelaide Mariano que desenvolveram imensas atividades procurando incentivar os alunos à leitura.]
Fora da escola, infelizmente a presença dos professores nas atividades culturais é muito escassa. Parece que os agentes educativos vivem um pouco alheados da cultura. Há, no entanto, em quase todas as atividades desenvolvidas um grupo que marca presença assídua.
Houve alunos/alunas que ficaram para sempre na sua memória? Acompanha ou procura acompanhar os seus percursos profissionais?
Sim, felizmente! Há um grupo bastante numeroso com que fui mantendo contacto. Essa relação pós-escola, traduz-se por exemplo na apresentação de livros entretanto publicados por eles.
Hoje, as redes sociais facilitam esse contacto e entre os amigos que tenho no facebook ou no instagram há um grupo muito grande de antigos alunos. Fora das redes sociais, há outros contactos que se estabelecem e que me permitem acompanhar o seu percurso profissional.
É um orgulho ver o êxito que têm nas várias áreas em que se integraram no mundo do trabalho. Claro que o contacto mais frequente é com aqueles que se tornaram professores e que sentem o que eu sentia, daí a troca de mensagens sobre o processo de aprendizagem.
A sua ligação à poesia é conhecida. Como surgiu esse gosto? Autores preferidos?
A poesia surgiu naturalmente ao longo dos anos de estudos. Um dos responsáveis por esse gosto foi o meu Professor de Português dos 10º e 11º anos, Padre António Crespo, que, nas aulas, lia poesia de maneira emotiva e expressiva. A partir daí, o gosto foi crescendo.
A princípio, li o nosso Augusto Gil todo e outros autores da época como Afonso Lopes Vieira. Depois nasceu o gosto pelos grandes poetas portugueses do século XX: Fernando Pessoa, Miguel Torga, Sophia e Eugénio. Estes são os meus poetas de referência.
Dos atuais, gosto de ler poesia de Nuno Júdice, João Barreto Guimarães, Jorge Sousa Braga, Ana Luísa Amaral, Filipa Leal, Lília Tavares e Maria Afonso. Não tanto na poesia, mas como autores de referência literária atual, leio Valter Hugo Mãe, João Tordo, José Luís Peixoto, Afonso Cruz entre outros.
E quanto à sua produção poética? O que tem feito e que projetos estão em perspetiva?
Na apresentação do meu livro de poesia, em 2015, referi que seria uma publicação única pois quis fazer com ela uma homenagem aos meus pais cujo centenário de nascimento celebrávamos. Por isso, não tenho planos de publicação em breve. Não quer dizer que não venha a acontecer daqui a uns anos.
Continuo a escrever poesia e prosa, mas para a gaveta. A escrita é uma libertação da rotina diária, mas intimista. A exposição ao público não é necessária para o ato criativo. Se vier a existir tudo bem. Assim, perspetivas de publicação nos próximos anos, não há.
Como vê a atividade cultural realizada na Guarda?
Face às verbas destinadas à cultura(s) pelo município(s), muito se consegue fazer na cidade. As prioridades vão para espetáculos de carácter populista – a cultura popular também é importante e merece ser divulgada – com música de fácil memorização. Quanto à cultura séria e que leva a pensar, os responsáveis pela programação fazem o possível por concretizar uma oferta diversificada que vai da música ao teatro e a conferências sobre assuntos importantes.
No entanto acho que se deveria fazer uma pouco mais. O referente da nossa cidade e patrono da Biblioteca, Eduardo Lourenço, pediria um pouco mais e melhor. A cidade, em tempos não muito distantes, foi uma referência cultural a nível nacional, hoje não o é. Os tempos são outros é verdade e, repito, os diretores do TMG, BMEL e MUSEU tentam trazer à cidade algum dinamismo, mas sem ovos….
Um aspeto relevante, e que me apraz destacar, tem sido a realização de atividades que impliquem as escolas e com horários em tempos de aulas. Haver atividades só ao fim de tarde e noite não atrai os jovens a participar pois têm outros interesses para esses horários. A cultura e a Escola deviam caminhar juntas de mãos dadas.
Que iniciativas, já realizadas, gostaria de sublinhar? E o que gostaria de propor?
As representações teatrais de qualidade, os espetáculos com cantores e grupos musicais de relevo, as exposições importantes que tem havido na Galeria de Arte, na BMEL e no Museu são iniciativas que merecem mais relevo citadino. No entanto, destaco as publicações de livros que têm sido feitas com autores da cidade. Muitos deles passam ao lado do grande público e seria uma pena pois temos na cidade bons escritores.
