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O espectáculo colectivo “Guarda: a República” constituiu mais um excelente momento de exaltação cívica e cultural, na linha de outras produções do TMG.
Acresce o facto – é de toda a justiça sublinhar –, de terem estado envolvidas colectividades e associações do concelho da Guarda, para além de outros contributos individuais.
Um espectáculo com este perfil exige um grande trabalho, uma forte determinação e convicção, a dedicação e o contributo de muitas pessoas. E neste contexto da comemoração do centenário da República foi de grande oportunidade esta produção cultural “para falar dos ideais da liberdade, igualdade e fraternidade”, como aliás referiu Pompeu José (co-autor do guião e co-encenador). “Faz todo o sentido celebrar o sonho de uma sociedade onde a instrução e o saber são o centro da actividade política, onde a cidadania e a participação são os pilares da democracia”, escreveu ainda.
“Guarda: a República” revisitou a cidade mais alta de Portugal no período e na data em que foi derrubada a monarquia e implantado um novo regime; época de forte efervescência ideológica, de aguerridas lutas entre os jornais de facções opostas, em que pontuaram “O Combate” e “A Guarda”…mas onde “A Actualidade”, dirigido por Augusto Gil se assumiu como tribuna de denúncia dos desvios cometidos por muitas personalidades republicanas (locais, regionais, nacionais). Basta (re)ler as páginas daquele semanário…algumas das suas afirmações, escritas em 1910 e 1911, reeditadas um século depois continuam perfeitamente actuais…
Neste espectáculo pairou a figura de José Augusto de Castro, o célebre director de “O Combate” que, logo após a implantação da República escrevia: “Conheço os homens, sei o que eles têm sido e são. Não me iludem atitudes. As adesões que para aí são feitas revelam ainda maior falta de carácter, de sentimento moral. As adesões representam baixeza e da baixeza há-de irromper o ódio não extinto mas apenas dominado, reprimido, por impotente (…). Proclamar a República não quer dizer extinguir a iniquidade, mas apenas avançar um passo no caminho que conduz à sua extinção”…
“Guarda: a República” evocou ainda Carolina Beatriz Ângelo e Afonso Costa. O texto do seu discurso seguiu, diga-se, uma das suas intervenções enquanto parlamentar. “Recordo que, desde 1891, todas as classes estavam sobrecarregadas com as consequências de uma crise temerosa, produzida pela monarquia. Todo o país trabalhava para se desembaraçar dessa crise profunda. Todos os empregados públicos sofriam deduções exageradíssimas. Os portadores da dívida pública ficaram quase sem o juro a que tinham direito”, afirmou o personagem, interpretado por Vasco Queirós. Coincidência com a actualidade?...É de reflectirmos nestas palavras, mais de um século depois...
Como igualmente devemos atentar nas afirmações, inquietudes, desilusões do personagem Rebeldino (numa excelente interpretação de Américo Rodrigues, o Director do TMG), no fundo o retrato biográfico de JAC, na fase final da sua vida, há anos afastado da Guarda…
O actor deu ao texto – que tivemos o ensejo de escrever, entre a ficção e a verdade biográfica do republicano referenciado – uma emotividade e um brilho que entroncou na mensagem final deste espectáculo. Há que sonhar novas madrugadas, pensar novos horizontes onde se afirmem os ideais de Rebeldino, combatente da liberdade, defensor da instrução, do trabalho e adversário das pessoas “para quem a cultura é uma ameaça constante à sua pequenez moral e intelectual… como se a cultura não fosse a luz da civilização, a chama libertadora dos povos.”…Um eco que vem já de “O Combate”, para os mais distraídos..
Uma vez mais um espectáculo com mensagem, com actualidade, um trabalho colectivo que deve ficar na memória cultural da Guarda…
Helder Sequeira
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