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A 21 de outubro de 1947 (completam-se hoje 77 anos) foram definidas na Guarda as orientações para o indispensável e normal desenvolvimento das emissões radiofónicas da futura estação CSB-21, propriedade da Caixa Recreativa do Sanatório Sousa Martins.
O regulamento aprovado pelo médico guardense Ladislau Patrício (à época, Diretor do Sanatório Sousa Martins e por inerência o primeiro diretor da Rádio Altitude) para além da informação que nos transmite sobre a vivência radiofónica de então e a forma como era desenvolvida – a par das preocupações de balizar os conteúdos programáticos das emissões – remete-nos para um tempo onde se solidificavam os alicerces da Rádio Altitude (RA), cuja inauguração oficial ocorreu a 29 de julho do ano seguinte, como sabem os nossos leitores.
Ladislau Patrício desde cedo percebeu a importância, o alcance e o papel social da Rádio, reforçando essa perceção através dos contactos regulares e das viagens ao estrangeiro; conciliou, por outro lado, aquilo que defendeu na sua obra “Altitude – o espírito na medicina” com uma atividade ocupacional dos doentes capaz de valorizar os seus conhecimentos e capacidades individuais. Nesse regulamento de 1947 era definido o objetivo de proporcionar aos doentes “certas distrações compatíveis com a disciplina do tratamento”.
Ao longo das décadas seguintes, as normas orientadoras da RA sofreram as necessárias alterações em função das subsequentes realidades técnicas e, obviamente, dos próprios recursos humanos; as estratégias das sucessivas direções foram modificadas quer com o alargamento do espetro radioelétrico, quer com o início das emissões em frequência modulada (FM), quer com os horizontes abertos após a utilização da internet e da introdução das novas tecnologias de informação.
Atualmente, esta rádio, à semelhança de outras, confronta-se com novos desafios, impostos não só pelas profundas mudanças tecnológicas, mas também pelas novas realidades económico-financeiras, num contexto de drástica redução das receitas publicitárias, agravado por diversificados encargos resultantes de exigências específicas da legislação em vigor. Estas dificuldades têm condicionado a existência de muitos órgãos de informação e, como é do domínio público, ao longo dos últimos anos desapareceram várias emissoras locais e jornais regionais…um verdadeiro drama…
As entidades governamentais conhecem esta realidade. Há dias, e na apresentação do Plano de Ação Para a Comunicação Social, o Governo reconhecia que este sector “enfrenta hoje desafios globais que decorrem da mudança de hábitos de consumo de informação, de alterações tecnológicas e da falência do modelo de negócio dos media tradicionais”, acrescentando não esquecer a responsabilidade do Estado em “reforçar o serviço público e garantir uma comunicação social sustentável, livre, independente e pluralista.”
No documento apresentado, é reconhecido que “as evoluções tecnológicas dos meios e o acesso digital de todos, não são compatíveis com um conjunto de legislação simultaneamente desatualizada e complexa. A desigualdade de capacidades entre grandes grupos e pequenos OCS regionais ou locais tem vindo a agravar-se”. Daí que a legislação a rever e a integrar no futuro Código da Comunicação Social englobe a Lei de Imprensa e Estatuto da Imprensa Regional, a Lei da Rádio e a Lei da Transparência dos Media e Decreto dos Registos, entre outras.
Como já referimos anteriormente, é expressivo o número de estações emissoras que desapareceram ou foram absorvidas por grandes grupos, convertendo-as em meros retransmissores.
Este declínio contraria e anula o espírito que esteve subjacente à legalização das rádios locais e à preocupação em servirem as suas comunidades; incrementando a informação, o debate, a valorização do seu património e costumes, a salvaguarda do pluralismo, a defesa da democracia, o exercício responsável do jornalismo.
António Borga afirmou no V Congresso dos Jornalistas que “o jornalismo não é um negócio. O jornalismo é uma atividade de utilidade social e interesse público”. Na mesma linha, e na mensagem dirigida, então, aos jornalistas portugueses a Vice-Presidente da Comissão Europeia considerava que a “informação é um bem público, cabendo às democracias proteger os jornalistas”; defendeu, ainda, que é necessário “encontrar soluções a nível europeu e internacional” para a crise do jornalismo, acrescentando a necessidade de serem e incentivar investimentos públicos, que “respeitem a independência e o pluralismo” da atividade.