A minha proposta, para além das atividades que vão sendo feitas, era levar esses autores (escritores e artistas plásticos) às escolas para que os alunos pudessem ter um contacto mais forte com aquilo que se faz na cidade. E isso é possível sem grandes custos para a autarquia.
Quais os seus projetos, a curto prazo?
Não tenho grandes projetos delineados. Para já, viver cada dia usufruindo das coisas boas da vida. O contacto com a natureza é um dos legados dos meus pais e agora vai ser possível realizá-lo mais e melhor.
Além disso, aproveitar as oportunidades de aprender quer lendo mais, quer fazendo mais visitas a sítios ainda não visitados. Alargar e aprofundar conhecimentos e transmiti-los através da escrita. O projeto horaciano do carpe diem! continua a ser o melhor, na minha perspetiva."Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais." (Rubem Alves).
HS/Correio da Guarda
Em Freixo de Numão, concelho de Vila Nova de Foz Côa, foi inaugurado no passado sábado, 27 de agosto, o Centro Interpretativo António Sá Coixão. O ato inaugural foi complementado com uma homenagem a António Sá Coixão – professor, historiador e arqueológo – “pela dedicação, entrega e trabalho desenvolvido ao longo de 44 anos, em prol da história, cultura e promoção do território”.
O Centro Interpretativo está localizado no Largo da Praça em Freixo de Numão.
Na foto, em primeiro plano, António Sá Coixão. Foto: C.M. Vila Nova de Foz Coa
António Sá Coixão é natural da freguesia de Freixo de Numão, licenciado em História, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde obteve o grau de Mestre em Arqueologia. Foi professor do ensino secundário, em Vila Nova de Foz Côa, desempenhou também o cargo de vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa e de Presidente da Junta de Freguesia de Freixo de Numão.
No ano de 1980, António Sá Coixão impulsionou a constituição da Associação Cultural Desportiva e Recreativa de Freixo de Numão, tendo fundado o jornal “Notícias de Freixo de Numão” para além de se afirmar como dinamizador de múltiplas atividades. Contudo uma das áreas onde mais sobressaiu foi no campo da investigação arqueológica no seu concelho, onde lançou os “primeiros circuitos turísticos de base cultural e patrimonial.”
A criação do Museu da Casa Grande de Freixo de Numão é outro dos projetos que concretizou, associando o seu nome a várias publicações editadas pela Câmara Municipal de Vila Nova de Foz Côa. A autarquia fozcoense atribuiu-lhe a Medalha do Concelho, a maior distinção municipal, da Vila Nova de Foz Côa.
A sua tese de doutoramento, em Estudos do Património – Arqueologia, subordinada ao tema “A Romanização do Baixo Côa” (defendida em 2017) é o resultado de um contínuo trabalho de investigação no concelho de Vila Nova de Foz Coa.
Pode ficar a conhecer melhor este investigador e arqueólogo, natural do distrito da Guarda, aqui.
Nélia Carrilho, natural do Soito e residente na Guarda, é professora do Ensino Básico desde 1987. Apaixonada por desenvolvimento pessoal e relações humanas está empenhada em “despertar consciências para mudar comportamentos”.
Vive e sente a zona raiana, com diz ao CORREIO DA GUARDA. Aliás, diz, “não seria a mesma pessoa se não tivesse as influências da minha região com caraterísticas tão especiais.” Gosta de ensinar e de escrever poesia, que é para ela “um estado de alma”. E sonha com novos projetos. Um, que tinha “em sala de aula, agora ganha asas e vai a outras escolas e está a ser transformado para ser aplicado a um maior número de alunos”.
O que representa para ti a zona raiana?
Nascida e criada na raia, vivo e sinto a raia como parte de mim e do meu ser. A família mais direta do lado do meu pai é espanhola. Então para mim é natural a vida naquele espaço. RAIA. Não seria a mesma pessoa se não tivesse as influências da minha região com caraterísticas tão especiais.
És uma defensora das tradições da raia? Tens uma participação ativa?
Sou defensora e vivo intensamente, cada vez mais, as nossas tradições. Gosto de divulgar a minha Raia e aproveito a minha profissão para a divulgar e dar a conhecer.
Há grandes diferenças entre o ontem e o hoje? O que se perdeu de forma mais significativa?
Muitas diferenças existem. Vivíamos numa região que dependia dos nossos vizinhos para ter os produtos mais básicos que possam imaginar. Como ir comprar pantufas, colorau para as matanças, laranjas, bananas, café e muitos outros. Ir ao lado de lá era meio de subsistência.
