A Guarda perdeu, vai fazer em breve nove anos, um incansável investigador e dedicado estudioso da cultura regional.
Nascido em 1934, para além da sua, reconhecida e apreciada actividade como sacerdote, José Miguel Carreira Amarelo, com a sua simplicidade, com uma permanente disponibilidade e com as suas qualidades humanas, sobressaiu como docente e como homem de cultura.
Para muitos, afastados dos seus tradicionais círculos de actividade, Carreira Amarelo terá passado desapercebido; mas embora não se negasse à colaboração tantas vezes solicitada pelos orgãos de informação locais e regionais, declinava sempre os protagonismos mediáticos ou as luzes da ribalta, optando antes pela entrega ao trabalho quotidiano, nas várias frentes do seu labor. “O Padre Amarelo era um homem excepcional -e por qualidades de humildade e amor. Não lhe faltava perspicácia e sentido do dever e da responsabilidade, que, afinal, integravam o perfil de equilíbrio e de alguém principalmente atento aos outros. No entanto - eis a sua riqueza - desequilibrava-se. Não imitava os homens comuns - nem podia. Tímido, escrupuloso, vocacionado - chamado pela vocação de ser inteiro e bom”, como escreveu Manuel Poppe.
No capítulo do ensino a sua presença ficou bem firmada, como podem confirmar múltiplos e insuspeitos testemunhos. Aliás, ao longo do seu percurso académico, José Miguel Amarelo deixou indeléveis marcas da sua forma de ser e outrossim do seu saber, entregando-se à descoberta constante dos valores e expoentes culturais desta região. “ O Dr. Amarelo estava interiormente convencido de que a Igreja só foi aceite quando se voltou para a cultura que constituiu a sua riqueza e atracção. A história o confirma desde os seus começos, com a fundação das escolas paroquiais e episcopais e as primeiras universidades. Talvez por isso e por outros motivos aliou a sua missão eclesial um trabalho honesto de intelectual persistente e inovador”, realçou Júlio Pinheiro no livro de homenagem editado pela, à altura, Escola Superior de Educação do IPG.
O teatro popular foi uma das temáticas que o entusiasmou, com particular incidência nas tradições de Pousade, freguesia do concelho da Guarda. Nos dois volumes editados sobre o Teatro Popular, procurou, como escreveu na apresentação do primeiro dos livros, “salvar do naufrágio do esquecimento e da perda uma pequena parcela da nossa cultura popular e regional.”
Num rápido esboço, recordamos o seu contributo para a divulgação da obra do autor da “Balada da Neve”; através de uma oportuna edição do Museu da Guarda, anotou o livro “Augusto Gil – Cartas de Amor”, revelando parte do espólio lírico daquele poeta, até então desconhecido.
Naturalmente que não cabe nesta despretensioso apontamento, nem é esse o intuito, a descrição do perfil de José Carreira Amarelo. Nestas breves anotações, aproveitamos para relembrar que depois de ter deixado a Direcção da Escola Superior de Educação, do Instituto Politécnico da Guarda, onde continuava a leccionar, centrava, ultimamente, a sua particular atenção numa obra sobre “As Pastorais dos Bispos da Guarda”, a tese de doutoramento que em breve iria discutir, e a qual constitui um importante documento histórico-cultural da região, mormente sobre o período temporal escolhido.
Este trabalho não pode ser olvidado e merece a adequada e merecida divulgação, pois, para além do seu valor específico, perpetuará a memória do seu autor e será um acto de justiça perante o demorado trabalho de investigação que precedeu a sua elaboração.
Na edição, anotada, das “Cartas de Amor de Augusto Gil”, José Miguel Amarelo escrevia que “com a divulgação de todas as suas cartas lucrará o leitor e a cidade da Guarda que tanto amou”. Diremos, entretanto, que com a publicação da tese de doutoramento de Carreira Amarelo beneficiará, inquestionavelmente, esta região; a cultura e a história regional. Espera-se que este trabalho suscite a merecida e devida atenção.
Helder Sequeira
in "O Interior" (29/10/2009)