Nestas colunas – e voltando a centrar-nos nas rádios locais – defendemos já que a qualidade dos conteúdos informativos aliada à independência e isenção é fundamental para a reaproximação dos públicos; estes, permitam sublinhar, não podem ter uma atitude de indiferença perante os media. O apoio passa, desde logo, por se assumirem como ouvintes (e leitores dos sítios na internet e redes sociais) regulares, ativos, críticos, com rosto (e não escondidos no anonimato).
Será com o empenho e contributo de todos – responsáveis pelas rádios, jornalistas, animadores de emissão, estado, instituições, empresas, cidadãos – que o cenário hoje existente pode ser alterado, para bem das emissoras e da democracia; num esforço convergente onde se privilegie a informação de proximidade, uma mais ampla cobertura do que mais significado tem e interessa às comunidades locais e regionais, uma programação diferenciada e aferida pela qualidade dos conteúdos. Só assim sentiremos novas ondas na Rádio, um meio que continua a ter um lugar no presente e no futuro, desde que se saiba reinventar, apreender as mudanças e adaptações necessárias, assegurar os indispensáveis suportes para a sua sustentabilidade.
Hélder Sequeira
in O INTERIOR, 16|out|2024
O panorama atual das rádios portuguesas é substancialmente diferente daquele que era vivido há duas ou três décadas. Houve uma seleção natural das estações nascidas sob o alvor da regulamentação do espectro radioelétrico, face a condicionalismos de vária ordem; mormente da necessidade de serem afirmados projetos pautados pelo profissionalismo, com um esclarecido entendimento da função social da rádio.
O suporte económico-financeiro não deixou de ser um fator importante, sobretudo em zonas de baixa densidade populacional, como a nossa, onde as fontes de receita proporcionadas pela publicidade diminuíram de forma drástica. A pandemia fez-se também notar de forma impiedosa, ainda que chamando a atenção para novas fórmulas de desenvolvimento do trabalho na rádio.
A diminuta fatia (quando existente) da publicidade institucional acentuou ainda mais a preocupante realidade de muitas estações. Os projetos radiofónicos não evoluem se não for garantida a sua sustentabilidade financeira, a sua autonomia e, simultaneamente, criadas dinâmicas capazes de reforçarem a qualidade dos conteúdos programáticos, ampliarem audiências, aproximarem-se dos seus destinatários e interlocutores.
Será oportuno recordar que nos fins genéricos da atividade de radiodifusão se inscreve a obrigação de contribuir para a informação do público, garantindo aos cidadãos o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. Por outro lado, a lei estabelece que às rádios compete contribuir para a valorização cultural da população, assegurando a possibilidade de expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, através do estímulo à criação e à livre expressão do pensamento e dos valores culturais que traduzem a identidade nacional.
O debate em torno do perfil da rádio, na atualidade e no futuro, tem suscitado posturas diferenciadas, mas convergentes quanto à sua continuidade. Para alguns, a rádio tem de resistir à tentação de perder a sua credibilidade na concorrência diária que enfrenta com as redes sociais e media socias. Essa credibilidade passa pelo rigor e salvaguarda permanente da sua função informativa, pela ação ao nível do entretenimento, nas várias vertentes.
Tendo em consideração a constante evolução tecnológica e as tendências dos consumidores, é também defendido que caminhamos para a existência de menos rádios físicas e mais virtuais; para uma rádio interativa no plano musical, com a escolha por parte do ouvinte. Este cenário faz emergir novas exigências para os seus profissionais que têm de estar dotados de competências ao nível da utilização das redes sociais, da edição de áudio e vídeo relativa aos seus trabalhos; sejam peças informativas, sejam as intervenções específicas na programação regular.
Não esqueçamos que a humanização da rádio é fundamental; as pessoas não podem ser afastadas do processo evolutivo e do plano radiofónico. Um radialista espanhol escrevia, a este propósito, que quanto mais complexa é a tecnologia mais se valorizam os conteúdos humanos que existem no seu interior. Assim, importa evidenciar e valorizar a importância da voz na rádio, a presença do animador de emissão, que nos envolva no fascínio da rádio; o qual não é incompatível com a adequação das suas emissões a novas plataformas e meios de receção.