Cresci a ouvir espanhol, pois a tv que se via de lá era muito mais avançada que a nossa e tinha programas para crianças. Aprendíamos a língua por contacto direto. Esta talvez tenha sido a maior perda. As crianças perderam esta naturalidade cultural e bilingue.
Parte do teu ciclo de formação académica foi no Sabugal. Que lembranças do Externato/Colégio do Sabugal?
Para mim, que tinha estudado na minha terra, era a experiência de sair de casa. O externato tinha um papel preponderante na região e era um orgulho ir para o Sabugal.
Com apenas 15 anos sair de casa. Era uma emancipação precoce. Por aquela época estava entregue a mim própria e teria que construir o meu caminho.
Ficou a camaradagem, amizades que ainda duram e a gratidão de ter pertencido àquela casa.
Como surgiu a tua vocação pelo ensino?
Desde a escola primária tinha o sonho de ser professora. Nunca mudei de opinião, ou tive dúvidas. Talvez porque também tinha exemplos na família.
Como foi o teu percurso profissional?
Durante 30 anos percorri quilómetros por escolas de diversos distritos, até que cheguei à Guarda. Este ano, em janeiro integrei a equipa da nova direção do AEAAG, como adjunta.
O caminho foi feito entre dar aulas, ser parte ativa da escola e suas necessidades, integrar projetos e fazer formações para me manter na linha da frente pedagogicamente e inovar em sala de aula.
E o gosto pela poesia, surgiu cedo?
Sim. Quando o meu professor de Português do Externato do Soito, explorou a poesia, fiquei a gostar das rimas e de brincar com as palavras.
Como defines a tua poesia?
A poesia é um estado de alma. Um dia posso escrever sobre o amor e outro sobre a terra. Escrevo sobre o que me vai na alma em determinado momento.
Também gosto de a promover em sala de aula. Os meus alunos cedo começam a rimar e a usar as palavras em diferentes contextos. As palavras saem naturalmente e gosto de escrever para que todos entendam. As palavras simples podem chegar a mais.
O que representou o lançamento, em 2017, do livro “Para Ti”?
Dar a conhecer o meu lado poético e tirar da gaveta o que tinha escrito há tempo, foi como presentear um público com parte de mim.
Foi mais uma marca no meu caminho, pois a partir daí passei a ser convidada para vários eventos e a poder utilizar a poesia para chegar a mais pessoas. Escrevo muitas poesias para eventos específicos e presentear outras. A escritora saiu à rua.
“Encontro com o Poder da Mente” é outro trabalho da tua autoria. Quando surgiu o interesse pela temática abordada?
O desenvolvimento pessoal entrou na minha vida em 2015. A partir daí é um caminho sem fim, sempre a aprender e a partilhar com outros.
Nesta área há uma diversidade de temáticas, mas as que mais gosto são a inteligência emocional, comunicação assertiva e o poder da mente.
Como dou palestras e faço workshops, senti necessidade de poder entregar aos participantes algo que pudesse ser entendido como o despertar do poder que cada um tem em si.
Daí escrevi este despertar e mais recentemente o EmocionalMente. Falar sobre emoções e compreendê-las muda a nossa perspetiva e visão das coisas e das pessoas. Desenvolvemos em nós a capacidade de melhorar, de nos relacionarmos connosco e com os outros.
“Semear Mentes, para curar o coração”. Esta é uma regra que segues com rigor?
Sim. Desde que comecei neste caminho que percebi que podia ajudar outras pessoas com problemas emocionais.
Então gosto de partilhar com outros este poder da mente como forma de semente para que cada um perceba o poder de cura que tem dentro e seguir a uma descoberta do Eu que cada um tem dentre e muitas vezes é desconhecido. A par da minha vida profissional, tenho outra vida. Esta. Que tem crescido muito ultimamente.
O desenvolvimento de projetos sobre emoções na infância é uma atividade em que te tens empenhado. Fala-nos da sua importância.
Neste meu caminho, não poderia esquecer os meus alunos e outras crianças que sofrem e nem sempre a escola tem resposta para as suas necessidades emocionais.
Nem sempre uma criança que não aprende tem a ver com falta de capacidades. Muitos têm graves problemas emocionais e as famílias não conseguem ter soluções.
Assim surgiu este lema que está relacionado com um projeto que tenho para os alunos, com a finalidade de trabalhar as emoções, levando assim a um melhor sucesso educativo. Já aplico o projeto “Caixa dos Segredos” há 4 anos e tem resultados fantásticos, nos alunos e suas famílias. Permitir que as crianças possam compreender o que sentem e porque sentem, melhora muito o seu estado emocional e as aprendizagens. Traz calmaria e melhor relacionamento com colegas e adultos. Há menos stress e maior empenho.
