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Pelas Alminhas...

por Correio da Guarda, em 17.04.25

 

O “Culto Privado das Almas” foi a temática do percurso pedestre que a Associação de Jogos Tradicionais da Guarda (AJTG) promoveu no passado dia 5 de abril, nas aldeias de Trinta, Corujeira, Fernão Joanes e Meios (concelho da Guarda). Uma iniciativa que foi realizada em parceria com o município guardense.

Como foi referido a propósito deste percurso, pretendeu-se levar os participantes à descoberta do património cultural material e imaterial, mas também do património natural daquela área do concelho da Guarda, num trajeto de sete quilómetros. A AJTG já no ano passado tinha promovido (a 23 de março) o “Percurso das Alminhas” que com início na Menoita passou por várias localidades da freguesia de Pêra do Moço: Menoita, Rapoula, Pêra do Moço e Verdugal; com incidência no património local e na identificação de alminhas.

Singelos monumentos expressivos da religiosidade popular, as “Alminhas” constituem um património ímpar que não tem merecido a devida atenção e a necessária salvaguarda; deste modo, iniciativas como esta protagonizada pela Associação de Jogos Tradicionais da Guarda são de registar, aplaudir, incentivar e apoiar.

Na nossa região existem inúmeros testemunhos do culto das almas, sob diversificadas manifestações de arte e nos mais distintos lugares, embora os caminhos e as encruzilhadas tenham constituído locais privilegiados para a sua implantação.

A representação do Purgatório num oratório, retábulo ou painel, com chamas envolvendo as almas que suplicam aos santos e apelam ao auxílio das preces de quem passa, materializou-se, inicialmente em pinturas, a partir do século XVI; conheceu uma maior difusão no século seguinte, no território português, com maior incidência a norte do Mondego (a sul essa manifestação artística ficou, muitas vezes, no interior das igrejas e nas capelas das Irmandades).

Embora alguns estudiosos desta temática sustentem que as “Alminhas” se tenham inspirado e sejam uma herança das “civilizações clássicas de Roma e Grécia que nas suas deambulações já haviam erguido monumentos junto às estradas para devoção aos seus deuses”, sabemos que a origem das alminhas surge na Idade Média.

A partir do Concílio de Trento,1563, a ideia do Purgatório (anteriormente, e em especial nos primeiros séculos do cristianismo existia apenas o Céu e o Inferno) é imposta como dogma, atitude que é interpretada como uma resposta da Igreja Católica à reforma implementada pelos protestantes. Assim, o Purgatório surgia como um local (entre o Céu, para os bons, e o Inferno, para os maus) onde as almas passavam por um estado, forçado, de purificação. Aliás, estas manifestações de religiosidade popular e de arte eram, simultaneamente, um alerta permanente para a fragilidade da vida, perante a certeza da morte.

Alminha_Foto HS

As “Alminhas” eram erguidas, normalmente, por iniciativa individual como homenagem, em memória de familiares ou no cumprimento de promessas. Esta devoção popular atravessou séculos e embora a meio do século passado tenha sido evidente um rejuvenescimento através da introdução da azulejaria (e alterado o culto inicial para manifestação de fé em santos da predileção pessoal), muitos destes pequenos monumentos, mercê do tempo e da desertificação das regiões, caíram no esquecimento e em progressiva degradação.

Ó vós que ides passando, lembrai-vos de nós que estamos penando”… Este apelo, inscrito em inúmeras “Alminhas”, bem pode ser, na atualidade, dirigido a todos nós que temos esquecido este peculiar património (não são conhecidos muitos mais exemplos – com exceção para alguns casos, raros – na Europa), disperso por caminhos, muros, pontes, campos, estradas…

Assim, o projeto da AJTG centrado no “Culto Privado das Almas” é um eminente contributo para a salvaguarda, estudo e defesa deste património que pode ancorar uma diversidade de roteiros, mas também suscitar investigações contextualizadas em épocas ou tipologias dessas expressões de religiosidade, permitindo a sua descrição/história através de códigos disponibilizados pelas novas tecnologias; exigindo igualmente a adequada sinalética e iluminação (mesmo nos locais mais ermos isso já é viável, através de focos/luminárias com energia solar).

No concelho e no distrito da Guarda (como noutras regiões, obviamente) é urgente, fundamental, a referenciação (ou continuidade desse trabalho), a defesa, o estudo (por equipas interdisciplinares) e a divulgação das Alminhas, sob o risco de perdermos mais um importante traço identitário do nosso património e cultura.

 

Hélder Sequeira

 

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