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O distrito da Guarda, para além de pioneiro, foi rico em títulos de imprensa local e de muitos outros, acumulando um valioso património em termos de equipamentos gráficos. Como tem acontecido noutras áreas, o esquecimento atingiu as velhas peças das antigas tipografias, elementos primordiais para o conhecimento da evolução operada no sector gráfico.
Na Guarda existem, por enquanto, testemunhos desse percurso, de uma época em que as máquinas de impressão não tinham o auxílio da energia elétrica, a composição era manual e as zincogravuras eram indispensáveis para ilustração dos textos.
Aqui nestas colunas, tivemos já a oportunidade de falar (há alguns anos atrás) da Tipografia “Beira Serra”, em pleno centro da cidade, onde era (porque encerrou, entretanto) possível o reencontro com o passado desta atividade. As origens desta casa de artes gráficas parecem remontar à primeira década do século XX, a uma modesta oficina que existiu na Rua D. Sancho I (em pleno centro histórico). Após algumas mudanças de titularidade, e já na década de quarenta, a então proprietária vendeu a tipografia que, com a morte do novo proprietário, foi adquirida por Virgínia Guedes Ribeiro para seus filhos, Emídio e Francisco Guedes Ribeiro. Com a aquisição de uma nova máquina, automática (marca Frontex), tornou-se necessário um espaço com outras condições, pelo que, em meados da década de cinquenta, a tipografia passou a funcionar na Rua Nuno Álvares, a escassos metros do Lactário Dr. Proença. Este é um exemplo, entre outros, de espaços onde a mestria se aliava à intensa salvaguarda de palavras e a uma multiplicidade de trabalhos gráficos.
Nessa tipografia, para além do equipamento de impressão existe/existia uma antiga guilhotina manual; uma peça rara, pois a generalidade das guilhotinas são elétricas. Encerra, ainda, outro valioso património, do ponto de vista documental e técnico, como sejam as zincogravuras; estas – que permitiam a inserção de fotos ou ilustrações nos trabalhos impressos – eram feitas em zinco, suportado numa base em madeira. Junto a uma das paredes da velha oficina estava o antigo cavalete, ou seja o móvel que guarda as caixas tipográficas (feitas em madeira e dispostas em plano inclinado) e no qual era desenvolvido uma grade parte do trabalho do profissional de tipografia; nelas estão, devidamente compartimentados e organizados (em divisões, caixotins), os tipos, nome que se atribui a todos os caracteres (a forma que se dá à letra) de chumbo.
Na atualidade a composição manual é um labor raro; compor um trabalho consistia em alinhar os caracteres tipográficos de modo a formar palavras e linhas, de acordo com aquilo que estava no original.
O quotidiano guardense tem passado ao lado de uma riqueza patrimonial e afetiva que corre o risco de se perder irremediavelmente, face à marcha célere do progresso, da evolução da técnica, do redimensionamento dos mercados ou das novas exigências empresariais e comerciais. Tem havido mesmo quem considere (certamente por inconsciência ou ignorância...) que o material das antigas tipografias não merece outro destino que não seja o lixo...
Através do velho cavalete das antigas tipografias abrem-se múltiplas memórias que é preciso compor, com os tipos do presente, alinhados em mensagens claras sobre este património valioso, a exigir um justo enquadramento museológico. A zona de abrangência de uma instituição dirigida ao sector em referência poderia ir muito além das fronteiras do distrito da Guarda.
A Guarda ficaria, indubitavelmente, enriquecida e faria justiça a um sector (bastaria evocar os títulos de imprensa local que aqui foram editados) que tanto contribuiu para a sua promoção e divulgação.
(In O Interior, 20/8/2015)
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