E quanto a outros projetos, no futuro?
Estou envolvida em alguns. O projeto que tinha em sala de aula, agora ganha asas e vai a outras escolas e está a ser transformado para ser aplicado a um maior número de alunos.
Integro a criação da 1ª Academia de desenvolvimento Pessoal em Portugal. APSDH – Academia Portuguesa de Superação e Desenvolvimento Humano. Elementos de diferentes partes do país que se juntam para levar o nosso conhecimento aos portugueses e poder ajudar quem mais necessita. Estamos a finalizar as legalidades e vai ser apresentada nas Caldas da Rainha dia 5 de novembro, num evento a publicitar até lá.
O projeto EmocionalMente vai ser desenvolvido no AEAAG e vai ser direcionado para a gestão de conflitos, comunicação assertiva e cuidar dos alunos com graves problemas emocionais que sem esta ajuda estarão perdidos. Continuo a fazer workshops e palestras
Integro o projeto EBIF- Escolas bilingues e interculturais de fronteira. Com organização da OEI (Organização de Estados Ibero Americanos) e dos Ministérios dos dois países. Temos vindo, desde há dois anos a desenvolver este projeto com os alunos de 5 turmas do Agrupamento, com a finalidade de promover o bilinguismo, a interculturalidade e a intercompreensão. Para que os alunos de fronteira possam recuperar estas caraterísticas que no passado nos eram inerentes. O projeto vai ter continuidade. Estamos à espera de indicações para este ano letivo. Ainda neste âmbito irei participar num Erasmus durante este ano letivo.
Foto: DCV
Uma equipa de 10 alunos do Departamento de Ciências da Vida (DCV) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTU) tem estado a participar na escavação da necrópole de Moreira de Rei, Trancoso.
Esta atividade, iniciada em julho e prolongada pelo mês de agosto, ocorreu no âmbito do protocolo de cooperação assinado entre o DCV e a Câmara Municipal de Trancoso.
Esta intervenção, na maior necrópole de sepulturas escavadas na rocha da Península Ibérica, foi realizada com o aconselhamento científico na área da Antropologia Biológica pela Profª Ana Maria Silva, docente do DCV.
O Departamento de Ciências da Vida (DCV), criado em junho de 2009, agrega o ensino e a investigação nas áreas de Antropologia, Ecologia, Biologia Molecular e Celular, Bioquímica, Biotecnologia e Microbiologia.
Natural de Pinhel, Abel Virgílio viveu vários anos na Guarda, cidade que considera “com forte apego, ao longo dos séculos, ao nobre sentimento da nossa portugalidade”. A vida militar, o jornalismo e a rádio são páginas de uma vida plenamente assumida, onde a sua atividade principal e vocacional – como disse ao CORREIO DA GUARDA – foi sempre o ensino. Lecionou alunos dos vários graus de ensino desde, 1963 até 1978, ano em que passou a exercer funções pedagógico-administrativas na coordenação do ensino da Embaixada de Portugal em França. Ingressou em 1989 na Inspeção-Geral da Educação, onde manteve, até à sua aposentação, “uma atividade inspetiva a escolas e instituições públicas e privadas de todos os graus do ensino.”
O que representa para si a Guarda?
A Guarda representa no meu espírito e na minha cultura uma cidade do interior do país com vasta história e imenso património artístico, no qual se salienta o seu ex-libris: a sé catedral, cabeça duma diocese multisecular.
Foi e é uma cidade altaneira, de montanha, granítica, com uma grande identidade das suas gentes e daqueles, como eu, que por lá viveram, na defesa dos seus valores e património ancestrais e na sua divulgação na diáspora, no estrangeiro.
Foi e é uma cidade, - honra lhe seja, - com forte apego, ao longo dos séculos, ao nobre sentimento da nossa portugalidade, mesmo se situada às portas de Castela-Leão.
Foi e é uma cidade da simbiose afetiva perfeita entre a sua academia, os militares do seu aquartelamento, os seus clérigos, as suas forças vivas, o seu bom povo.
Enfim, a Guarda deixou em nós todos uma forte ligação e empatia, porque nela vivemos respirando um espírito de tolerância, hospitalidade e compreensão.
Foi uma cidade inesquecível no meu itinerário de vida: lá namorei, lá casei, lá nasceram os meus dois filhos e lá estão sepultados os meus sogros.
Quando é que veio para a Guarda?
A primeira vez que subi à Guarda, ido da minha terra natal (Pinhel), foi no distante ano de 1954 para, no Liceu, prestar provas do exame de admissão. Recordo que fiquei alojado numa casa da rua dos Cavaleiros, ali bem perto da Sé e do Liceu, e pude deslumbrar-me com a imponência dos dois.