Longe vai o tempo da mobilidade que o transístor nos permitia; hoje o telemóvel está presente no nosso quotidiano, ultrapassando largamente a função de fazer ou receber chamadas. É arquivo, é meio de consulta e informação, meio de registo áudio ou vídeo, elo permanente de ligação com o mundo. A audição da rádio passa, igualmente, pelos dispositivos móveis. A rádio não pode olvidar estes novos recetores e a adequação das suas emissões para estes equipamentos; adequação que pode ser complementada com aplicações que agilizem e agendem alertas para programas, notícias, trabalhos específicos que interessem ao cidadão.
Neste contexto é fundamental centrar a atenção nos conteúdos programáticos. Percebe-se, cada vez mais, que o ouvinte escolha perfis identitários numa emissora onde a diferença da oferta informativa e musical constitua uma possibilidade de opção face à uniformidade das propostas radiofónicas; geralmente com a exaustiva repetição de músicas, com a sucessiva reedição de temas de política nacional ou local, com demasiado peso da opinião de comentadores, com a redundância de temáticas que podem ser gratas aos intervenientes de um espaço de debate radiofónico, mas não têm o mesmo interesse para a generalidade de quem escuta.
Escrevíamos, nas linhas anteriores, que os conteúdos humanos são fundamentais, mesmo com o atual quadro tecnológico. De facto, é por uma rádio com gente dentro, por uma rádio atenta à realidade local dando expressão a quem tenha algo de novo e diferente para dizer, que passa também o futuro da rádio, muito para além dos limites definidos pelas ondas hertzianas.
Aliás, “O Rádio sem Onda – convergência digital e novos desafios na radiodifusão” é o sugestivo título de um livro de Marcelo Kischinhevsky; uma publicação onde foi feita uma síntese da trajetória do rádio nas últimas décadas e de alguns caminhos para o futuro (alguns já do presente), onde ficam balizados o podcasting ou o rádio digital por assinatura.
Estes novos cenários da rádio devem merecer a indispensável atenção de forma que se potenciem recursos humanos, agilizem estratégias, se alcancem objetivos de audiência e se garanta uma posição de vanguarda. Claro que não podemos ser redutores quanto à questão de a rádio tradicional ter limites temporais na sua existência, nem ficarmos presos ao debate se a o rádio na internet é rádio.
Esta atividade não se pode alhear da evolução tecnológica, por um lado, nem alimentar, por outro, a ideia sublinhada por muitos de que o rádio tradicional ficará obsoleto como os discos de vinil. Não é verdade, muito menos para este exemplo, pois sabemos que o vinil emergiu com uma nova força e qualidade sonora.
Uma boa e completa informação (distribuída equilibradamente ao longo da emissão), numa estação de rádio, reforça a sua presença na zona onde se insere, atribui-lhe identidade, e visibilidade no contexto global. Como têm defendido vários investigadores da área dos media, “a força do jornalismo numa emissora de rádio local é o instrumento que lhe dá a sensação de plenitude local e regional”. A informação a privilegiar pela rádio local é a que está relacionada aos acontecimentos da proximidade; na opinião de Cebrián Herreros "o mais importante é cobrir as notícias que os demais não dão", mesmo que menos sensacionais.
O êxito de uma estação de rádio, em especial neste espaço geográfico do interior do país, passa por um entendimento objetivo dessa realidade e pela permanente aproximação e interação com a mesma. Desde logo com os setores populacionais circunscritos ao meio rural e que, não seguindo conteúdos informativos do meio televisão – por variadas razões – encontram na rádio a companhia diária, um interlocutor de proximidade, uma maior identificação.
Este trabalho das rádios implica um grande labor diário, uma permanente formação, atualização, a par de uma imprescindível interpretação dos contextos sociais, culturais, políticos e económicos. Um trabalho sério e isento, equidistante, sem declinar, naturalmente, uma salutar relação profissional sempre com a devida consciência das normas deontológicas e éticas.
O futuro da rádio – alicerçado em pilares de competência, profissionalismo e experiência – passa pela sua reinvenção e perceção da sua inconfundível magia.
Helder Sequeira
in jornal O Interior, 21_junho_2023
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