A partir dali passei a ir bastas vezes à Guarda, mas fixei-me em agosto de 1961, iniciando a preparação para o acesso à Escola do Magistério Primário, uma das mais conceituadas do país, que frequentei até finais de julho de 1963.
Mais tarde, em julho de 1967, regressei como oficial miliciano instalando-me no Regimento de Infantaria 12 onde permaneci até abril de 1970. Neste ano casei com uma guardense e por lá continuámos até ao início de novembro de 1975.
Como carateriza a cidade e a juventude dessa época?
Nesses tempos, a Guarda era o farol cultural das Beiras: tinha um ensino liceal público completo, uma escola do magistério muito prestigiada, uma escola comercial e industrial com cursos diversificados, um seminário maior com bastantes seminaristas e dois colégios católicos (um masculino e um feminino).
Neste âmbito rivalizava com as cidades vizinhas (a Covilhã, por exemplo, só possuía cinco anos do ensino público liceal).
Nesse tempo, a juventude da Guarda, saída de meios familiares relativamente pobres, era feliz e idealizava sonhos e realizava projetos para o futuro. Mas, a marca fundamental que ficou em nós todos foi a da amizade, da fraternidade e da solidariedade que nos continua a ligar ao longo da vida, decorridos já tantos anos.
O que tinha, então, a Guarda para oferecer aos jovens?
A Guarda oferecia aos jovens uma hospitalidade invulgar. As casas/pensões que nos acolhiam tratavam-nos como sendo da família. Num dos anos letivos eu estive alojado, no chamado largo João de Deus ou dos Correios, na casa da D. Cândida Mota (onde também esteve o antigo procurador-geral Pinto Monteiro e outros) e no seguinte, ao lado, na casa dos pais do saudoso companheiro Pedro Evangelista. Mas, fosse nos cafés, que nos tiravam do frio nas noites de inverno, fosse nas sessões do cine-teatro, fosse nas ruas geladas da cidade, tínhamos sempre o sorriso generoso e bom dos guardenses com uma saudação amiga para a “estudantada”.
Além disso, a academia da Guarda, com o uso coimbrão da capa e batina, tinha a particularidade de “oferecer” os seus caloiros uma praxe, ritual que os praxados não esqueceram nunca mais.
Ah! O que também a Guarda oferecia aos jovens eram a neve, o sincelo e o vento cieiro nos dias do inverno, imagens de marca de um tempo que nunca esqueci.
Quais as personalidades mais marcantes dessa época?
Nessa época a Guarda beneficiava do facto de ter em Lisboa, personalidades bairristas de relevo: o dr. João de Almeida, o dr. Soares da Fonseca, o professor dr. Veiga Simão (que viria a ser ministro da Educação no consulado de Marcelo Caetano), o dr. Augusto César de Carvalho, Prof. Dr. Fernando Carvalho Rodrigues e muitos mais.
Mas na Guarda, no meu tempo, as figuras mais marcantes eram os bispos da diocese, os governadores civis, os presidentes do Município, os professores dos estabelecimentos de ensino e os altos quadros do regimento, da medicina, da justiça, da indústria e dos serviços públicos.
Não poderei deixar de mencionar os bispos dos meus tempos da Guarda: D. Domingos Gonçalves, D. Policarpo da Costa Vaz, e mais recentemente essa eminente figura da igreja, o cardeal Saraiva Martins. E oradores sagrados de grande renome e prestígio, tais como o dr. Vitor Feytor Pinto e Afonso Sanches de Carvalho. Como governadores civis recordo os drs. Augusto César de Carvalho, Santos Júnior, Luis de Almeida, Mário Bento e Andrade Pereira. Como autarcas os drs. Lopes Quadrado e Aristides Prata. Como militares comandantes do R.I.12 os coronéis José Maria Vieira Abrunhosa, Jorge Inglês P. de Carvalho e Jorge Pereira de Carvalho. Como causídicos os drs. João Gomes, Francisco Bigote, Celínio Antunes, Andrade Pereira, Pires da Fonseca. Como médicos os drs. Martins Queirós, Silvano Marques, António Júlio, Alberto Garcia, Sardo, Martins das Neves, Pereira da Silva, Afonso Paiva, Orlindo Teles, Baeta de Campos, etc. Os professores que impulsionaram a nossa juventude para a vida ativa, e que se distinguiram até a nível nacional, tais como os drs. Abílio Bonito Perfeito, Costa Ramalho, Manuel Jorge Proença, Armando Saraiva de Melo, cónego Álvaro Quintalo, Beatriz Salvador, Maria Alice Quintela, Fernanda Cardinal, etc. etc. No tecido empresarial surgiam à cabeça Manuel Conde, a família Tavares, Lúcio Romão, e outros.
Como começou a sua ligação à imprensa regional e nacional? E que tipo de colaboração desenvolveu?
A minha ligação à imprensa regional iniciou-se em 1959, com apenas 15 anos.
Ao verificar que o campo de futebol municipal Astolfo da Costa, em Pinhel, servia simultaneamente para o desporto local e para a realização de feiras de gado, insurgi-me com tal atropelo sanitário e escrevi um artigo crítico que entreguei ao meu saudoso amigo Madeira Grilo, que então era, conjuntamente com Virgílio Afonso, um dos chefes da redação do semanário “Correio da Beira”.
O artigo foi publicado, e no seguimento dele tive o convite desses dois amigos para ser o correspondente do Jornal em Pinhel. Simultaneamente, também o abade de Pinhel, diretor do “Pinhel Falcão” me convidou para ser colunista neste mensário católico da cidade.
Mais tarde, em 1967, passei a ser correspondente em Pinhel do “Diário de Coimbra” e, depois, na Guarda do “Jornal de Notícias”. Pela mão do cónego Sanches de Carvalho passei a ser, além do correspondente do Jornal “A Guarda” em Pinhel, também seu editor da página desportiva e revisor de todo o Jornal antes de ser impresso. Logo que passei a colaborar no Jornal “A Guarda” abandonei a correspondência com o “Correio da Beira”.
Durante o serviço militar no R.I.12 recriei e editei o jornal regimental chamado “Fronteiros da Beira”. Mantive a colaboração com a imprensa escrita até à minha partida para França, em finais de 1975. Depois do meu regresso, em 1989, apenas continuei como colunista permanente no jornal “Pinhel Falcão”, publicando sob o pseudónimo de Eneida Beirão, até pouco depois do falecimento em 2015, do meu saudoso amigo e seu diretor Maia Caetano.
E a ligação à Rádio e quais os companheiros que recorda?
Em 1967, quando cheguei ao quartel da Guarda, fui convidado pelo meu amigo Emílio Aragonez para com ele editar na Rádio Altitude um programa desportivo designado “Desporto Regional”, logo após a saída do programa dos saudosos amigos Madeira Grilo, Luís Coito e Luís Coutinho.
Acompanhávamos o desporto regional nos três distritos da Beira interior, mas com maior incidência no da Guarda. Dessa participação benévola mas dedicada recordo com imensa saudade o nosso diretor, dr. Martins Queirós, o nosso administrador A. Carvalhinho, e os companheiros inesquecíveis nessa genuína escola da rádio e alfobre de amizades: Antunes Ferreira, Vaz Júnior, Joaquim Pinheiro, Emílio Aragonez, António José Teixeira (atual diretor de informação da RTP), Joaquim Fonseca, Luís Coutinho, Luís Coito, Alcina Coito, Madeira Grilo, Lopes Craveiro, Helder Sequeira, Virgílio Ardérius, Maria José Trabulo, Fernando Bento, Vítor Santos, Luís Celínio, Rebelo de Oliveira, Francisco Carvalho, e tantos mais que contribuíram como uma família radialista para a dignificação, expansão e prestígio da mais antiga radio portuguesa. Alguns, infelizmente, já nos deixaram.
Além de inúmeras reportagens de exteriores de índole regionalista, política, social, cultural e religiosa que assegurei para a Rádio Altitude, também criei e dirigi, com os meus camaradas João Trabulo e Joaquim Fonseca, um programa semanal do Regimento militar “A voz do Doze”.
Tem na memória algum episódio, na Rádio, que gostasse de recordar?
Poderia aqui evocar os mais diversos episódios ocorridos nas transmissões que assegurávamos de vários pontos da região e do país, nuns tempos em que o sinal era levado aos estúdios através dos imponderáveis das linhas telefónicas dos CTT. Mas os episódios que me marcaram foram os relatos de futebol transmitidos a partir dos estádios de cidades como Portalegre, Castelo Branco, Covilhã, Viseu, Coimbra, Figueira da Foz, Gouveia, Seia, Lamego, Pinhel, Aveiro, Espinho, etc., etc.
Recordo que, quando fazíamos os relatos de futebol junto aos relvados dos estádios de algumas destas localidades, os espetadores da bola, que não sabiam como se faziam os relatos desportivos, cercavam-nos estupefactos e surpreendidos durante toda a emissão.
Também guardo memória das gravações que se faziam nas sedes dos concelhos, na época que antecedia o Natal, para se registarem as mensagens dos familiares dos militares que nesse tempo combatiam nas antigas colónias. Guardo a imagem de tanta gente anónima sénior que, de lágrimas nos olhos e saudades no coração, deixava no final das mensagens sempre a esperança num sentido “até ao teu regresso!”
E as memórias sobre o R.I.12? A cidade perdeu muito com a extinção dessa unidade militar?
Tive o orgulho patriótico de durante cerca de três anos prestar serviço como oficial miliciano no velho R.I.12, aquartelado na Guarda. Apelido-o de “velho” porquanto foi descendente do terço de Chaves (1706) e herdeiro das tradições militares de unidades de grande prestígio no nosso país, por ações de resistência às invasões napoleónicas dos exércitos franceses no início do séc. XIX e por campanhas em África, na II guerra mundial e, depois, na guerra colonial.
O cumprimento do meu serviço militar obrigatório no R.I. 12 deixou-me algumas boas memórias, mormente na camaradagem e na amizade que construímos sob o lema do regimento “Firmes como rochas”.
A extinção da unidade militar deixou um vazio social e económico na cidade. Lembremos que o R.I. 12 proporcionava quatro turnos anuais de formação aos recrutas, e cada turno absorvia mais de 600 recrutas, provenientes na sua maioria da região norte do país.
Além desses, o pessoal do quadro permanente e milicianos somavam cerca de cem militares. Portanto, é fácil inferir o vultuoso investimento que a logística da unidade militar fazia no tecido empresarial da cidade e região, bem como os gastos que todos os militares, sem exceção, deixavam na habitação, no comércio e nos serviços locais.
Acha que falta fazer a história do R.I.12?
Seria importante escrever em pormenor a história do R.I. 12, e, sobretudo, a história dos regimentos aquartelados na Guarda ao longo dos tempos: R. I. 34 e 2º Grupo de Metralhadoras (1911-26), Batalhão de Caçadores 7 (1814-16, depois 1939-61), Batalhão de Caçadores 29 (1840-42), Batalhão de Caçadores 4 (1842-43), Batalhão de Caçadores 1 (1844), e, finalmente o R.I. 12 (1846-1939 e, depois, de 1966 até à sua extinção.
Durante parte do tempo em que servi no R.I. 12, por decisão do então comandante coronel Jorge Inglês, fui incumbido de escrever dois opúsculos intitulados “Pequena história dum velho Regimento – O R.I.12” e “Relação dos comandantes efetivos do R.I. 12 (1706-1967)”. A pequena história resume sucintamente as unidades que precederam o R.I. 12, as suas origens, divisas e condecorações.
Qual foi o percurso da sua atividade profissional e o que gostou mais de fazer?
A minha atividade principal e vocacional foi sempre o ensino. Lecionei alunos dos vários graus de ensino desde 1963 até 1978.
A partir desse ano letivo passei a exercer funções pedagógico-administrativas na coordenação do ensino da Embaixada de Portugal em França, sob a tutela do Ministério da Educação e da conselheira cultural da Embaixada, em Paris.
Entre 1978 e 1989, no exercício dessas funções, percorri todo o território francês para diligenciar junto das várias Academias a criação de cursos de língua e cultura portuguesa.
Em 1989, quando regressei a Portugal, ficaram em França cerca de 550 professores a lecionar Português para mais de 55 mil alunos em escolas de toda a França.
No ano letivo de 1989/90 ingressei na Inspeção-Geral da Educação, onde mantive, até à minha aposentação, uma atividade inspetiva a escolas e instituições públicas e privadas de todos os graus do ensino.
Senti-me realizado no desempenho de todas as tarefas que envolveram alunos e colegas professores e inspetores, mas um dos momentos altos da minha carreira profissional ocorreu no dia de Portugal de 1981 quando me foi atribuída pelo presidente Ramalho Eanes, sob proposta do ministro da Educação Vítor Crespo, a condecoração do grau de oficial da instrução pública.
Acompanha o que se passa atualmente na Guarda?
Sim. Pelas razões atrás aduzidas acompanho à distância as atividades e eventos da Guarda através da comunicação social e dos relatos e comentários de familiares e amigos residentes.
Como vê o estado atual da cidade?
Da Guarda da minha meninice e juventude até à atual cidade há um progresso enorme.
As auto estradas A 23, A 25 e IP2 desencravaram a região e ligaram-na mais facilmente ao litoral e aos grandes centros. A ferrovia, com as duas linhas (da Beira Alta e Baixa) em funcionamento pleno podem, no futuro, abrir mais perspetivas de desenvolvimento na Beira interior.
O Instituto Politécnico (que não existia no meu tempo) veio ser a locomotiva que fazia falta à juventude, tanto nacional como estrangeira, para sonhar e realizar projetos de vida e de futuro. O crescente número de alunos estrangeiros que procuram o I.P.G. para prosseguimento dos estudos revela bem o prestígio dos seus cursos superiores.
O turismo também é a mola impulsionadora da região serrana e mais será quando, além dos seus magníficos ares, dos seus monumentos e gastronomia, a Guarda lhes oferecer belas praias fluviais e passadiços na montanha. Na minha ótica, o porto seco na Guarda alavancará no futuro a indústria, o comércio e os transportes. Tudo isto é bom para melhorar o estado atual da Guarda.
E a candidatura da Guarda a capital europeia da cultura em 2027?
Aplaudo entusiasticamente a candidatura da Guarda a capital europeia da cultura 2027. Formulo votos para que a comissão, os municípios da região envolvidos, a comunicação social e as forças vivas trabalhem unidas nesse objetivo, que a ser conseguido, levará a Guarda para um patamar futuro de desenvolvimento e de imagem externa importantíssimos e duradoiros. Força Guarda!
A primeira fase de candidatura ao Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNA) decorrerá entre 7 e 23 de agosto.
A divulgação dos resultados terá lugar a 28 de setembro, dia em que se inicia a segunda fase de candidaturas, a qual terminará no dia 9 de outubro.
A terceira fase realiza-se de 22 a 26 de outubro. As últimas colocações serão divulgadas a 30 de outubro.
De referir que o período de matrículas e inscrições nos estabelecimentos de ensino sofre, consequentemente, uma alteração. Assim, os alunos colocados na primeira fase devem fazer a sua inscrição entre 28 de setembro a 2 de outubro, enquanto os colocados na segunda fase devem proceder à sua matrícula entre 15 a 19 de outubro e os da terceira fase no período de 30 de outubro a 3 de novembro.
O calendário foi aprovado em Conselho de Ministros realizado ontem, 9 de abril, onde ficou também definido que os exames necessários para as candidaturas ao ensino superior vão decorrer entre 6 e 23 de julho (1ª fase) e 1 a 7 de setembro (2ª fase).
No Sabugal decorreu hoje, 25 de maio, o XIII Encontro de Antigos Alunos, Professores e Funcionários do antigo Externato Secundário.
O programa integrou a receção no edifício do antigo Colégio do Sabugal, uma missa na igreja paroquial e uma sessão no Auditório Municipal, no decorrer da qual foi prestada uma homenagem ao Padre António Almeida Souta, que exerceu as funções de professor no referido estabelecimento de ensino, e igualmente Pároco do Sabugal.
Como foi afirmado pela Comissão Organizadora deste XIII Encontro, “o Padre António Almeida Souta desempenhou o seu papel como sacerdote, como cidadão mais foi mais além desse papel. Como docente, marcou a sua presença e ação no projeto educativo do Externato Secundário do Sabugal.”
Daí que tenha surgido, no âmbito do Encontro de Antigos Alunos esta “singela mas significativa homenagem a um docente do antigo Colégio; homenagem que consubstancia a esperança e o desejo de honrarmos a memória de quem se cruzou connosco na vida, num tempo de juventude, sonhos, aprendizagem.”
A atuação da Egitúnica- Tuna Feminina do Instituto Politécnico da Guarda foi outro dos pontos altos do programa deste encontro que juntou antigos alunos e familiares vindos de vários pontos da região e do país, tendo terminado com um jantar convívio nas instalações da Junta de Freguesia do Sabugal.
À semelhança dos anteriores encontros, a iniciativa pretendeu ser um momento de convívio entre antigos alunos – de várias gerações – e ex-docentes e funcionários, “oportunidade de evidenciar memórias, rever amizades, evocar o relevante papel desempenhado pelo Colégio do Sabugal”, como referiram os elementos da Comissão Organizadora deste encontro, integrada por António Bogas, Cecília Pissarra, Helder Sequeira, Manuel Corte e Nélia Carrilho.
O Externato Secundário do Sabugal funcionou, recorde-se, entre 1955 e 1986, tendo sido dirigido pelo Dr. José Diamantino dos Santos, igualmente docente daquele estabelecimento de ensino, onde estudaram milhares de jovens de sucessivas gerações.
No decorrer do jantar convívio foram divulgados os nomes dos elementos que vão integrar a próxima comissão organizador do encontro a realizar em 2020.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.